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A Comunicação e a Linguagem

No documento Tese Susana Barbosa (páginas 36-42)

Não há simplicidade em definir o conceito de algo que envolve as pessoas de uma forma cultural e social, que está presente no momento em que desejamos expressar algum sentimento, alguma ação, algum alerta. “Quando ouço uma palavra, isto ativa na minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de

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imagens, sons, odores, sensações (…), lembranças, afetos”, diz Lévy (2010, p. 23), já fornecendo uma breve alusão da complexidade de sentido do termo ´comunicar`.

O conceito de comunicação é abrangente e bastante complexo, como diz Beltrão (1986, p. 22) “quando se estabelecem relações de cooperação/dominação (comércio/conquista) entre grupos humanos próximos ou estabelecidos a razoável distância, a comunicação faz-se diretamente pela palavra, gestos, ritos e cerimónias que impõem leis, implantam costumes e criam tradições”. Decorre daqui a necessidade comunicacional inerente ao ser humano, que utiliza o seu próprio corpo para que a mensagem que deseja transmitir seja entendida pela outra parte da conversa. Somos então seres comunicacionais por natureza e ímpeto instintivo, como sublinha Lévy (2010, p. 21), “através dos seus atos, do seu comportamento, das suas palavras, cada pessoa (…) estabiliza ou reorienta a representação que dela fazem. (…) Ação e comunicação são quase sinónimos”. Santos (1992, p. 10) completa afirmando que “não é possível localizar a origem da comunicação enquanto transmissão intencional de sentidos por parte de seres humanos. Não obstante, no processo comunicacional pode-se recorrer a diversos modos de comunicação, não sendo um processo limitado à linguagem oral materializada pela fala, podendo envolver a linguagem escrita, o desenho e o gesto codificado, entre outros, sendo que a seleção do modo a utilizar dependerá do contexto, das necessidades e das capacidades do emissor, do recetor e da mensagem que se pretende, efetivamente, transmitir. Existem também alguns aspetos que podem ou reforçar ou distorcer o código linguístico utilizado no processo comunicacional, com especial destaque para os aspetos paralinguísticos (que são suprassegmentais), concretamente a entoação, a ênfase, a acentuação e o ritmo/velocidade, que expressam as emoções ou atitudes, que acabam por complementar a informação linguística. Não obstante, o processo comunicacional também assenta em processos não linguísticos onde se verificam os gestos, os movimentos do corpo, o contacto visual e as expressões faciais, que podem, também, adicionar ou retirar algo à mensagem que se quer transmitir (Franco et al., 2003).

É de salientar que a comunicação verbal é tipicamente caracterizada como sendo oral, sendo que a cooperação existente no processo comunicacional resulta em diferentes tipologias de constelação discursiva: a distribuição dos papéis entre os intervenientes da comunicação é livre na linguagem oral, sendo a troca desses papéis regida ad hoc1. Por

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conseguinte, a comunicação envolve sempre cooperação, sendo que na linguagem oral, a produção e a receção da mensagem estão interligadas, visto que o emissor/produtor e o recetor negoceiam de forma conjunta a progressão, bem como o conteúdo da comunicação, podendo o recetor intervir a qualquer momento ou questionar a mensagem transmitida. Devido ao facto de a produção e a receção da mensagem poderem estar desconectadas, resulta numa preocupação por parte do emissor/produtor relativamente aos interesses do recetor; na linguagem oral a comunicação consiste num processo de troca de informação que envolve proximidade física e interação, pelo que os elementos que se partilham são considerados como óbvios relativamente ao seu contexto, o que demonstra a existência de conhecimento mútuo por parte dos intervenientes desse mesmo processo. É também a linguagem oral que possibilita um maior nível de espontaneidade, visto que a planificação do que se vai transmitir apresenta um custo mínimo durante o próprio processo de troca de informação, o que atribui uma maior expressividade e uma participação mais afetiva (Koch & Oesterreicher, 2013).

A linguagem, num sentido mais lato, é “um sistema convencional de símbolos arbitrários e de regras de combinação dos mesmos, representando ideias que se pretendem transmitir através do seu uso e de um código socialmente partilhado, a língua” (Franco et al., 2003, p. 16).

No entanto, a linguagem de forma global e como conceito tem diversas funções que vão ao encontro do conceito de comunicação e ao ato da mesma. A linguagem tem, assim, a função de veicular informação e de transmitir instruções, bem como veicular emoções e sentimentos. Uma outra função centra-se ainda no intercâmbio social, ou seja, nas conversas que se têm no dia-a-dia que mantêm o contacto social entre os indivíduos (Magnanti, 2001). De facto, esta consciência da existência de funções da linguagem remonta, pelo menos, a 1934, data em que o psicólogo austríaco Karl Bϋhler propôs um modelo de forma triádica, apontando, através do mesmo, três fatores básicos para a linguagem: o emissor, que emite mensagens de caráter expressivo, o destinatário, que recebe mensagens de caráter apelativo, e o contexto, que se relaciona com mensagens de caráter comunicativo. Como consequência destes fatores, Bϋhler formulou três funções para a linguagem verbal: a função expressiva (que se centra no emissor), a de sinal (que se centra no destinatário), e a de descrição ou representação (que se centra no contexto) (Magnanti, 2001).

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No entanto, existem autores que ampliaram o número de funções da linguagem, tal como é o caso do linguista russo Roman Jakobson, que defende que são seis as funções da linguagem. De facto, Jakobson enfoca o próprio perfil da mensagem de acordo com a sua meta ou orientação em cada fator de comunicação, o que elucida o seu ponto de vista relativamente à ligação existente entre a linguagem e a comunicação, que são os seguintes: o emissor, o recetor, o canal, o código, o referente e a mensagem. São estes fatores de comunicação que atribuem ênfase às funções da linguagem, visto que são caracterizadas por esses mesmos fatores. Assim, a função referencial surge com o fator de referente, a emotiva com o emissor, a conativa com o recetor, a fática com o canal, a poética com a mensagem e a metalinguística com o código (Magnanti, 2001; Yaguello, 2010).

É importante referir que a linguagem se divide em duas variantes: a linguagem oral e a linguagem escrita. A linguagem oral e a linguagem escrita relacionam-se com as regras e organização de sons, palavras e frases, mas a segunda relaciona-se diretamente com a leitura e com a expressão escrita.

Toda a história se funda a partir da escrita. (…) o homem primitivo, diante da necessidade de marcar a sua existência, recorreu ao mundo dos símbolos e, através de desenhos em pedras, madeiras e tantos materiais, fixou as suas experiências ao longo do tempo. (…) O homem primitivo escrevia nas paredes das cavernas como uma forma de expressão, de registro – uma forma de transmitir mensagens através de desenhos, traços e marcas. A escrita ultrapassa o tempo e o espaço, permitindo que algo se consolide e se transmita fazendo história. (…) O reconhecimento da escrita, entretanto, começou a existir a partir do momento em que foi elaborado um conjunto organizado de signos e sinais gráficos por meio dos quais se tornou possível materializar e fixar algo do pensamento. (Sobral, 2008, p. 7)

Fala e escrita são assim sistemas simbólicos, ou seja, que contêm símbolos mas que, devido às suas características remetem para processos psicológicos distintos. Na verdade a aprendizagem da escrita requer no ensino formal para se desenvolver tanto a competência da leitura como a de expressão escrita. Ao invés, a fala (fazer uma pergunta, responder, pedir desculpa…) por só ser praticada através de meios linguísticos, ou melhor, através do uso da língua, que consiste na enunciação de frases, é adquirida de modo natural e espontâneo.

Apesar de diferentes no seu modo de aquisição, fala e escrita relacionam-se entre si. Na verdade a escrita é a representação gráfica da fala, englobando as competências da

compreensão, na atribuição do significado às palavras e da expressão, na produção de palavras com significado (Franco et al., 2003; Koch & Oesterreicher, 2013).

A descodificação do material escrito compreende dois processos principais, o visual e o fonológico, os quais integram a componente de perceção associada à realização da leitura. O processo visual está relacionado com as capacidades de discriminação das sequências gráficas que são apresentadas e o processo fonológico com as capacidades de discriminação dos sons que formam as palavras traduzidas nas mesmas sequências gráficas (Franco et al., 2003).

A diferenciação entre fala e escrita pode ser possível, ainda, através de duas perspetivas: a que se relaciona com o âmbito do meio, no qual o código fónico (oral) e o código gráfico (escrita) estão inseridos e a que se relaciona com a conceção das expressões linguísticas, de acordo com as suas estratégias comunicativas. Na realidade, e como existem afinidades muito peculiares entre a conceção oral e a realização em código fónico e entre a conceção escrita e a realização em código gráfico, as combinações que se estabelecem entre oral e fónico e escrito e gráfico são prototípicas (Koch & Oesterreicher, 2013).

É no seguimento desta diferenciação dupla que Söll (1985) aponta para uma possível verificação de que a relação entre os dois códigos, o fónico e o gráfico, deve ser entendida no sentido de uma dicotomia estrita, enquanto a diferenciação estabelecida entre o caráter oral e escrito estabelece um contínuo de possibilidades de conceção com gradação numerosa.

Do ponto de vista desenvolvimental, a aquisição da linguagem inicia-se nos primeiros contatos do bebé com o mundo, através da interação com o meio e com as pessoas que o rodeiam, podendo entender-se, assim, a linguagem como um fenómeno social e cultural, no qual o desenvolvimento ocorre mediante os estímulos e as interferências que esse ambiente provoca na vida da criança (Deus, 2012). É através da audição e do ambiente familiar adequado que as crianças adquirem de forma natural o modelo da sua língua num processo que envolve três componentes. A primeira consiste na linguagem recetiva, em que a receção ocorre através da audição, pois a criança, ao ouvir várias vezes a palavra, acaba por a memorizar; a segunda consiste na linguagem compreensiva, que é quando a criança compreende que as palavras se referem a algo em particular; e a

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última é a linguagem expressiva, que é quando a criança utiliza as palavras de forma confiante relativamente ao seu significado (Honora & Frizanco, 2009).

No caso da linguagem escrita, para Ferreiro (1999) concebe-se a sua aprendizagem como a compreensão do modo de construção de um sistema de representação. Isto quer dizer que a alfabetização, numa visão construtivista, é concebida como um processo de compreensão e construção do sistema de escrita. Essa compreensão, conforme Piaget (1975), está ligada à possibilidade do sujeito reconstruir o objeto de conhecimento por ter entendido quais são as suas leis de composição. Tal reconstrução permite ao sujeito que ele reformule hipóteses a partir das suas descobertas; é um processo de tentativas, de erros e acertos. Nesta perspetiva o erro é construtivo.

Por conseguinte, a aprendizagem é o processo pelo qual a criança tem oportunidade de se apropriar de maneira ativa do conteúdo da experiência humana, ou seja, o conhecimento acumulado pelo seu grupo social através dos tempos. No início do processo de alfabetização, precisa-se considerar o desenvolvimento cognitivo de cada criança, respeitando as individualidades: “O acesso à linguagem como um sistema de signos possibilita a construção de conceitos gerais e a inserção do pensamento individual numa realidade objetiva e comum” (Piaget, 1975, p. 285).

As soluções ou representações feitas pelos alunos, muitas vezes consideradas erradas pelo professor, deveriam ser consideradas como erros construtivos, indicadoras de progresso na atividade cognitiva, fazendo com que os alunos tenham consciência que os erros cometidos fazem parte do processo e devem ser entendidos como etapas naturais de seu desenvolvimento e não como deficiência na aprendizagem.

Sabe-se que o mundo se tornou muito complexo face às rápidas mudanças científicas e tecnológicas; essa complexidade tem como consequência uma pressão na mudança urgente principalmente a nível da educação. Torna-se, no entanto, evidente que a escola e o modo como se encontra atualmente estruturada, com padrões e impositora de conhecimentos, deve estar pensada em formar indivíduos que sejam capazes de participar em processos de desenvolvimento de uma sociedade. Do exposto ressalta que é necessário refletir a educação, propondo novos rumos para o sistema educativo, no qual se exige uma reestruturação significativa da Instituição Educacional, na medida em que ela é o suporte da formação sistemática dos indivíduos.

No documento Tese Susana Barbosa (páginas 36-42)