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2.1 Sobre o Universo em Análise

2.1.1 Ciudad Autónoma de Buenos Aires

2.1.1.1 A Complexidade do Espaço Urbano

A abordagem acerca da complexidade do espaço urbano a ser desenvolvida já vem sendo discutida em outros dois espaços de reflexão – na monografia Os Destinos e seus Imaginários (GAYER, 2005-a) e no artigo Adentrando Buenos Aires: da cristalização ao movimento (GAYER, 2007-a). Partindo das conexões possíveis entre essas discussões especificas, buscarei expor os elementos que compõem de forma complexa os espaços urbanos.

Iniciando pela caracterização do urbano, fundamentado em Howard P. Chudacoff, Coggiola demonstra que, na definição clássica, “a sociedade rural se converte em sociedade urbana por causa do aumento de dimensão, densidade e heterogeneidade que se produz nas coletividades territoriais que a compõem [...] O rural e o urbano são os pólos opostos de um continuum” (199727). Nessa apropriação, a definição de urbano é concebida a partir do

contraste com o rural. Concepção insuficiente para compreender os elementos por meio dos quais o espaço urbano é caracterizado.

Para interpretar o espaço, de modo geral, a geografia contribui com quatro categorias analíticas: paisagem, território, lugar e ambiente. Reconhecendo a dinâmica do espaço apropriado pelo humano, cada categoria contém e está contida nas demais, visto que a parte está no todo assim como o todo está nas partes. Segundo Suertegaray, cada recorte “enfatiza uma dimensão da complexidade organizacional do espaço geográfico: o econômico/cultural (na paisagem), o político (no território), a existência objetiva e subjetiva (no lugar) e a transfiguração da natureza (no ambiente)” (SUERTEGARAY, 200128).

O território está relacionado conceitualmente à dominação e apropriação que determinada sociedade estabelece sobre um espaço delimitado e no qual as relações sociais são projetadas – conceito visível nas informações apontadas no início da descrição de Buenos Aires, onde seus limites territoriais naturais e construídos são apresentados.

O lugar faz pensar a relação do sujeito com o mundo, já que está relacionado à existência do indivíduo através de um cotidiano compartilhado, tendo como base a relação entre sociedade e espaço para a criação da sua própria identidade (CASTROGIOVANNI, 2004).

A natureza é denominada por Milton Santos (1997) como tecnificada, pois o ser

27 Documento eletrônico não paginado. 28 Documento eletrônico não paginado.

humano é capaz de intervir nos processos antigamente ditos naturais, sendo hoje um elemento de transfiguração ao ser possuída pelas pessoas, ganhando uma outra dimensão – a técnica.

A paisagem, ainda na leitura de Santos, é entendida enquanto as formas nas quais estão expressas as heranças das gerações passadas, dispostas através de variadas camadas históricas passíveis de serem lidas por meio da arquitetura e do desenho urbano, por exemplo. Enquanto uma das categorias analíticas sobre o espaço, a paisagem difere dele por ser “um sistema material, nessa condição, relativamente imutável, espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente” (SUERTEGARAY, 2001). Nesse sentido, compreender o espaço na sua complexidade requer ir além da cristalização das camadas históricas contidas nas formas da paisagem, uma vez que o espaço, na sua totalidade, engloba não somente o desenho feito na visualidade das formas da cidade, mas contém o movimento cotidiano que o reproduz constantemente enquanto espaço vivido, ou como lugar praticado, usando o termo de Michel de Certeau (1994).

Sob a perspectiva de Certeau, o conceito de cidade distancia-se do fato urbano na medida em que o primeiro termo desconsidera o movimento dos sujeitos que praticam os lugares da cidade, movimento urbano através do qual são atribuídos aos espaços diferentes sentidos, tempos e espacilidades – táticas frente ao poder racional da urbanização.

no discurso, a cidade serve de baliza ou marco totalizador e quase mítico para as estratégias sócio-econômicas e políticas, a vida urbana deixa sempre mais remontar àquilo que o projeto urbanístico dela excluía. A língua do poder “se urbaniza”, mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico (CERTEAU, 1994, p. 174).

Para Certeau (1994) o espaço é o cruzamento de movimentos com diferentes tempos sobre o lugar, já o lugar diz respeito à estável distribuição espacial da materialidade. Nessa linha de pensamento, conclui o autor: “o espaço é um lugar praticado. Assim, a rua geometricamente desenhada sob os cânones urbanísticos é transformada em espaço pelos pedestres” (CERTEAU, 1994, p. 202). É a partir dessa abordagem que o autor argumenta que o espaço é mais que o desenho traçado pelas formas da cidade, pois no espaço está contido o movimento da vida cotidiana, das práticas sociais urbanas sobre os lugares, tornando-os praticados. Sandra Jatahy Pesavento aproxima-se dessa percepção ao englobar materialidade, sociabilidade e sensibilidade na sua concepção de cidade, ampliando o conceito de cidade:

Uma cidade é, sem dúvida, materialidade. Ela é pedra, tijolo, ferro, vidro, cimento, madeira, tudo aquilo que o homem construiu e converteu em volume, espaço, superfície [...] Um cidade é sempre, sobretudo, sociabilidade, pois não é

possível pensa-la sem atores, sem relações sociais, sem intenção. A cidade é sempre obra de homens e só se realiza na coletividade.

Mas não é possível deixar de entender que a cidade é, além de tudo, sensibilidade. Uma cidade é sempre materialidade e sociabilidade qualificada é realidade que se define por valores, ethos, imagens, discursos, sentimentos (PESAVENTO, 2004, p. 181).

Nesse sentido, no movimento urbano estão inseridas as relações sociais, as práticas sobre o espaço e os sentidos que compõem as suas formalidades. A cidade é obra dos homens e contém as expressões das coletividades que por entre ela transitam. Dar atenção ao movimento coletivo como instância produtora da cidade é estabelecer um olhar transcendente à visualidade do desenho urbanístico. Um olhar que não se contém no vislumbre da paisagem, mas que busca percorrer o movimento que corta as formas da cidade.

Diante desse debate, o conceito de espaço vivido ou lugar praticado, será utilizado aqui para abarcar a complexidade do espaço urbano. Isso porque aponta para um tratamento analítico para além das formas da paisagem da cidade, uma vez que remete a diferentes sentidos atribuídos aos lugares por meio das práticas cotidianas que nesses são projetadas, indicando também os significados retidos na memória daqueles que habitam esses espaços.

Focando a memória, essa exerce função essencial na manutenção dos espaços. É através da coletividade que a memória comum pode ser ativada, dando sentido ao patrimônio histórico-cultural de uma comunidade, aflorando nos sujeitos o sentimento de preservação de uma determinada expressão material do espaço – histórica, cultural, ideológica, etc. – que ao mesmo tempo em que é resguardada pela memória, a mantém viva. Por outro lado, considerando que a memória é seletiva, a destruição de certos elementos fixos do espaço pode representar a tentativa de apagar as marcas de fatos que se deseja esquecer (CAMARGO, 2002). Em meio a destruições, preservações e sobreposições, um mosaico de cristalizações histórico-socioculturais é composto. Uma materialidade feita de camadas históricas passíveis de serem rememoradas na vivência cotidiana através da memória coletiva. Sobre isso, diz Certeau:

O que impressiona mais, aqui, é o fato de os lugares vividos serem como presenças de ausências. O que se mostra designa aquilo que não é mais: “aqui você

vêem, aqui havia...”, mas isso não se vê mais. Os demonstrativos dizem do visível

suas invisíveis identidades: constitui a própria definição do lugar, com efeito, ser esta série de deslocamentos e de efeitos entre os estratos partilhados que o compõem e jogar com essas espessuras em movimento.

“Estamos ligados a este lugar pelas lembranças... É pessoal, isto não interessa a ninguém, mas enfim é isso que faz o espírito de um bairro”. Só há lugar quando freqüentado por múltiplos espíritos, ali escondidos em silêncio, e que se pode “evocar” ou não. [...]

Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à legitimidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali antes como histórias à espera e permanecem no estado de quebra- cabeça (1994, p. 189).

Portanto, o espaço vivido é produzido de acordo com o movimento que o atravessa, seja ele urbano ou rural; esse movimento remete a múltiplas práticas sobre o espaço. Essas práticas estão situadas em um tempo histórico determinado e trazem consigo os significados de outros tempos, guardados na memória coletiva. Diante desse prisma, fica marcante o caráter histórico-social do processo de construção do espaço. O espaço tem como fator constitutivo o campo social por ser o lugar onde a vida acontece, abrigando os elementos necessários para o seu desenvolvimento e sobre o qual são projetadas utopias e imaginários, sendo “condição, meio e produto da realização da sociedade” (CARLOS, 2001, p. 11). Ainda, vale ressaltar que o espaço, por ser a base onde a vida cotidiana flui, torna-se um ator social na produção dos traços culturais da coletividade que nele se expressa.

No que diz respeito à historicidade do espaço, partindo da premissa de que o humano é um ser histórico, o espaço vivido adquire caráter processual na medida em que é reproduzido constantemente através das diferentes apropriações, pertencentes a distintas sociedades, localizadas em momentos históricos socioculturais específicos. Nesse sentido, esse processo incessante de transformação do espaço materializa-se através da concretização das relações e práticas sociais estabelecidas sobre este, as quais são realizadas em um determinado contexto histórico. Assim, o lugar apresenta-se como materialidade histórica e base funcional para a expressão dos movimentos29, ou seja, dos fluxos30, um lugar a ser

praticado. Assim, o espaço como lugar praticado, na mesma medida em que contém a materialidade da paisagem, onde estão expressas as marcas das gerações passadas e os fixos funcionais, também representa um lugar onde o dinamismo de cada nova geração produz e reproduz as formas da paisagem e através de seu movimento modifica igualmente a dinâmica dos espaços (CARLOS, 2001). Dialogando com essa mesma linha de pensamento, logo reforçando o caráter social, a geografia concebe o espaço como o “resultado das formas como os homens organizam sua vida e suas formas de produção [...] concebendo a natureza como recurso à produção” (SUERTEGARAY, 2001).

Diante dessas breves considerações, é perceptível uma relação intrínseca entre espaço, tempo e sociedade: “espaço e tempo aparecem por meio da ação humana em sua indissociabilidade, uma ação que se realiza como modo de apropriação” (CARLOS, 2001, p.

29 Pensando a partir de Michel de Certeau (1994). 30 Conceito desenvolvido por Milton Santos (1997).

13). A concepção de tempo associada diretamente ao espaço natural estaria submetida às leis universais. Porém, ao estar relacionada com espaço habitado, no qual a paisagem é transformada e resignificada por meio das práticas sociais, o tempo adquire sentido através do ser humano. Portanto, sendo o espaço um lugar de expressão da sociedade, onde as marcas históricas ficam registradas nas formas da paisagem, onde a processualidade histórica pode ser materializada por meio das práticas das diferentes gerações, o espaço torna-se conseqüentemente histórico, sendo submetido a um processo de transformação incessante que o recria, tanto na materialidade de fixos quanto no movimento de fluxos.

Para aprofundar a dinâmica entre espaço, tempo e sociedade, inicio pelo conceito de tempo: “relações temporais ligadas ao conceito de movimento e que se referem às posições dos eventos no espaço [...] é a mudança, vivida continuamente pela consciência em sua relação a si e ao mundo” (DESAULNIERS, 1996, p. 320). Segundo Bachelard (apud DESAULNIERS, 1996, p. 316), o tempo é determinado, pois sempre nos referimos a um conjunto de instantes, classificando o tempo como concepção e não conceito. No entanto, vale ressaltar que o tempo implica um movimento, fazendo com que a matéria não cesse seu processo evolucionário (GRIMALDI apud DESAULNIERS, 1996), transformando-se na própria realidade na medida em que se materializa no ser humano e, por conseguinte, no espaço, já que esse é a expressão da sociedade: “somos constituídos no e com o tempo, ao ponto não existirmos sem ou fora do tempo, assim como o tempo não existe senão em nós enquanto sua a expressão, a sua materialidade” (DESAULNIERS, 1996, p. 315).

Dentro da perspectiva de movimento, a visão exposta pela geógrafa Dirce Maria Antunes Suertegaray (2001) torna-se pertinente. Segundo a autora, a geografia adota o tempo expresso no espaço como espiral, o qual engloba a conceitualização seqüencial, linear, como sucessão de fatos no espaço de Kant (seta-evolução) e a abordagem estável dos ciclos, em que os fatos sucessivos voltam ao ponto inicial (SUERTEGARAY, 2001).

o espaço geográfico se forma (no sentido de formação, origem) e se organiza (no sentido de funcionalidade), projetando-se como determinação ou como possibilidade. Esta projeção se faz por avanços (seta) e retornos (ciclo). Neste contexto, o espaço geográfico é a coexistência das formas herdadas (de uma outra funcionalidade), reconstruídas sob uma nova organização com formas novas em construção, ou seja, é a coexistência do passado e do presente ou de um passado reconstituído no presente (SUERTEGARAY, 2001).

Tendo em vista que o espaço está relacionado ao presente no qual uma sociedade está em movimento, uma situação única (SUERTEGARAY, 2001), não é possível compreender a sua complexidade através de fragmentos históricos. Isso porque, mesmo que

as diferentes práticas sociais que dividem o tempo em concepção (épocas/períodos) estejam materializadas nas formas da paisagem, devido ao fato de o conceito de espaço implicar um movimento que traz um processo de transformação incessante, um presente, um momento único, ao buscar o entendimento do espaço, a sua materialidade não pode ser abordada apenas enquanto uma cristalização de movimentos passados, mas sim como um elemento representativo de gerações passadas que ganha novas significações através das apropriações da sociedade em questão – o que remete ao conceito de lugar praticado.

Nesse sentido, o tempo quando relacionado ao espaço deve considerar o movimento exposto no conceito de Grimaldi, o que vem a ser o de seta-evolução e ciclo. Por outro lado, quando está relacionado à categoria paisagem, pode ser concebido enquanto concepção, como coloca Bacharelard. A paisagem contém o tempo cristalizado, materializado a partir das práticas sociais, um tempo que não contém o movimento de transformação em curso e que, portanto, pode referir-se a um tempo determinado. O espaço trata de um presente, no qual as práticas são realizadas, em que o passado expresso nas formas da paisagem são reapropriados. Essas apropriações e práticas sociais correntes, no futuro, estarão expressas nas paisagens contidas no espaço como forma da materialização de determinadas relações sociais que dividiram o tempo (concepção, tempo determinado). Ou seja, ao mesmo em tempo que o espaço contém a cristalização, não pode ser entendido somente pela inércia das formas da paisagem, pois sua dinâmica vai além ao conter um movimento social presente que dá novos significados e contornos às formas cristalizadas dos lugares (SANTOS, 1979).

Quando a interpretação paira sobre as formas isoladas, essas representam uma acumulação de tempo (SANTOS, 1979) e não é capaz de possibilitar uma análise da organização espacial e do entendimento do espaço – “somente a partir da unidade de espaço e tempo, das formas e do seu conteúdo, é que se podem interpretar as diversas modalidades de organização espacial” (SANTOS, 1979, p. 43).

Ainda, no que tange às possíveis compreensões acerca do tempo, a questão cultural é evidenciada por Ferreira (2003), já que para o autor o tempo enquanto vivência está relacionado com a cultura humana, uma vez que sua apreensão está embasada na estrutura simbólica cultural. Essa apropriação do tempo ocorre numa relação dialética quando o tempo é determinado a partir do prisma social e essa determinação interfere na própria sociedade: “o tempo expressa uma estrutura sociocultural e porque já foi estruturado socialmente atua enquanto estrutura estruturante do real” (DESAULNIERS, 1996, p. 319). Na discussão de Moesch sobre o tempo cronológico, também se pode inferir o mesmo tipo de proposição.

Em geral, as sociedades contemporâneas mantêm-se dominadas pela noção de tempo cronológico [...] A modernidade pode perceber-se em termos materiais, com domínio do tempo do relógio sobre o espaço e a sociedade. O tempo como repetição da rotina diária, desenraizador, centralizador e universalizador, encontrado no centro do capitalismo (MOESCH, 2000, p. 39).

Logo, o tempo e o espaço são apropriados por determinadas sociedades, as quais “produzem, qualitativamente, diferentes concepções de espaço e de tempo” (FERREIRA, 2003, p. 121) sendo as variadas expressões referentes à vivência do tempo e constituintes da dialética entre o ser humano e o real – por exemplo, “tempo é dinheiro” na fase capitalista – pois essa relação desenvolve-se em um tempo e espaço específicos articulada na base cultural (DESAULNIERS, 1996).

Pelo exposto acima, para compreender a dinâmica do espaço, lugar praticado, adoto o tempo como processo, materializado através do ser humano, com o qual estabelece uma relação dialética, visto que é apreendido pela condição sociocultural e, assim, expresso no espaço a partir da realização de determinada sociedade.

O espaço deve ser visto como um fator de evolução social, portanto, produzido e reproduzido contentemente. O movimento histórico é que constrói o espaço, o que é uma instância da sociedade, portanto, como instância, contém e é contido pelas demais instâncias (CASTROGIOVANNI, 2001, p. 24).

Portanto, nessa mesma perspectiva, entender a matéria sem considerar a categoria de tempo como processualidade resultaria na conservação da matéria e na desconsideração das transformações sociais (DESAULNIERS, 1996) e do próprio movimento presente que dá múltiplas espacialidades e temporalidades aos lugares.

Barata Salgueiro (2003) desenvolve o conceito de espacialidade posto em contrate à concepção de espaço-palco. Segundo a autora, o espaço-palco seria a área geográfica na qual se inscrevem as práticas sociais, ou seja, remete ao que aqui se designa enquanto a materialidade do lugar, composta por camadas histórico-culturais de expressão social. A partir de variadas apropriações e diferentes práticas do movimento cotidiano sobre um espaço-palco (lugar) seriam produzidas espacialidades diversas, um lugar praticado de múltiplas formas.

Ainda, a teórica menciona a diversidade de temporalidades expressas nos espaços-palco, presentes tanto nas camadas históricas quanto nas múltiplas concepções de tempo dos grupos que praticam um determinado espaço-palco (lugar).

Entendendo a relação entre espaço e tempo, fica evidente que o ponto nodal está na realização da sociedade, no movimento cotidiano daqueles que cruzam os lugares: “O espaço socialmente construído compreende o conjunto de elementos materiais transformados pelas

práticas econômicas, apropriados pelas práticas políticas e construídos em significações pelas práticas cultural-ideológicas” (BARRIOS, 1986, p. 19). O que remete, mais uma vez, ao conceito de lugar praticado de Certeau (1994), atribuindo uma característica circular ao pensamento até aqui desenvolvido na medida em que tempo, sociedade e espaço relacionam- se.

Vale ressaltar que a partir da diversidade cultural dos espaços, por vezes aparentemente parecidos no sentido funcional dos objetos que o compõe (prédios, centros comerciais, administrativos...), esses ganham singularidade e diferenciam-se através do movimento que dá vida à materialidade dos lugares. Nessa linha de pensamento, no momento em que as estruturas materiais são analisadas apenas na sua condição de uso para a prática econômica, que envolve “as ações sociais que tenham por finalidade a produção, a distribuição e o consumo dos meios materiais” (BARRIOS, 1986, p. 3), essas são vistas sob um prisma que as torna similares diante da globalização e do modo de produção capitalista que adentram os lugares. Em contrapartida, por essas estruturas serem detentoras de um significado social local e, muitas vezes, apresentarem-se como meio de expressão cultural, tornam-se singulares e logo propiciam a singularidade do espaço, visto que a prática traz consigo as formalidades das múltiplas culturas que compõe as sociedades complexas urbanas. Essas questões evidenciam-se a partir da concepção de fluxos e fixos elaborada por Milton Santos e exposta por Castrogiovanni.

As instâncias móveis das cidades, ou seja, os fluxos, são importantes, pois são eles que dão vida ao fixos [...]os fluxos também interagem, formam resistências, aceleram mudanças, criam expectativas, desconstroem o aparente rígido cenário urbano. [...] A cidade não é apenas um conjunto de elementos observados (fixos) mas o produtos de muitos construtores (CASTROGIOVANNI, 2001, p. 24).

Finalizando, o tempo é adotado como uma apropriação cultural que o materializa no espaço a partir do ser humano, o qual, por ser histórico, implica na cultura o processo histórico, colocando-a em constante mudança. Da mesma forma que a sociedade produz o espaço expressando nele e através dele suas práticas e seus tempos, por ele é produzida – “o espaço influencia também a evolução de outras estruturas e, por isso, torna-se um componente fundamental da totalidade social e de seus movimentos” (SANTOS, 1979, p. 18). Daí decorre a recursividade dos elementos que se relacionam no espaço enquanto lugar praticado.

Diante da discussão teórica apresentada, o urbano é tratado como um movimento que cruza os lugares da cidade, tornando-os lugares praticados. Práticas cujos sentidos estão contidos nas formalidades culturais que as envolvem. São práticas dotadas de sentido que ao

serem projetadas nos espaços os tornam lugares praticados, espaços vividos e significados. Nesse sentido, para compreender esses lugares praticados é necessário olhar não apenas para