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4.1 Sistema Tributário Nacional na Constituição Federal de 1988 e Municípios

4.1.2 A concepção da teoria sistemática do Direito Tributário

De acordo com o pensamento sistemático, a Constituição é o centro do sistema jurídico, irradiando seus valores para todos os ramos do direito. Segundo Paulo Caliendo, sob o ponto de vista sistemático, a Constituição é a norma jurídica mais importante do sistema jurídico, sendo detentora de princípios, regras e valores jurídicos241.

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CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 226.

239 Ibid. 240

SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo. Direito Tributário ‒ Três modos de pensar a tributação ‒ Elementos para uma Teoria Sistemática do Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 103.

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Essa ideia também é apresentada por Ricardo Lobo Torres, para quem o tributo será considerado o dever fundamental estabelecido pela Constituição em espaço aberto pela reserva da liberdade e da declaração dos direitos fundamentais242. Assim, a tributação é compreendida como um dever fundamental que tem sua origem no texto constitucional, e não apenas como uma obrigação derivada da lei243.

Para o pensamento sistemático, segundo afirma Paulo Caliendo, a tributação possui natureza dúplice, já que tanto assume caráter de Carta de Direitos, limitando o poder de tributar, como também exerce a função de Carta de Competências, ou seja, o próprio poder de tributar, de modo que se tem lado a lado norma de atribuição de competências e norma de exclusão de competência tributária sobre determinadas condutas244.

Paulo Caliendo afirma que o pensamento sistemático representa, na realidade, a conjugação das ideias de diversos autores, com pressupostos teóricos diversos, mas que possuem como características comuns a aceitação de três pilares conceituais: a) a constitucionalização dos direitos fundamentais; b) a reintrodução do problema da justiça; c) uma nova hermenêutica jurídica.

Autores como Klaus Tipke, Casalta Nabais, Thomas Nagel, Ricardo Lobo Torres e Paulo de Barros Carvalho, ainda que partam de concepções filosóficas distintas, trariam, segundo afirma Paulo Caliendo, contribuições para a afirmação da teoria sistemática do Direito Tributário245.

O reconhecimento dos três pilares conceituais apontados por Paulo Caliendo ocorre num cenário de centralidade dos direitos fundamentais como vetores de realização da dignidade da pessoa humana. Essa necessidade surgiu no século passado, após graves violações aos direitos humanos, provocadas por regimes totalitaristas, a exemplo do nazismo.

Como bem descreve Flávia Piovesan, a barbárie do totalitarismo rompeu com o paradigma dos direitos humanos, negando a pessoa humana como valor fonte do direito, levando a que, diante dessa ruptura, os direitos humanos tornassem a ser considerados referenciais e paradigmas éticos que aproximam o direito da moral, passando o maior direito a

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TORRES, Ricardo Lobo. O conceito constitucional de tributo. In: TÔRRES, Heleno (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 567.

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SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo. Direito Tributário ‒ Três modos de pensar a tributação ‒ Elementos para uma Teoria Sistemática do Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 145.

244 Ibid. 245

ser, como descrito por Hannah Arendt, o direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos246.

Nesse contexto, impõe-se a necessidade do estabelecimento de uma ordem econômica e social capaz de assegurar os valores da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, do direito à participação política, ou seja, uma ordem que possa garantir a toda pessoa a efetivação de todos os direitos e liberdades fundamentais, o que, no Brasil, foi garantido pelo Diploma Constitucional de 1988.

Para Paulo Caliendo, o pensamento sistemático reabilita os valores para o centro do sistema jurídico, de modo que esse possua uma ordenação e unidade viabilizadas pela coerência sistemática entre valores (axiologia) e princípios e regras (deontologia) no interior de um sistema aberto, no qual a interpretação adotada será do tipo tópico-sistemática247.

Segundo Paulo Caliendo:

O pensamento sistemático se caracteriza como um giro ético voltado para a compreensão dos valores, colmatados nos princípios e regras jurídicos. Trata-se do resultado mais acabado da convergência de importantes movimentos teóricos da modernidade. Três grandes vertentes irão delimitar essa convergência de escolas de pensamento com matrizes teóricas distintas: i) a teoria dos direitos fundamentais e o neoconstitucionalismo; ii) a hermenêutica ética e a teoria da justiça; e a iii) a teoria do discurso e da argumentação. Esses três pilares estão intimamente conectados e vinculados, dado que a teoria moderna do constitucionalismo afirma que o objetivo do Estado Democrático de Direito é se constituir em um Estado de Direitos Fundamentais, ou seja, um Estado que pretende realizar os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões248.

Assim, de acordo com a visão sistemática do direito, a principal finalidade do Estado é realizar os direitos fundamentais como um todo, o que impõe a necessidade de enxergar o fenômeno jurídico não como um campo isolado, mas sim permeável aos valores, devendo ser aplicado a partir de uma hermenêutica ética, onde as teorias da justiça, do teoria do discurso e da argumentação ganham relevância.

Ricardo Lobo Torres ressalta que a constitucionalização do direito abre espaço para a discussão sobre subconstituições, entre elas a política, econômica, financeira, administrativa,

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PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed., rev. e atual. (versão eletrônica) São Paulo: Saraiva, 2013. p. 119-120.

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SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo. Direito Tributário ‒ Três modos de pensar a tributação ‒ Elementos para uma Teoria Sistemática do Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 115.

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social etc., ao passo que permite a irradiação dos direitos fundamentais por esses subsistemas, visando à sua concretização249.

Assim, entende que um sistema que definisse como o conjunto de elementos de sua unidade interna, coerência lógica, ordem, ausência de contradições e independência do todo em relação às partes, seria danoso, uma vez que se confundiria com a totalidade250.

Para ele, a validade do sistema depende de sua aplicação aos diferentes campos do conhecimento, devendo-se recusar o sistema total, fechado e completo, que apenas se apreende por um único método ou ciência251. Cumpre adotar, em contrapartida, um pluralismo de sistemas, para abranger as mais variadas realidades físicas, orgânicas e sociais, que se desdobra ainda em sistemas jurídicos éticos, econômicos, financeiros, históricos, entre outros, e reflete o pluralismo metodológico e a multidisciplinaridade no estudo de suas ciências252.

A tributação municipal, uma vez que também busca seu fundamento de validade nos valores constitucionais, deve pautar-se por uma interpretação sistemática do texto constitucional, desempenhando sua função socioeconômica no sentido de promover o desenvolvimento local, devendo manter uma atenta observância aos limites constitucionais ao poder de tributar, a fim de cumprir sua finalidade fiscal de assegurar recursos para que sejam possíveis investimentos em melhorias sociais.