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5 PRODUÇÃO DE TEXTO

5.1 A CONCEPÇÃO DE TEXTO ADOTADA PELA ESCOLA NA

na escola; nem mesmo são raros os momentos que se vêem obrigados a escrever um texto exigido por alguma situação de uso da língua escrita no seu dia-a-dia, por menor que ele seja. Em alguns casos, os alunos têm que escrever um texto que deverá ser lido por outras pessoas ou por uma única pessoa, o que é comum ocorrer nas instituições de ensino quando proporcionam momentos de produção escrita aos educandos; estes deverão escrever num gênero criado pela escola e para a escola (MARCUSCHI, 2002), ou seja, terão que fazer uma redação. Nesse trajeto de produção textual, que já inicia na fase de alfabetização, muitos problemas são gerados, principalmente o trauma de escrever, mesmo que seja um recado para deixar na porta da geladeira, pois a escola mostrou o caminho mais penoso para a aquisição da escrita: modelos de textos a serem produzidos sem nenhum significado para o discente e, praticamente, sem elementos coesivos e com a primazia pelos erros no momento de corrigir a produção do aluno.

Entretanto, a escola, representada, neste caso, pelos professores, ainda não se deu conta disso e continua investindo em um modelo de ensino que pode frustrar o indivíduo na vida depois da escola. Não obstante isso, não consegue compreender porque as pessoas enfrentam tantas dificuldades para escrever se são consideradas “alfabetizadas”. Na verdade, essa falta de compreensão ainda ocorre pelo fato de muitas instituições ainda conceberem a alfabetização, ou melhor, o termo “alfabetizada” assim como o é definido no dicionário: “pessoa que sabe ler e escrever”. Adotando essa concepção, a escola esquece de trabalhar com os seus discentes a funcionalidade da língua e, conseqüentemente, não lhes apresenta outros gêneros textuais, restringindo-se, mais especificamente na alfabetização, ao trabalho com textos elaborados propositalmente para ensinar a criança a ler pelo método sintético.

De acordo com Cagliari (2002), as cartilhas – principal instrumento utilizado nas turmas de alfabetização – que adotam o “bá – bé – bi – bó – bu” têm como propósito apresentar uma proposta de alfabetização através de palavras-chave e de sílabas geradoras,

deixando, então, “de ser apenas um livro para ensinar a ler e tornando-se um livro para fazer exercícios de escrita” (CALIGARI, 2002, p.80).

Além disso, os textos apresentados nessas cartilhas partem de uma concepção de linguagem um tanto quanto equivocada; nessa concepção, o texto é visto apenas como um conjunto de frases, o que induz a criança a pensar que o texto é um amontoado de palavras, muitas vezes sem sentido algum. No entanto, o texto vai além das frases. Para Koch (2001, p.22), o texto poderia ser conceituado como

uma manifestação verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais.

A dificuldade em produzir textos, por ora exposta, é um problema que pode se tornar constante ao longo de toda a escolaridade de um indivíduo, se essa não for bem trabalhada. Logo, tal dificuldade não se restringe apenas a pessoas de pouca escolaridade. Os resultados dos concursos para ingressar em uma universidade demonstram isso: o índice de notas vermelhas obtidos nas redações assusta os examinadores que certamente questionam: como pode uma prova de redação assustar tanto uma pessoa que passou onze anos de sua vida na escola? Ou ainda, qual o papel da escola diante da dificuldade apresentada pelo educando em produzir textos?

As questões suscitadas exigem uma ampla reflexão e um estudo aprofundado acerca de como vem se dando a aquisição da escrita na escola, bem como sobre a forma como a mesma trabalha a produção de textos escritos, já que os problemas apresentados podem ter sua origem na própria escola devido à maneira como o texto é tratado, desde a alfabetização até o Ensino Médio. Talvez justamente pela concepção de texto que prega, a escola seja a responsável por todas essas dificuldades, pois

O emprego de atividades que atomizam demais a linguagem, como o uso dos “tijolinhos” das famílias de sílabas para construir o “muro” chamado texto, acabam destruindo o texto na sua essência, porque não se trata simplesmente de uma fileira de palavras. Há regras muito rígidas de coerência e coesão que estabelecem relações entre as palavras. Essas regras não estão em palavras isoladas, mas nas pontes que ligam as palavras num texto. Essas relações ou pontes jamais aparecerão num bá – bé – bi – bó – bu (CAGLIARI, 2002, p. 202).

Ainda assim, segundo Caligari (2002), o fato de a escola lidar com falantes nativos da língua poderia contribuir para o desenvolvimento da produção de textos escritos, pois ela

poderia usar a habilidade da criança em produzir textos orais como ponte para que a mesma aprenda a produzir textos escritos ao invés de se deter a exercícios exaustivos de montar e desmontar a linguagem, o que acabará levando a criança a pensar que o texto que ela fala em nada se aproxima do texto exigido dela pela escola.

Se a escola, desde a alfabetização, permite que a criança use a linguagem que já domina nas suas produções, estará propiciando que o aluno escreva sem medo de expressar o que pensa, sem medo de cometer erros, pois não terá sua produção usada contra si, como uma forma de punição pela falta de domínio do que foi trabalhado em sala de aula e que foi fatalmente revelado em seu texto. Outrossim, a produção do aluno serve de base ao docente que tem em suas mãos um excelente material para diagnosticar o que o infante já sabe e o que precisa aprender para que domine a escrita. Assim, os textos servirão de suporte à elaboração do trabalho a ser desenvolvido pelo professor com seus educandos.

Portanto, a partir daqui, será mostrado que a escola pode trabalhar não só com a concepção de texto veiculada pela cartilha, mas também com uma concepção que foge ao método trabalhado na cartilha (conforme expressam os textos de 7 a 12 no capítulo 6), sem um modelo pré-fabricado. Ambas as concepções levam o educando a obter um resultado diferenciado na produção de texto, bem como a adotar uma postura diferente diante de uma situação real de uso da língua escrita.

Antes, porém, de se abordar a concepção de texto veiculada pelas cartilhas, é válido ressaltar o posicionamento de alguns lingüistas com relação ao texto, não só escrito, mas também oral.

Para Koch e Travaglia (2000, p.10), o texto é uma

unidade lingüística concreta (perceptual para visão ou adição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente de sua função.

Fávero e Koch (1983) apud FÁVERO (2000, p.7) afirmam que

o termo texto pode ser tomado em duas acepções: texto em sentido amplo, designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema, etc.), e, em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e inteterlocutor, no caso dos diálogos) e o evento de sua comunicação. (grifos da autora)

Já para Halliday e Hasan (1976) apud FÁVERO (2000, p.8) texto é uma seqüência de enunciados coesa e coerente. Logo, “o que permite determinar se uma série de sentença constitui ou não um texto são as relações coesivas com e entre as sentenças, que criam a textura”.

Também, vale enfatizar que os resultados obtidos nos estudos de Lingüística Textual têm apontado que o uso de mecanismos de coesão e de coerência, seja ele adequado ou inadequado, pode ser o principal vilão do sucesso ou do fracasso do texto produzido.

Com base nisso, no próximo tópico, o qual aborda a concepção de texto escrito trabalhado na maioria das escolas, dentre elas as escolas L.C e N.S.A, locus desta pesquisa, será feita a análise de textos que as cartilhas de alfabetização apresentam aos alunos. Nessa análise, serão verificados quais os fatores de coerência e quais os mecanismos coesivos usados nos textos extraídos de cartilhas de alfabetização. Tal análise tem como intuito verificar se é na tessitura do texto escrito no que diz respeito à construção da coesão e da coerência, que reside a origem do problema da produção textual.