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A comutação e mobilidade dos meios e das imagens 

No documento DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 136-143)

Muito antes da ocorrência de o processo de digitalização existir da forma  disseminada  como  se  dá  atualmente,  Metz  (1974)  já  emitia  um  parecer  semelhante.  Pela  sua  proposição,  o  que  poderia  interessar  para  uma  pesquisa  não  seriam  questões  relativas  ao  domínio  das  imagens  enquanto  gêneros  (intenções  sociais),  como,  por  exemplo,  a  publicidade,  ou  questões  relativas  exclusivamente às suas unidades tecnossensoriais, entendidas como matérias de  expressão  (canais  e  veículos),  como,  por  exemplo,  a  televisão;  o  que  verdadeiramente interessaria a uma pesquisa, para onde os esforços deveriam  ser dirigidos, seriam  

as  configurações  estruturais,  ‘formas’  na  acepção  hjelmsleviana  do  termo  (formas  do  conteúdo  ou  formas  da  expressão),  sistema.  São  entidades  puramente  relacionais, 

campos  de  comutabilidade  no  interior  dos  quais  diversas 

unidades  adquirem  sentido,  umas  em  relação  às  outras.  (METZ, 1974, p. 14, grifo do autor). 

 Metz  (1974)  chama  de  campos  de  comutabilidade  o  espaço  de  intercâmbio  entre  imagens,  quando  uma  imagem  final  só  adquire  sentido  em  relação  à  outra  imagem.  Em  conformidade  com  a  hipótese  aqui  proposta,  as  imagens adquirem sentido quando relacionadas aos espaços com os quais lidam  e, principalmente, às imagens que também habitam os mesmos espaços.  

Nesse sentido, confrontam‐se meios, media e ambientes. Por exemplo, o  meio  literário  interage  com  o  meio  televisivo  e  vice‐versa,  quando  livros  e  gêneros  literários  misturam‐se  no  cinema  e,  no  sentido  inverso,  livros  sobre  cinema e sobre atores e personagens são lançados, bem como quando escritores  são contratados para escrever filmes e séries de TV e o meio fonográfico utiliza o  meio  digital  para  distribuir  e  divulgar  músicas.  A  expressão  cultural  de  suas  produções  é  amplificada,  reverberando  por  outras  mídias.  Em  toda  parte,  os  meios partem para a estratégia de que a união faz a força. No início do trabalho,  afirmamos que sem espacialização não há imagens; agora, é necessário entender 

como  a  espacialização  das  imagens  torna‐se  uma  estratégia  negociada  para  a  criação de vários tipos de imagem que visam a dar conta da necessidade atual da  “sociedade da informação” de novas experiências visuais. 

Para  Berger  (1999),  baseado  no  famoso  estudo  de  Benjamin  (1992)  a  respeito da reprodutibilidade técnica, o movimento das imagens rompe com o  estatuto de unicidade das obras quando estas se desprendem da unicidade do  local onde residiam. O significado das imagens muda, multiplica‐se e fragmenta‐ se  em  muitos  significados.  Assim,  conclui  ele,  por  conta  da  reprodutibilidade  técnica à qual as imagens são submetidas pelos meios de reprodução modernos,  remove‐se as imagens da guarda do espaço de ritual originalmente criado para  elas,  retirando‐as  de  seu  invólucro  e  tornando‐as  “efêmeras,  ubíquas,  insubstanciais, disponíveis, sem valor, livres” (BERGER, 1999, p. 34), envolvendo‐ nos  do  mesmo  modo  que  uma  linguagem  que  nos  cerca.  Uma  vez  que  essas  imagens vêm ao encontro do espectador, há, para Benjamin (1992), a atualização  do objeto reproduzido, abolindo seu valor tradicional de patrimônio da cultura,  tornando‐as sempre contemporâneas de quem as observa. O contexto no qual a  imagem  aparece  é  um  aspecto  que  se  torna  relevante  para  a  apreciação  do  significado desta, que muda de acordo com o que é imediatamente visto ao seu  lado ou o que imediatamente vem depois dela. 

A  esse  respeito,  o  pensamento  pioneiro  de  Benjamin  (1992)  já  considerava medium e imagem elementos separados, ao  afirmar que “o modo  em que a percepção sensorial do homem se organiza – o medium em que ocorre  é condicionado não só naturalmente, como também historicamente” (p. 80),  que, portanto, não se esgota na descrição das características formais do estilo de  uma  época  aparentes  na  imagem.  Na  medida  em  que  o  autor  postula  esse  vínculo  que  acontece  em  simultaneidade  entre  a  organização  da  percepção  humana e a condição histórica do medium, ou seja, aquilo que o afeta enquanto  desenvolvimento,  seja  no  seu  aspecto  social  ou  técnico,  reivindica  o  reconhecimento da importância da composição desse medium para a formação e  transformação da percepção humana. Benjamin (1992), de certa maneira, afirma  que  o  espaço  que  abriga  a  imagem  torna‐se  mais  importante  que  a  própria  imagem, donde emana seu valor de culto, quando se enseja todo um cerimonial  em  torno  da  imagem.  A  reprodutibilidade  técnica  viria  a  aumentar  a  exponibilidade da obra, livrando‐a de seu confinamento medial, corroendo, com  isso,  a  aura  de  veneração  que  a  caracterizava.  Essa  reprodutibilidade  é  uma  propriedade  técnica  do  medium  que  orienta  e  induz  a  formação  de  imagens  contrárias às pretensões de veneração ou perpetuação de seu significado e, por  conta  dessa  característica,  as  imagens  tornam‐se  capazes  de  romper  valores 

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tradicionais e formular outros, menos perenes. Para o autor, supera‐se o caráter  único de qualquer realidade, por meio do registro da sua reprodução, este um  dos fatores que afetam gravemente a visão de mundo existente que considerava  a realidade unívoca. 

Um  dos  pontos  destacados  por  Benjamin  (1992)  é  a  condição  de  a  imagem ser transportável e, mais do que isso, ser transportável para um lugar  onde  possa  ser  vista  pelas  massas.  Este  é  o  desejo  imanente  dessas  imagens  técnicas: ser vistas por um grande número de pessoas. No entanto, para adquirir  essa  exponibilidade,  elas  necessitam  de  auxílio,  que  só  encontram  ao  se  espacializar. Como exemplo, o autor diz que a fotografia e o cinema dependem  de dispositivos técnicos elaborados com a função de permitir a reprodução sem  restrições  de  suas  imagens.  Estas  são  técnicas  que  não  só  permitem  a  reprodutibilidade,  mas  a  tornam  obrigatória,  pela  necessidade  de  viabilização  econômica  mediante  seu  consumo  intensivo.  Para  maximizar  essa  lógica  econômica, faz‐se necessário transportar mais imagens em menos tempo, para  cada vez mais pessoas. 

 

      3.2.1 Distribuição, fluxo e recombinação: remixabilidade 

Da  reprodutibilidade  mecânica  para  a  distribuição  digital,  Manovich  (2005) encontra o que denomina remixabilidade, referente tanto à lógica quanto  ao  instrumento  que  molda  a  cultura  digital.  Segundo  Lemos  (2006),  essa  característica  cria  uma  condição  pós‐moderna  de  só  se  operar  a  partir  de  processos abertos e coletivos, nos quais a autoria não está mais determinada. Na  cibercultura, isso significa operar a partir de apropriações e recriações, trazendo  uma configuração cultural denominada por ele de “ciber‐cultura‐remix”, baseada  na recombinação. 

A  questão  da  medialidade  digital  é  colocada  com  toda  a  intensidade  quando  se  verificam  essas  condições.  Para  Lemos  (2006),  a  cibercultura  caracteriza‐se  por  três  “leis”  fundadoras:  a  liberação  do  polo  da  emissão  (da  ordem  do  meio),  o  princípio  de  conexão  em  rede  e  de  reconfiguração  de  formatos midiáticos (da ordem do medium) e as práticas sociais (da ordem do  ambiente),  havendo  reflexos  que  acontecem  nos  espaços  de  imagens  que  reconfiguram toda a cultura em que nos encontramos, a ponto de impactar no  próprio modo de vida atualmente proposto pela sociedade contemporânea. 

De  acordo  com  Manovich  (2005),  a  remixabilidade  é  a  prática  de  misturar,  combinar  e  remisturar  as  informações  digitais  circulantes, 

independentemente de sua matriz, procedência ou destinação. Para ilustrar esse  procedimento,  ele  utiliza  a  metáfora  da  estação  de  trem,  em  que  o  trem  é  a  informação  ou  “objeto  de  mídia”  que  circula  e  a  estação  é  o  usuário  que  recepciona,  misturando‐o  com  outra  informação,  para  daí  o  pacote  de  informação resultante viajar para outro destino, em que o processo é repetido. O  autor  aponta  para  a  diferença  estrutural  entre  o  modelo  tradicional  de  comunicação  e  esse  modelo  descrito,  que  torna  o  receptor  não  mais  o  ponto‐ final da informação, mas uma estação temporária no trânsito dela.  

A  nomenclatura  é  recente,  mas  o  mesmo  procedimento‐chave  pode  ser  encontrado na música desde os anos 1980. De modo geral, segundo Manovich  (2005),  a  maioria  das  culturas  humanas  opera  e  se  desenvolve  por  meio  de  empréstimos e redesenhos de formas e estilos de outras culturas e os remixes  resultantes  são  incorporados  em  outras  culturas.  Foi  assim  que  Roma  Antiga  recombinou  a  Grécia  Clássica  e  a  Renascença  recombinou  a  Antiguidade.  Entretanto,  o  autor  sublinha  que  tanto  a  remixabilidade  cultural  quanto  a  vernacular  propiciada  pelas  técnicas  de  computação  são  parte  do  mesmo 

continuum.  Por  sua  vez,  Diamond  (2011)  aponta  que  a  “cultura  remix”  é  uma 

forma  de  colagem  que  se  origina  da  apropriação  dos  muitos  movimentos  ocorridos  no  interior  do  final  do  modernismo  e  no  pós‐modernismo,  como  colagem, movimento dadaísta, grafite, fotomontagem, pop art, arte processual, 

scratch video, entre outros. Segundo ela, esses movimentos pretendiam minar a 

aura e autenticidade da imagem e abrir o seu significado pela mudança do seu  contexto e interpretação. 

Do  lado  de  quem  usufrui  dessas  produções  imagéticas,  instala‐se  uma  inevitável  confusão.  Os  apreciadores  de  imagens  são  incentivados  a  se  tornar  autores de novos artefatos visuais e elaborar novas experiências com a imagem,  aumentando  em  muito  a  complexidade  dessa  situação.  As  classificações  que  determinavam  as  diferenças  entre  essas  produções  também  foram  gradualmente eliminadas, à medida que se tornaram obsoletas. A exibição dá‐se  numa  miscelânea  de  imagens  de  maneira  não  mais  programada  pelos  tradicionais meios de comunicação de massa, mas por todo o entorno. O fluxo de  imagens  transborda  a  barragem  que  a  represava  em  canais  controlados  pelo  monopolismo  tecnoburocrático,  dispersando  o  poder  instituído  pela  produção  centralizada e pelo saber especializado, numa inundação de micronarrativas do  cotidiano, que circulam de computador em computador como de mão em mão.  

O  princípio  de  conexão  em  rede  traz  a  reboque  a  questão  do  fluxo  informacional,  comunicacional  e  imagético,  que  se  torna  mais  relevante  nos 

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tempos  digitais.  Se  antes  eram  debatidos  dentro  dos  círculos  fechados  dos  estudos  dos  media,  quando  o  principal  interesse  estava  ainda  voltado  para  o  meio  televisivo  com  suas  imagens  pulsantes  e  massageadoras,  agora,  com  o  meio digital, os questionamentos sobre o fluxo alargam‐se bastante, na mesma  medida  em  que  se  afrouxam  os  limites  que  guarneciam  seu  entendimento.  O  fluxo  não  é  uma  corrente  de  ar  disposta  a  circular  por  qualquer  porta  aberta,  nem uma chuva que desaba sobre nós. Assim como não há rio que corra sem um  leito,  não  há  fluxo  de  informação  que  se  estabeleça  sem  um  sistema  de  escoamento,  mesmo  que  este  seja  rizomático  ou  ramificado.  Como  visto  anteriormente,  o  fluxo  é  da  ordem  do  medium,  portanto  uma  característica  espacial  e  não  do  conteúdo  que  circula  por  ele.  Fala‐se  em  fluxo  de  conteúdo  apenas porque o medium possibilita que certos conteúdos trafeguem por suas  vias.  O  fluxo  digital  é  um  composto  medium/conteúdo  indissociável  voltado  à  expansão  das  características  visuais  desse  meio.  É  uma  atividade  originada  no  espaço criado pelo meio e patrocinada pela tecnicidade que o caracteriza.  

O meio digital possibilita a integração de múltiplas linguagens num intenso  jogo  de  combinação.  Dentro  desse  playground  ilimitado,  parece  que  tudo  se  torna  possível.  Postman  (2006),  em  Amusing  ourselves  to  death,  sublinha  a  questão  de  que  “mudanças  nos  meios  de  comunicação  induzem  mudanças  na  estrutura da mente das pessoas ou mudanças na sua capacidade cognitiva” (p.  27)  e,  como  resultado  disso,  a  estrutura  do  discurso  é  modificada.  Embora  baseadas no estudo da televisão, suas declarações são altamente relevantes para  o meio digital, como quando afirma que “mudanças no ambiente simbólico são  como mudanças no seu ambiente natural.” (p. 27). Ele ainda sublinha o aspecto  de que na televisão todo discurso público toma a forma de entretenimento, isto  é, para ele, o tipo de conteúdo que é emitido em um meio é determinado pela  capacidade particular daquele meio de formar seu conteúdo. Para o autor, “na  televisão, o discurso é conduzido largamente pela imagética visual, o que quer  dizer que a televisão nos dá conversação por imagens, não palavras.” (p. 7). Seu  principal  argumento  é  que  a  forma  exclui  o  conteúdo,  no  sentido  de  “cada 

medium, como a linguagem si mesma, faz possível um modo de discurso peculiar 

ao  prover  uma  nova  orientação  para  o  pensamento,  para  expressão,  para  sensibilidade.”  (p.  10).  Sua  preocupação,  em  meados  dos  anos  1980,  tanto  se  traduzia em afirmar que a televisão enfatizava a satisfação de nossa necessidade  de  entretenimento  em  detrimento  da  qualidade  da  informação  quanto  em  apontar para os efeitos da mudança de uma era tipográfica, da cultura escrita,  para uma era da televisão, da cultura da imagem. 

Se essas circunstâncias foram colocadas por Postman (2006) ao estudar a  televisão,  meio  de  comunicação  de  massa  dominante,  tanto  na  época  quanto  ainda  hoje  –  porém  com  influência  bastante  diminuída  –,  ao  se  concentrar  no  estudo  do  meio  de  comunicação  como  estruturador  do  discurso  que  afeta  a  cultura, como isso se dá com o meio digital, à medida que este caminha para o  primeiro posto na preferência dos indivíduos, naquilo que Vilches (2003) chama  de  migração  digital?  Segundo  esse  autor,  “a  vida  econômica  e  política,  assim  como as relações sociais, a educação e o entretenimento estão submetidos a um  processo de migração que alguns já batizaram de nova ordem social” (p. 12‐13),  sendo esta expressa numa “sociedade digital que é, simultaneamente, território  de  desenvolvimento  econômico  e  centro  das  comunicações.”  (p.  13).  Essa  ambiguidade  marca  o  meio  digital:  não  só  é  constituído  para  comunicar,  mas  constitui‐se como a mais importante plataforma socioeconômica da atualidade,  dividindo‐se  entre  usuários  profissionais  e  usuários  com  experiência  de  espectador passivo.  

O meio digital consegue reunir múltiplas esferas de produção em torno da  mesma  plataforma  técnica,  constituindo  a  infraestrutura  da  comunicação  e  assumindo a coordenação dos outros grandes sistemas técnicos, colocando‐se a  serviço  de  outros  fenômenos  tecnossociais  que  tendem  à  integração  mundial:  finanças, comércio, pesquisa científica, mídias, transportes, produção industrial  etc. (LÉVY, 2003), e, a partir da interconexão geral das informações, da máquina  e  dos  homens,  promove  intensos  diálogos  e  intercâmbios,  um  alcance  inimaginável  para  a  televisão.  Para  Vilches  (2003),  estamos  diante  de  uma  ruptura radical entre dois tipos de experiência de uso dos meios, como efeito da  migração digital. Enquanto os espectadores de televisão obtêm uma experiência  comunicativa que não exige nenhuma competência ativa, os usuários digitais, a  partir  da  experiência  interativa  das  novas  mídias,  são  levados  à  ação  pela  mediação  da  tecnologia.  O  autor  destaca  que,  possivelmente,  o  advento  mais  espetacular  da  migração  digital  tenha  a  imagem  como  protagonista,  dado  que  recoloca em pauta a relação entre imagem e realidade.  

Isso  se  deve,  em  grande  parte,  ao fato  de  a  produção  da  imagem  digital  incidir  sobre  a  natureza  da  linguagem,  que  é  comum  a  qualquer  imagem  (FERRARA, 2002). Ao se afastar das amarras da representação que a limitava a  copiar o mundo, a imagem digital volta‐se para si mesma, para aquilo que há no  seu interior, que é a própria linguagem. Desse modo, como afirma Ferrara (2002,  p. 61), essa imagem digital “não se coloca no nível de reprodução da realidade  [...]  mas  produz  imagens  que  se  fazem  representar,  sem  matriz  referencial.” 

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Seriam,  nesse  caso,  “imagens  inexistentes  referencialmente,  mas  passíveis  de  existência imaginária.” (p. 62). Isoladamente, a imagem digital tem o seu próprio  universo  referencial.  Quem  determina  o  referente  é  o  próprio  usuário,  dependendo  da  conexão  que  este  desejar  assumir.  A  imagem  digital  é  “representativa de uma possibilidade que reinventa o real e estimula uma outra  fonte criadora de imagens: o imaginário” (p. 62), assinalando que o que muda é a  percepção do que é o real agora: uma possibilidade imaginária.  

Na cultura digital, o universal compartilhado em tempo real impossibilita a  totalização, porque não existe nenhum contexto claramente relacionado com a  imagem.  A  imagem  desterritorializa‐se  à  medida  que  se  propaga,  descontextualizando‐se  pela  fragmentação  exigida  no  processo  e  recontextualizando‐se  na  interconexão,  descompromissada  com  qualquer  significação  totalizante,  ou  seja,  de  produzir  e  impor  um  só  sentido.  A  espacialidade  da  imagem  nesse  espaço  de  conexão  está  situada  em  nenhum  lugar  e  está  em  todos  os  lugares,  o  que  supõe  uma  desistoricização  da  experiência. Já não remete a nada, somente a si própria e para a capacidade que  o  receptor  terá  que  ter  desenvolvido  para  decodificar  imediatamente  a  mensagem.  

Em  termos  de  experiência  individual,  um  dos  impactos  dessa  migração  digital  pode  ser  sentido  no  meio  televisivo  e  no  acesso  por  seus  usuários.  Segundo pesquisa de campo realizada pelas empresas Google e Ipsos, em 2012,  com  usuários  norte‐americanos,  a  televisão  já  deixou  de  ser  o  aparelho  mais  utilizado  por  77%  desses  usuários  para  acessar  o  meio  televisivo.  Esse  grupo  passou  a  assisti‐la  preferencialmente  por  meio  de  smartphones,  tablets  e 

laptops.  Os  dados  da  pesquisa  confirmam  que  os  media  de  imagens 

predominantes  hoje  são  telas  digitais,  revelando  dois  modos  distintos  do  comportamento  denominado  “multitelas”:  o  uso  sequencial,  quando  há  a  utilização de um dispositivo por vez, e o uso simultâneo, quando há a utilização  de mais dispositivos simultaneamente.                    Figura 21 – Pesquisa de campo da Google e Ipsos, de 2012. Fonte:Google, 2012 

Essa  pesquisa  também  confirma  o  que  se  pensa  sobre  a  polêmica  da  “convergência  das  mídias”25  (GOOGLE;  IPSOS,  2012)  ou  mito  da  caixa‐preta,  como chama Jenkins (2009), ou seja, a noção de que existirá, no futuro, um único  aparelho  que  será  suficiente  para  realizar  todas  as  funções  de  comunicação,  imagem  e  som.  Jenkins  (2009)  chega  a  dizer  ironicamente  que,  na  sala  de  sua  casa,  só  há  aumento  da  quantidade  de  aparelhos,  nunca  diminuição,  o  que  denomina, de modo preciso, de divergência. Conforme ressaltamos no capítulo  anterior, o processo de digitalização proporciona uma convergência tecnológica.  A ideia de que há uma convergência dos media de imagens não se confirma na  prática.  Presenciamos  uma  convergência  dos  meios,  entre  produtores  de  conteúdo  imagético  e  comunicacional,  numa  ponta,  e  seus  espectadores,  na  outra ponta.  

Os encontros dos meios ocorrem nesse contexto de recepção, ao mesmo  tempo  dispersivo  e  participativo,  que  passa  a  orientar  a  percepção  de  outros  ambientes  informados,  que  se  adicionam  aos  ambientes  anteriores  ainda  em  utilização. Em nossa pesquisa, identificamos três diferentes discursos analíticos  voltados  à  compreensão  do  movimento  e  do  contato  entre  meios,  media  e  ambientes: remediação, convergência e intermedialidade. 

 

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