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Capítulo 1 – Enquadramento Teórico

3. Tempo prévio ao discurso oral: estratégias estruturais e motivacionais para um

3.1 A competência da escrita e o seu modelo processual

Já muito se debateu sobre como implementar o gosto pela escrita em alunos que maioritariamente não comungam do hábito de desenvolver um texto escrito. Torna-se, por isto mesmo, importantíssimo compreender o processo de desenvolvimento do texto escrito como um processo de comunicação, cuja realização se revela acessível se se interiorizar as suas diversas fases de desenvolvimento.

A escrita é uma competência que possibilita ao aluno espaço para uma reflexão mais profunda sobre a língua, dando-lhe tempo e instrumentos para estruturar o pensamento.

Fernanda Irene Fonseca enfatiza a importância do uso do modo oral e do modo escrito na aprendizagem da língua materna, constatações que se podem transpor para a aprendizagem da língua estrangeira:

“Se o ensino-aprendizagem da língua materna tem, entre outros objectivos, o de propiciar ao aluno o acesso aos grupos socio-culturalmente mais prestigiados e se a posse de uma boa competência de uso escrito e dos usos orais de tipo reflectido é, como se tem visto, um dos factores mais determinantes na avaliação social de um indivíduo, então a pedagogia da língua tem responsabilidades acrescidas no que toca à aquisição dessa competência.” (Fonseca, 1992, p. 230).

A escrita é um processo cognitivo que “permite reconstruir na linguagem os diferentes olhares do sujeito sobre o mundo. Esses olhares, correspondentes a um conhecimento personalizado que acompanha a construção da aprendizagem, podem constituir a intervenção de cada aluno, enquanto produtores de conhecimento.” (Barbeiro, 2003, p. 33).

Assim, é importante dotar o aluno de competências que lhe permitam expressar a sua própria experiência de factos, emoções e opiniões, sem constrangimento, de forma a poder, pela comunicação, participar na partilha e interação da comunidade onde é suposto que se desenvolva o seu processo de crescimento como falante, cidadão e aluno: a turma. Por isso, Barbeiro (2003) propõe o que designa de atividade de “co-escrita”.

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Apesar de cada aluno trazer em si um estilo de escrita específico e de o professor ter o dever de respeitar o modus operandi de cada aluno, a escrita não deve ser, no entanto, uma atividade realizada de forma inata e sem normas que a orientem. Não se deve, portanto, permitir que o discente escreva “ao sabor da pena”, sem antes ter assimilado competências que tornem possível o domínio do texto escrito.

Maria Luísa Álvares Pereira (2000) refere que os alunos, por vezes, repetem frases ou excertos de texto memorizados, utilizam frases-tipo e baseiam-se excessivamente na memorização dos chamados “blocos orientados por um dado plano organizador.” (Pereira, 2000, p. 69). Perante isto, torna-se importante ensinar modelos processuais de escrita, mas sempre atentando na competência da autonomia do aluno na realização da tarefa.

O modelo de Hayes e Flower propõe a planificação, textualização e revisão do texto como processo de desenvolvimento da tarefa de escrita, possibilitando a aquisição de uma estrutura relativamente simples que permita a progressão do texto:

Figura 2: Modelo de Hayes e Flower (Pereira, 2000, p. 60)

Este modelo de Hayes e Flower foi, no entanto, alvo de críticas, devido a ser considerado demasiado “cognitivista, racional e consciente”. Por exemplo, Dominique Bucheton (1995) considera que este modelo cognitivo apresenta uma versão muito simplificada da atividade escritural, “precisamente porque neutraliza muitos outros

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parâmetros, nomeadamente de caráter afectivo e sociológico.” (Bucheton in Pereira, 2000, p.63).

Perante estas e outras observações, Hayes e Flower repensaram o seu esquema e Hayes (1995) explicita que foram integradas as componentes cognitivas da motivação e da afetividade, representando-se pelo seguinte esquema:

Figura 3: Modelo revisto de Hayes e Flower (Pereira, 2000, p. 61)

Segundo Emília Amor (1994), na fase de pré-escrita, a aprendizagem da planificação consiste em “ajudar o aprendente a identificar o tipo e objectivo da comunicação e adequá-la às características do público visado.” (Amor, 1994, p. 116).

Já na fase de escrita, no que respeita à aprendizagem da textualização, a autora destaca a importância da interiorização, pelo aluno, da coesão e coerência textuais e cita M. Charolles (1991) para abordar as regras de boa formação textual:

“Regra da repetição: para que um texto seja coerente, deve comportar, no seu desenvolvimento linear, elementos em estreita recorrência.

Regra da progressão: para que um texto seja coerente, é necessário que o seu desenvolvimento seja acompanhado de um acréscimo semântico constantemente renovado.

Regra da não-contradição: para que um texto seja coerente, é necessário que o seu desenvolvimento não introduza nenhum elemento semântico contradizendo um

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conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior, ou dedutível desta por inferência.

Regra da relação: para que uma sequência ou um texto sejam coerentes, é necessário que os factos que eles denotam, no tipo de mundo reconhecido por aquele que avalia o texto.”

(Charolles, in Amor, 1994, p. 117)

Anna Camps explica que as investigações de Bereiter & Scardamalia (1987) demonstraram existir dois métodos de escrita diferentes: aquele que denominam «dizer o conhecimento», onde “o escritor planifica o conteúdo e vai escrevendo, passo a passo, relacionando cada frase com a anterior e com o tema geral”, não relacionando “os conteúdos que escreve com as exigências da situação retórica, não elaborando uma imagem funcional da situação.”; aquele que chamam «transformar o conhecimento» e que “corresponde à conduta do escritor que inter-relaciona os conteúdos temáticos sobre os quais escreve com o espaço retórico, levando-o a reelaborar os ditos conteúdos e a transformá-los para se adequar à situação.” (Anna Camps in Lomas, 2003, p. 207).

A conduta que melhor se adequa a este projeto de investigação é a segunda hipótese, já que se pretendeu que a escrita fosse impulsionadora da competência comunicativa do aluno em contexto oral, onde a adequação à situação envolvente se torna nuclear.

Isto porque, retomando Emília Amor, “a escrita desenvolve-se, ainda, em termos e ritmos pessoais, faculta vários tipos de feed-back (auto e hétero; a curto e longo prazo; parcial e global), favorece e acelera a apropriação de outros modos de comunicação.” (Amor, 1994, p. 141).

É fundamental referir-se que “a existência de um produto escrito torna-o sustentáculo de novas relações em novos contextos.” (Barbeiro, 2003, p. 30) Nesta dimensão, Barbeiro explicita que a escrita ativa o percurso comunicativo, de modo que o seu conteúdo é transferível para outras circunstâncias (nomeadamente, a da expressão ou interação oral).

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