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1 INTRODUÇÃO

2.2 A complexidade da docência universitária e os saberes necessários e

A docência, compreendida como o exercício do magistério voltado para a aprendizagem, é considerada uma atividade extremamente complexa (PIMENTA, 2012; SOARES e CUNHA, 2010b, TARDIF, 2002) e não se limita à sala de aula, exigindo do professor esforços e atitudes antes, durante e pós sala de aula.

Essa complexidade da docência pode ser explicada pelo fato de o seu exercício não representar uma mera transmissão de conteúdos, exigindo uma multiplicidade de saberes, habilidades, competências e atitudes que precisam ser apropriados e desenvolvidos pelo docente, a fim de viabilizar uma efetiva aprendizagem do aluno.

As mudanças nas condições socioculturais da educação superior, do perfil dos alunos e das Instituições de Ensino Superior, impõem modificações na organização do processo de ensino e aprendizagem na universidade, exigindo do docente o contínuo aprimoramento de sua competência profissional, a fim de lhe permitir enfrentar com êxito as diversas situações de ensino que se apresentam nesse moderno e desafiador cenário.

Na literatura percebe-se que existem concepções distintas acerca do trabalho do docente e sobre as capacidades/habilidades/competências/saberes que esse profissional deve aprender e desenvolver para melhor exercer sua função.

Atualmente define-se competência como a aptidão para enfrentar uma família de situações análogas, mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos: saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio (PERRENOUD et al, 2002, p.19).

Os saberes docentes são plurais, ou seja, múltiplos, e provêm de fontes bem variadas, conforme será abordado no tópico posterior. Os autores tentam organizar essa diversidade de saberes ou competências, propondo variadas classificações, tipologias ou categorias.

Tardif (2002) distribui esses saberes docentes em quatro categorias: 1) saberes da formação profissional (produzidos pelas ciências da Educação, associados aos saberes pedagógicos); 2) saberes disciplinares (saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento e são transmitidos nos diversos cursos universitários); 3) saberes curriculares (correspondem aos objetivos, conteúdos e metodologias traçados nos programas escolares); e 4) saberes experienciais (decorrentes do exercício da prática profissional cotidiana).

Sintetizando suas ideias, o autor expõe que:

“[...] o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos ”. (TARDIF, 2002, p. 39).

Os conhecimentos específicos indispensáveis à docência, no dizer de Pimenta e Anastasiou (2010, p. 13), configuram-se em quatro grandes eixos: 1) conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes; 2) conteúdos didático-pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da prática profissional; 3) conteúdos ligados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; 4) conteúdos relacionados à explicitação do sentido da existência humana, com sensibilidade pessoal e social.

Analisando o posicionamento dos autores acima, percebe-se um certo consenso quanto à multiplicidade dos saberes docentes, e também quanto à necessidade de se aliar ao conhecimento científico, os saberes pedagógicos e da experiência.

Discorrendo sobre a qualidade do trabalho docente, Marchesi e Martín (2003, p.111 e 112) destacam algumas características mais relevantes do bom professor, segundo estudo realizado na França, em 1993, pela OCDE1, através do Centro para a Pesquisa e Inovação Educativa. Essas características são: 1) o compromisso com seu trabalho; 2) o afeto pelos alunos; 3) o conhecimento da didática específica da matéria ensinada; 4) o domínio de múltiplos modelos de ensino e aprendizagem; 5) a reflexão; 6) a troca de ideias e o trabalho em equipe.

A complexidade da docência universitária justifica-se também em razão do seu caráter interativo. Como advertido por Pimenta e Anastasiou (2010, pp.14 e 15):

1 OCDE: Un Systeme d’Indicateurs de l’Enseignement Visant à Oriente les Décisions des Pouvoirs Publics. Paris

Ser professor requer saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos, educacionais, sensibilidade, indagação teórica e criatividade para encarar as situações ambíguas, incertas, conflituosas e, por vezes, violentas, presentes nos contextos escolares e não escolares. É da natureza da atividade docente proceder à mediação reflexiva e crítica entre as transformações sociais concretas e a formação humana dos alunos, questionando os modos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecimentos.

Na obra intitulada “Dez novas competências para ensinar” Perrenoud (2000, p. 14) apresenta as competências que reconhece como prioritárias na formação contínua dos professores: 1) organizar e dirigir situações de aprendizagem; 2) administrar a progressão das aprendizagens; 3) conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam; 4) envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; 5) trabalhar em equipe; 6) participar da administração da escola; 7) informar e envolver os pais; 8) utilizar novas tecnologias; 9) enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; 10) administrar a própria formação continua.

O autor acima descreve as competências relacionadas ao professor do ensino fundamental. No entanto, considerando o perfil do discente universitário, um outro aspecto que confirma a complexidade da docência nesse nível escolar é a especificidade do processo de aprendizagem de pessoas adultas, que pressupõe um engajamento consciente e voluntário dos alunos (SOARES e CUNHA, 2010b). O professor universitário precisa desenvolver um estilo de ensino mais participativo que permita ao aluno se sentir envolvido no processo de aprendizagem e encontrar sentido naquilo que aprende.

A aprendizagem de adultos pressupõe ainda que suas variadas experiências sejam contempladas; que os conteúdos, objetos do ensino, tenham sentido para o aprendiz, que seja explicitado o seu papel social; que o ensino seja baseado na busca de solução de situações-problemas e na aplicabilidade dos conteúdos. Em síntese, a sua motivação para aprender é, principalmente, decorrente de fatores internos, ou seja, da sua compreensão acerca do sentido do quê e do como é ensinado (SOARES e CUNHA, 2010b, p. 29).

Sejam quais forem as categorias ou tipologias criadas pelos autores para descrever os conhecimentos que o professor necessita para desempenhar bem a sua função, é preciso não esquecer que a atividade profissional do docente possui uma natureza pedagógica, ou seja, relaciona-se a objetivos educacionais. Assim, apesar de bastante disseminada a ideia de que o domínio dos conhecimentos específicos do campo científico ou profissional assegura a transposição para uma efetiva aprendizagem do aluno, a ausência de saberes pedagógicos limita a atuação do docente e causa diversos transtornos ao processo de ensinar e aprender (SOARES e CUNHA, 2010b).

Nesta senda, como resultado de uma acurada investigação realizada junto a professores universitários e de cursos técnicos no final da década de 80, Cunha (1989, pp. 137-148) elencou uma série de habilidades de ensino que os bons professores apresentaram durante a pesquisa. A autora reuniu essas habilidades em categorias aqui reproduzidas: 1) organização do contexto aula (os professores explicam para os alunos o objetivo do estudo); 2) localiza historicamente o conteúdo (valorização do conhecimento científico como produção social); 3) estabelece relações do conteúdo em pauta com outras áreas do saber (o conhecimento é compreendido como um todo e não como algo compartimentado); 4) apresenta o roteiro da aula (ajuda o aluno a obter uma visão sincrética da aula, facilitando a compreensão do conteúdo); 5) incentivo à participação do aluno (a partir da formulação de perguntas; da interação entre alunos, conteúdo e professor; da transferência de indagações de um aluno para todo o grupo, permitindo a coletivização da discussão em sala); 6) uso de palavras de reforço positivo frente às respostas dos alunos (professor expressa sua crença no aluno, na sua capacidade de aprendizagem, ausculta as experiências cotidianas dos alunos); 7) trato da matéria de ensino (esforço para tornar a linguagem acadêmica compreensível ao aluno); 8) profundo conhecimento do que se propõe a ensinar (domínio do conteúdo, construção de exemplos que sejam familiares ao aluno); 9) competência na variação de estímulos (uso adequado de recursos de ensino, zelo e cuidado na elaboração do material didático; 10) movimentação do professor no espaço de ensino (permite uma maior aproximação entre aluno e professor, estimulando a interação); 11) estímulo à divergência e à criatividade (contempla a capacidade de reflexão do aluno); 12) uso de linguagem (voz audível, senso de humor no trato com os alunos).

Das características acima citadas, infere-se que o professor, como educador, tem a missão de colaborar eficazmente para que o aluno aprenda. Para desempenhar esse papel a contento o docente necessita desenvolver uma competência pedagógica.

No cotidiano das Instituições de Ensino Superior muitos casos de não aprendizagem ou de baixo rendimento dos estudantes são frequentemente associados à falta de preparação do professor, improvisação, falha no planejamento das atividades, desconhecimento ou mesmo não adoção de estratégias/técnicas pedagógicas adequadas aos objetivos propostos.

Debruçando-se sobre o tema “competência pedagógica do professor universitário” Masetto (2012) descreve as competências básicas e necessárias para realizar a docência no ensino superior.

Inicialmente o autor assevera que a docência no ensino superior exige que o professor seja competente em determinada área de conhecimento. Essa competência compreende o domínio dos conhecimentos básicos numa determinada área, assim como experiência profissional de campo. O primeiro é adquirido geralmente nas universidades e a segunda com alguns anos de exercício profissional.

É necessário também que o professor atualize constantemente seus conhecimentos e práticas profissionais por meio de participação em cursos, congressos, simpósios, consulta a periódicos e revistas de sua área, intercâmbio de informações com outros profissionais da área.

Segundo Masetto (2012) a docência em nível superior também exige do professor domínio na área pedagógica. Entretanto, esse é exatamente o ponto mais fraco dos professores universitários quando se pensa em uma profissionalização dos docentes desse nível de ensino, seja porque nunca tiveram contato com a área pedagógica, seja por considerarem esse tipo de formação desnecessária.

Na visão do autor, os profissionais do processo de ensino-aprendizagem necessitam dominar, no mínimo, sete grandes eixos desse processo: 1) Conceito de processo de ensino- aprendizagem; 2) Concepção e gestão de currículo; 3) Integração das disciplinas como componentes curriculares; 4) Compreensão da relação professor-aluno e aluno-aluno; 5) Teoria e prática da tecnologia educacional; 6) Concepção do processo avaliativo e suas técnicas para feedback; 7) Planejamento como atividade educacional e política.

Enfim, por mais que haja variadas percepções em relação às características necessárias para o desempenho da docência no ensino superior, as mesmas podem ser organizadas em dimensões técnicas e em dimensões humanas. Na dimensão técnica, destaca-se o domínio do conteúdo e a forma de organizar e compartilhar esse conteúdo. Na dimensão humana, a afetividade, a empatia, as relações interpessoais entre professor e aluno são observadas (ROCHA, 2010).

A dimensão política também é citada por Masetto (2012) como competência básica para a docência universitária. O professor, ao adentrar no universo da sala de aula, não perde a condição de cidadão. Ele é um ser político, imerso em uma civilização, em uma comunidade. Tem uma visão de mundo, uma cultura, que guia as suas ações e decisões.

O professor, como cidadão, está exposto também ao que acontece fora da universidade ou faculdade, acompanha as transformações e conquistas sociais as quais, inclusive, podem influenciar o processo de formação dos alunos e o próprio exercício profissional do docente.

A reflexão crítica e a adaptabilidade ao novo são essenciais para que o professor possa compreender como se pratica a cidadania nos tempos modernos, levando esses aspectos para o contexto da sala de aula, elegendo estratégias que possibilitem ao aluno construir seu conhecimento, conciliando o técnico e o ético. Os alunos precisam dialogar com seus professores sobre a dimensão política de sua profissão e seu exercício na sociedade, para poderem nela se posicionar como cidadãos e como profissionais (MASETTO, 2012).

Seja qual for o termo empregado (competências, habilidades, saberes), o inegável é que a docência, enquanto atividade profissional, exige do professor um conjunto diversificado de conhecimentos, atitudes e posturas que são mobilizados no exercício da sua profissão. Esses traços profissionais devem aparecer de forma integrada e não estanque, já que interagem na prática cotidiana do docente e complementam-se ao longo de sua vida profissional.