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A compreensão das diferenças de gênero nas escolhas de lazer

1.6 Fundamentação teórico-conceitual 1 Velhice

1.6.4 A compreensão das diferenças de gênero nas escolhas de lazer

Percebe-se na literatura nacional uma abordagem muito maior das práticas de idosas brasileiras do que de idosos. Claro que essa abordagem apresenta relação com o fato de as mulheres possuírem maior longevidade que os homens. Entretanto, ela não explica a baixa adesão masculina aos programas de lazer destinados à terceira idade.

Ruschel (1998), em estudo acerca do envelhecimento e diferenças de gênero, evidencia que as próprias mulheres que frequentam a Universidade para a Terceira Idade (UNITI/UFRGS) questionam-se sobre a baixa participação masculina no programa. A autora atribui essa diferença de adesão à inversão dos locais frequentados

por homens e mulheres, na velhice. Afinal, segundo a mesma, o homem, que passou maior parte do tempo fora de casa devido ao trabalho, na velhice, com a aposentadoria, prefere permanecer no lar, enquanto a mulher, que cuidou da casa toda a vida, passa a se interessar por outros ambientes, a fim de estabelecer novas interações sociais. O estudo de Areosa, Bevilacqua e Werner (2003), que investigou idosos que frequentam grupos de convivência no município de Santa Cruz do Sul, a fim de traçar o perfil desses idosos, contribui para reforçar essa ideia. Afinal, a pesquisa verificou que grande parte das mulheres havia sido, ao longo da vida, dona de casa ou, no caso das que residiam no meio rural, agricultora, enquanto a grande maioria dos homens teria exercido cargos externos ao ambiente familiar, como o de profissional autônomo, comerciante, funcionário público.

Moragas (1997, p.223) pondera que, “entre ambos os sexos, existem diferenças no lazer dos idosos, como existem diferenças entre o lazer de meninos e de meninas, ou de homens e de mulheres maduros”. Essa afirmação condiz com a realidade, sendo que o mais importante é compreender essa diferença e não se surpreender com ela. Devem ser buscadas ações que incentivem as práticas de lazer preferidas por homens, e não somente as por mulheres, como muitas vezes acontece. O estudo de Fenalti e Schwartz (2003) mostra essa preocupação em compreender os diferentes anseios ao questionar homens e mulheres da Universidade Aberta à Terceira Idade sobre sugestões de mudanças. Os homens indicaram a necessidade de formar equipes esportivas para competir, proporcionar maior número de viagens, diminuir período de férias; as mulheres, além de concordarem com os homens, sugeriram cursos de danças, aulas de hidroginástica e de natação, construção de uma piscina térmica, cursos de línguas, cursos de culinária e aulas de instrumentos musicais.

A pesquisa de Scheuermann e Acosta (2007) analisou o comportamento de participantes de festividades para idosos na cidade de Santa Maria (RS). Os autores apresentaram preocupação em compreender as preferências masculinas. Os autores alertam para a necessidade de maior aprofundamento acerca destas últimas, uma vez que os homens estão se interessando mais por atividades em grupo, sendo perceptível o aumento da participação masculina.

Coutinho e Acosta (2009), ao observar a baixa participação masculina nos grupos de terceira idade da cidade, dedicaram-se a verificar as atividades de lazer realizadas por idosos homens residentes em Santa Maria (Rio Grande do Sul). Esse estudo tornou-se importante dentro dessa necessidade de estudar melhor as preferências

dos homens idosos. No entanto, apresenta limitações metodológicas, pois se baseou apenas em observação-participantes sem acessar diretamente a opinião dos participantes. Através do estudo conduzido, Coutinho e Acosta (2009) destacam que as diferenças de sexo no lazer advêm de questões culturais desenvolvidas ao longo da vida. Argumentam que o homem, por ter ficado mais tempo fora do lar devido ao trabalho anterior à aposentadoria, prefira, quando idoso, permanecer mais em casa ou em locais calmos onde seja possível conversar e realizar atividades relaxantes. De outro lado, os autores acreditam que a mulher, por ter tido ao longo da vida experiência contrária (ter permanecido no lar, para cuidar dos afazeres domésticos), opta por sair, fazer novas amizades, praticar atividades físicas, realizar o que antes não teve oportunidade de fazer. Coutinho e Acosta (2009) perceberam, ainda, que os homens se engajam mais em atividades físicas coletivas e de caráter competitivo, pois foram encontrados em clubes onde há oferta de jogos como bocha, sinuca e jogo de cartas.

Desse modo, reafirma-se a necessidade de estudar as opções de lazer dos homens idosos, uma vez que, se o lazer na velhice fundamenta o objeto de pesquisa do presente estudo, o lazer masculino na terceira idade deve ser incluído em seus objetivos. Assim, aprofundar o conhecimento disponível sobre o lazer do homem idoso poderá contribuir para ações públicas e programas de lazer no sentido de atender melhor às expectativas desses indivíduos. E, a fim de se compreender o papel do lazer no envelhecimento, é importante destacar que

ações destinadas aos grupos de convivência de idosos devem considerar o universo feminino na terceira idade e suas peculiaridades, ao mesmo tempo em que considerem alternativas que atraiam os homens, favorecendo sua integração social, informação, lazer e qualidade de vida. (Borges et al. 2008, p.2803).

As bases teóricas deste estudo foram assim apresentadas e discutidos, com o intuito de melhor fundamentar a importância da realização desta pesquisa, além de contribuir para a ampliação de conhecimentos do leitor acerca da relação do idoso com o lazer. Dessa forma, uma vez abordada a fundamentação teórica, torna-se imprescindível apresentar os procedimentos metodológicos empregados para possibilitar o alcance dos objetivos desta pesquisa, os quais serão evidenciados e

2 MÉTODO

Este estudo é de natureza predominantemente qualitativa, uma vez que lida com fenômenos sociais e prevê a análise hermenêutica dos dados coletados a partir desses fenômenos (LAVILLE; DIONNE, 1999; APPOLINARIO, 2004). Investigou e comparou os depoimentos de três grupos de idosos (delineamento intersujeitos, SPATA, 2005) a partir de entrevistas semi-estruturadas: o primeiro, constituído por idosos que frequentam um grupo de convivência por determinado período; o segundo, por idosos que já frequentaram um grupo e optaram por sair deste; e o terceiro, por idosos que nunca se interessaram por grupos de convivência. Considera-se que a fala, obtida nesta pesquisa através das entrevistas, é o material fundamental da pesquisa qualitativa, pois revela sistema de valores, normas e símbolos, significados compartilhados por uma coletividade, representações de grupos de acordo com determinadas condições histórico-culturais, sócio-econômicas (MINAYO; SANCHES, 1993; ZAGO, 2003).

O uso da entrevista de tipo semi-estruturado como procedimento de coleta de dados se justifica por permitir um roteiro de questões abertas com ordem prevista, na qual o entrevistador tem liberdade para acrescentar perguntas de esclarecimento. Desse modo, permite uma maior proximidade entre o entrevistador e o entrevistado, o que favorece uma maior exploração em profundidade das informações expostas (LAVILLE; DIONNE, 1999). A opção por esse instrumento ainda é justificada pelo analfabetismo funcional presente em 49% dos idosos brasileiros, e também pelo fato de a deficiência visual ser a deficiência mais recorrente em idosos da população nacional (MAZO; LOPES; BENEDETTI, 2009), o que dificultaria a realização de questionários escritos.

Trata-se de uma pesquisa que procura contribuir para ampliar o conhecimento científico acerca da relação do idoso com o lazer, especialmente diante do fenômeno da glamourização dos GCs. É, ainda, descritiva e exploratória, pois almeja aumentar a compreensão acerca de alguns fenômenos sociais ligados ao idoso: a permanência em longo prazo de idosos em instituições específicas a esse grupo etário; as causas não- fisiopatológicas que conduzem idosos a não participarem ou a saírem dessas instituições; as diferentes buscas e escolhas de idosos por atividades de lazer. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (COEP-UFMG) por meio do parecer de número ETIC 190-11.

2.1 Participantes

Neste estudo foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com três perfis de idosos: 12 idosos que participam de um GC específico para sua faixa etária (perfil 1); 12 idosos que já participaram de um GC por pelo menos seis meses e optaram por sair (perfil 2); e 12 idosos que nunca optaram por participar de um GC (perfil 3). Em virtude deste delineamento intersujeitos, o procedimento amostral adotado apresentou, ao mesmo tempo, características da amostragem por quotas e também por conveniência. Foi em parte por quotas porque buscou representar três perfis distintos entre si, que foram comparados conforme os objetivos da pesquisa. Foi em parte por conveniência porque a localização destas pessoas e GCs não foi um procedimento simples, em virtude de não haver um cadastro geral que indicasse todos os GCs atuantes na cidade de Belo Horizonte. Ademais, nem todos estes GCs possuem um registro adequado de seus participantes e egressos. Neste sentido, contou-se com a colaboração da Secretaria Municipal Adjunta de Esportes (SMAES) de Belo Horizonte para indicação dos grupos, e dos coordenadores dos grupos indicados, para recomendação dos sujeitos.

Há atualmente um grande número de GCs atuantes na cidade de Belo Horizonte (MG). Alguns estão atrelados a organizações religiosas, outros a instituições de ensino superior, e outros ainda possuem parceria com o governo municipal, por exemplo. Estes GCs em sua maioria cobram dos integrantes uma taxa de valor irrisório pela participação; poucos cobram taxas mais altas. A presente pesquisa procurou os três GCs mais antigos ainda em funcionamento na cidade registrados na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e que não cobram mensalidade/semestralidade, de acordo com a indicação da SMAES.

A SMAES forneceu informações para que o convite aos coordenadores dos três GCs mais antigos da cidade fossem contatados. Os coordenadores foram informados do estudo, autorizando assim o acesso da pesquisadora aos seus dados para contato, bem como a ida aos GCs.

Três GCs foram contatados: GC-I, GC-II e GC-III (os nomes dos grupos foram protegidos). O GC-I, que desenvolve atividades em um bairro da região de Venda Nova da cidade, teve suas atividades iniciadas no ano de 1994 e, de acordo com a coordenação, envolve um público circulante de 200 idosos. O grupo oferece reuniões semanais, nas segundas e quartas-feiras, com atuação dos profissionais do Programa Vida Ativa (PBH), para promoção de atividades físicas, danças, brincadeiras, passeios, comemorações e festas. Todos os dias há um lanche oferecido pelo grupo aos idosos,

após as atividades, e quando necessário, os participantes também contribuem ao levar alimento e/ou bebida. Cabe destacar que as festas, comemorações e passeios são esporádicos, e caso necessite, exigem contribuição financeira por parte dos participantes. Há também encontros semanais de idosos interessados em trocar experiências, tais como bordado, crochê, macramé, vagonite. A sala onde ocorrem as atividades do grupo não foi construída com esse intuito, sendo uma sala de aula comum, com um pequeno palco destinado ao posicionamento do professor e cadeiras, as quais ficam encostadas para realização das atividades físicas. Há uma quantidade pequena de materiais disponíveis às aulas, tais como som e bolas. No espaço que o GC-I ocupa para suas atividades, além do próprio grupo, existe também a Academia da Cidade (PBH), a qual envolve outras faixas etárias, atividades direcionadas a crianças, cursos para a comunidade em geral, eventos comunitários.

O GC-II, que desenvolve atividades em um bairro da região Norte da cidade, existe desde o ano de 1996. Também há no grupo a atuação do Programa Vida Ativa, entretanto, com apenas uma reunião semanal, às quintas-feiras. A sala onde ocorrem as atividades é bem pequena, tornando inclusive, difícil a realização de atividades físicas. Por outro lado, há, no parque onde o grupo se encontra, espaços abertos, próximos à natureza, pista de caminhada, quadras, os quais também podem ser utilizados pelo grupo. É um ambiente repleto de beleza natural. Nesse grupo, em especial, há bingo em todos os encontros, ou seja, em todas as quintas-feiras. Cabe destacar que o parque é aberto à população e oferece diversas atividades de educação ambiental, educacionais, esportivas, destinadas a diversas esferas da população belo-horizontina. Pôde-se perceber, através da pesquisa de campo, que há convênios com escolas municipais.

O GC-III, que desenvolve atividades em um bairro da região do Barreiro da cidade, funciona desde o ano de 2001. Há também a atuação do Programa Vida Ativa, de forma semelhante aos dois primeiros, e, assim como o GC-I, há encontros para trocar experiências com relação a trabalhos manuais. Percebeu-se que esse grupo apresenta melhor estrutura física para a realização das atividades do programa, uma vez que os encontros são realizados em uma grande quadra coberta, com sala para armazenar materiais (maior quantidade e melhor qualidade de materiais percebida pela pesquisadora). De acordo com a coordenação, o espaço é particular, de forma que o proprietário empresta o espaço para a PBH. No espaço acontecem outras atividades desenvolvidas especialmente com crianças, possivelmente através de convênios com escolas municipais.

Selecionou-se o mesmo número de homens e mulheres em cada perfil (6 homens e 6 mulheres). Além disso, definiu-se 60 anos como idade mínima para participar do estudo, conforme o Estatuto do Idoso (2003, Artigo 1º). Importante destacar que todos os participantes exibiram capacidade para participar de uma entrevista, demonstrando ausência de alterações sensoriais e desempenho cognitivo adequado. Não foram incluídos na amostra aqueles idosos que apresentaram algum problema de saúde ou patologia (física ou mental) que pudesse interferir no procedimento de coleta de dados por entrevista, conforme observação e descrição dos coordenadores consultados na pesquisa. Os participantes dos três perfis são de etnia (“cor”) e de nível socioeconômico (classes e grupos sociais) variados.

No primeiro perfil, foram investigados 12 indivíduos oriundos dos três GCs descritos, há mais tempo em funcionamento em Belo Horizonte (MG) e registrados na PBH. Foram convidados a participar da pesquisa aqueles 04 idosos de cada GC (02 homens e 02 mulheres) que há mais tempo frequentam o mesmo, segundo os registros deste último.

No segundo perfil, foram selecionados 12 indivíduos que saíram dos mesmos três GCs envolvidos na coleta de dados para o perfil 1, sendo 04 idosos por GC (02 homens e 02 mulheres). Foram convidados a participar da pesquisa aqueles que saíram mais recentemente do GC, em virtude da maior facilidade de encontra-los pelos dados cadastrais no GC, possivelmente atualizados, e por estarem mais situados acerca da proposta atual da instituição. Dessa forma, primeiramente foram consultados os dados cadastrais dos idosos, obtidos a partir dos GCs, para selecionar aqueles que participaram do grupo por, pelo menos, seis meses, e saíram. Esse critério de inclusão tornou-se necessário, pois o planejamento e o funcionamento desses grupos seguem geralmente a divisão por semestres. A experiência profissional direta da pesquisadora com este tipo de trabalho tem indicado que seria primordial que os indivíduos investigados tivessem, pelo menos, vivenciado toda a programação de no mínimo 01 semestre do GC para que assim pudessem optar de maneira esclarecida a não fazer parte dessa proposta no semestre seguinte.

No terceiro perfil, foram identificados 12 indivíduos que nunca optaram por frequentar GCs específicos à faixa etária, sendo 06 homens e 06 mulheres. Estes indivíduos foram localizados a partir de indicação de integrantes e egressos dos GCs envolvidos na pesquisa e, em virtude da não indicação de muitos e do não interesse de

alguns indicados em participar, através de indicações de pessoas conhecidas (ou seja, seleção por conveniência, desde que atendesse aos critérios da pesquisa).

A princípio, pretendia-se na pesquisa, tanto para o perfil 2 como para o perfil 3, considerar-se o critério de ausência de incapacidades físicas ou mentais, patologias próprias ou de familiares para a saída do GC ou a não-participação. Em outras palavras, no perfil 2, por informação dos profissionais que trabalham com o GC ou por telefonema a estes sujeitos, era pretendido somente convidar a participar do estudo os indivíduos que optaram pela saída do grupo por motivos que não incluíssem incapacidades físicas ou mentais, patologias próprias ou de familiares. Entretanto, algumas dificuldades em efetuar essas restrições ocorreram. Primeiramente, o fato de não ter tido êxito em contatar muitas pessoas indicadas pelos coordenadores, que se encaixavam no perfil 2, por mudanças dos dados – tais como telefone, endereço – não comunicadas aos coordenadores. Em segundo lugar, após eliminar possíveis sujeitos pela falta de dados atualizados, a inexistência de 4 pessoas que saíram do GC não por motivos de doença, conforme informações dos coordenadores. Nesse sentido, houve alargamento do critério de inclusão, de forma que alguns indivíduos pesquisados poderiam ter saído do GC por motivos de doença, desde que houvesse outro motivo aliado. Esse critério foi assim atendido.

Para o perfil 3 foi pedido aos integrantes dos demais perfis e a conhecidos da pesquisadora que indicassem pessoas que não se interessam em frequentar GC por motivos que não incluam incapacidades físicas ou mentais, patologias próprias ou de familiares. Esse critério, para este perfil, foi atendido. Em seguida, os participantes em potencial para o perfil 3 foram contatados através de telefonema para averiguar aqueles que buscam atividades de lazer externas ao âmbito residencial. Afinal, grande parte dos estudos científicos disponíveis já descreveu as atividades de lazer que idosos costumam praticar em seus lares (DOIMO; DERNTL; LAGO, 2008; GOMES; PINTO, 2006), e foi objetivo desta pesquisa buscar a existência de outros motivos possíveis para estas pessoas não frequentarem o GC – motivos não estudados até o presente momento.

A média de idade dos 36 entrevistados foi de 70,9 anos, sendo as idades mínima de 60 anos e máxima de 90 anos. Dos entrevistados, 14 homens são casados, 02 são separados ou divorciados (não especificaram se houve separação ou divórcio), 01 é viúvo e 01 é solteiro. Das entrevistadas, 09 são viúvas, 06 são casadas e 03 são solteiras.