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A comunicação como constructo tecnológico

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CAPÍTULO 1 – O QUE É TECNOLOGIA

5. A comunicação como constructo tecnológico

Mcluhan, ao afirmar que o meio é a mensagem, não se referia a nada menos que a tecnologia ser a própria mensagem. Muraro observa que:

McLuhan encara toda a tecnologia como extensão do corpo humano ou de alguma de suas partes. [...] O dinheiro é um modo de estocar trabalho. A roda, em todos os seus usos, desde o carro de boi até o avião a jato, passando pelas estradas, ruas e estradas de ferro, são extensões dos nossos pés. O telefone, o rádio e o cinema, a televisão, etc., do nosso sistema nervoso central. E assim por diante: todas as coisas inventadas pelo homem ou por ele fabricadas podem ser encaradas como extensões de seus sentidos, suas faculdades (MURARO, 1968, p.33).

Mcluhan estava muito mais atento aos efeitos que a tecnologia criava do que em seu conteúdo, pois via nessa transposição do homem natural ao homem conectado em um sistema nervoso central uma nova dinâmica na qual conectava todas as tecnologias anteriores em pura informação. Ele observa que: A palavra falada foi a primeira tecnologia pela qual o homem pode desvincular-se de seu ambiente para retomá-lo de novo modo. As palavras são uma espécie de recuperação da informação que pode abranger, a alta velocidade, a totalidade do ambiente e da experiência. [...] Ao colocar nosso corpo físico dentro do sistema nervoso prolongado, mediante meios elétricos, nós deflagramos uma dinâmica pela qual todas as tecnologias anteriores – meras extensões das mãos, dos pés, dos dentes e dos controles do calor do corpo – serão traduzidas em sistemas de informação (MCLUHAN, 1996, p.76-77).

Mcluhan já contemplava a transposição de caráter informacional que as tecnologias demandariam do ato de comunicar. Nessa ótica, podemos interpretar que Mcluhan entendia que a tecnologia (meio) era mais importante que a mensagem, por reconhecer que ao usar dos meios elétricos para a comunicação, invariavelmente, essa determinaria um viés inédito sobre a mensagem. Ineditismo dado pela transformação das tecnologias anteriores (escrita e fala) em informação disponível em qualquer lugar na aldeia global. Muraro reforça essa ideia sugerindo que:

Em outras palavras: é a nova tecnologia em si que modela, controla a escala e a forma de associação e da ação humana. O conteúdo ou o uso desta tecnologia são os mais diversos e ineficazes na reformulação da ação humana. De fato, até hoje a atenção que damos ao estudo do conteúdo de cada nova tecnologia tem nos cegado para as características da tecnologia em si. Assim, não é o conteúdo da nova tecnologia, e sim, a sua natureza que transforma o ser humano. Pouco importa o que se ouve no rádio, o que se vê na televisão ou no

cinema, o que se fala ao telefone. Pouco importa que, através desses meios, se veiculem coisas boas ou más, que eles sirvam ou não para criar uma cultura de massa. O efeito das tecnologias não ocorre no nível das nossas opiniões, nem mesmo nos nossos conceitos, mas no da alteração das relações entre os sentidos e as trajetórias da percepção, que ocorrem infalivelmente, quer queiramos ou não, quer resistamos ou não, e isto independentemente daquilo que a nova tecnologia transmite (MURARO, 1968, p.34-35).

A ideia, portanto, não é menosprezar os estudos relacionados ao conteúdo de uma forma genérica, e sim destacar o viés que a tecnologia atribui aos mais variados tipos de aplicações voltados à comunicação, podendo esta mesma ser um tipo de tecnologia, dotada de outras tecnologias (linguagem, fala, alfabeto, escrita), e que tem importância central nos estudos da comunicação. Um exercício desse tipo de análise seria a indagação de como é possível conduzir uma análise em um tipo de tecnologia de comunicação como um aplicativo de mensagem instantânea, desvinculando totalmente a tecnologia (como o aplicativo é feito, como funciona e quais propósitos têm) e sua estrutura do estudo, cerceando apenas a análise das mensagens trocadas como objeto de investigação? Mcluhan e Muraro alertam exatamente para este tipo de abordagem, pois não são as mensagens trocadas em si o mais importante a se analisar, e sim, os efeitos que a tecnologia permite observar considerando a comunicação nesse dispositivo em si, uma outra comunicação.

Outro exemplo que podemos usar como exercício é a Primavera Arabe, que foi um movimento social revolucionário de protestos que ocorreu no Oriente Médio, em 18 de dezembro de 2010. O movimento foi organizado principalmente em redes sociais como Facebook, Twitter e Youtube, sensibilizando uma política de censura e repressão na Internet. Em primeira instância, foi a existência dessas redes sociais que permitiram que as pessoas se manifestassem, criando conteúdos que denunciassem os problemas enfrentados.

A partir dessa ótica, podemos entender que a comunicação pode ser vista de fato como um construto tecnológico, em forma de sistema proposto com objetivos bem definidos, recursiva ao longo da história da própria comunicação e estabelecida ao redor do fenômeno da comunicação social humana. O que as grandes cidades e por que não dizer a própria ideia de aldeia global seriam sem os sistemas integrados de comunicação? O que seria da nossa sociedade global sem os cabos submarinos e as redes de comunicação via satélites? Chega a ser impensável um mundo sem GPS, Internet Banking, cartões bancários de plástico. A reflexão, no entanto, carece de maior profundidade, para identificar por que os estudos de comunicação são tão distantes e carentes de tecnologia, mesmo tendo um grande pesquisador da comunicação nos alertado sobre isso. Nos próximos passos, faremos um mergulho em profundidade sobre o que é informação, nessa relação Comunicação – tecnologia, pois se a Comunicação pode ser compreendida como uma tecnologia, qual é o papel da informação, principal substrato da

tecnologia neste esquema? Assim como Mcluhan e Muraro alertam, é preciso ir além dos apenas fenômenos observados, e sendo a informação (a troca de, geração, recuperação, manipulação de), ela per se influencia o uso dessa estrutura?

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