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3 CONSTRUTIVISMO: FIM DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO?

3.3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONSTRUTIVISMO NAS ESCOLAS

Antes de se falar da institucionalização do construtivismo nas escolas brasileiras, faz- se necessário, porém, mencionar que o construtivismo veio a ser implantado nas escolas públicas do Brasil após a implantação do sistema de ciclo básico, o qual mudava, em parte, a estrutura organizacional do ensino público no país.

Na década de 80, vários Estados e Municípios reestruturaram o ensino fundamental a partir das séries iniciais. Esse processo de reorganização, que tinha como objetivo político minimizar o problema da repetência e da evasão escolar, adotou como princípio norteador a flexibilização da seriação, o que abriria a possibilidade de o

currículo ser trabalhado ao longo de um período de tempo maior e permitiria respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem que os alunos apresentam (PCN, 1997, p. 59).

Esta estruturação encontrou apoio nos PCN (1997, p.59) por ser reconhecida como capaz de permitir

compensar a pressão do tempo que é inerente à instituição escolar, tornando possível distribuir os conteúdos de forma mais adequada à natureza do processo de aprendizagem. Além disso, favorece uma apresentação menos parcelada do conhecimento e possibilita as aproximações sucessivas necessárias para que os alunos se apropriem dos complexos saberes que se intenciona transmitir.

Pode-se, com isso, afirmar que a distribuição adequada desses conteúdos é possível devido à forma como o ciclo é estruturado: ele, nas escolas que o adotaram, tomou o lugar da seriação, tendo atualmente, com a mudança por que passa a educação – os alunos devem ingressar no Ensino Fundamental aos seis anos de idade –, o ciclo básico I a duração de três anos e o ciclo básico II a duração de dois anos, como o era antes. Sendo assim, os conteúdos que deveriam ser trabalhados pelo professor ao longo de um ano e serem repetidos nas séries posteriores, só que com o acréscimo de novas informações, podem ser trabalhados ao longo de três ou dois anos, dependendo do ciclo, considerando-se, assim, o ritmo de cada educando a fim de garantir-lhe respeito e a criação de condições para que possam progredir nas suas aprendizagens. Por isso,

A adoção de ciclos, pela flexibilidade que permite, possibilita trabalhar melhor com as diferenças e está plenamente coerente com os fundamentos psicopedagógicos, com a concepção de conhecimento e da função da escola que estão explicitados no item Fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997, p. 61).

Não obstante isso, com a adoção do sistema de ciclos, conforme expresso nos PCN (1997, p. 61),

podem-se definir objetivos e práticas educativas que permitam aos alunos avançar continuadamente na concretização das metas do ciclo. A organização por ciclos tende a evitar as freqüentes rupturas e a excessiva fragmentação do percurso escolar, assegurando a continuidade do processo educativo, dentro do ciclo e na passagem de um ciclo ao outro, ao permitir que os professores realizem adaptações sucessivas da ação pedagógica às diferentes necessidades dos alunos, sem que deixem de orientar sua prática pelas expectativas de aprendizagem referentes ao período em questão.

De acordo com Palma Filho (1985), pode-se dizer que o sistema de ciclos foi uma das formas encontradas para a democratização da escola, que ainda age seletivamente, posto que marginaliza as camadas mais pobres da população. Assim, baseando-se nos modelos paulista

e gaúcho de ensino, em Belém, no ano de 1994, no governo de Hélio da Mota Gueiros, houve a implantação não só dos sistemas de ciclos, mas também do construtivismo em quatro escolas da Rede Municipal de Ensino, ainda que em caráter experimental, atingindo, em 1996, quase que totalidade das escolas municipais de Belém. Entretanto, em virtude de uma má interpretação acerca do sistema de ciclos e do construtivismo também, as escolas de Belém não apresentam muito êxito na prática.

Com relação ao construtivismo, um dos poucos aspectos dessa teoria de ensino que ainda é levado em consideração nessas escolas são os quatro níveis sucessivos dos aspectos construtivos da evolução da escrita, mas só para fins avaliativos, já que, ao ser detectado pelo professor em qual nível da evolução da escrita o educando está, pouco ele faz por aquele que ainda não conseguiu atingir o nível alfabético de escrita descrito por Ferreiro e Teberosky, permanecendo a ser desenvolvido um trabalho com os métodos tradicionais de alfabetização. Isso ocorre porque a metodologia utilizada nas pesquisas de Ferreiro e Teberosky

foi muitas vezes interpretada como uma proposta de pedagogia construtivista para alfabetização, o que expressa um duplo equívoco: redução do construtivismo a uma teoria psicogenética de aquisição de língua escrita e transformação de uma investigação acadêmica em método de ensino. Com esses equívocos, difundiram-se, sob o rótulo de pedagogia construtivista, as idéias de que não se devem corrigir os erros e de que as crianças aprendem fazendo "do seu jeito". Essa pedagogia, dita construtivista, trouxe sérios problemas ao processo de ensino e aprendizagem, pois desconsidera a função primordial da escola que é ensinar, intervindo para que os alunos aprendam o que, sozinhos, não têm condições de aprender (PCN, 1997, p. 43- 4).

Esse equívoco também ocorre no sistema de ciclos. Muitos professores o compreendem como um sistema no qual a reprovação é inexistente, embora ao fim do ciclo os discentes não tenham apreendido os conteúdos listados “como meio para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitem produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos” (PCN, 1997, p. 73).

Os equívocos resultantes da má interpretação acerca do sistema de ciclos e do construtivismo talvez se devam à resistência dos professores à mudança, pois é muito mais cômodo continuar a execução de algo que já se domina do que partir para o estudo, aprofundamento e, conseqüentemente, aprendizado de novas teorias educacionais, novos conhecimentos. O equívoco sobre o sistema de ciclos talvez também se deva à má interpretação de que

pretendia-se, por intermédio dele e à luz de novas concepções a respeito do processo de ensino aprendizagem, vencer a barreira da repetência logo no início da escolarização, promovendo uma profunda, ainda que gradual, mudança no mundo (sic.) de atuar na escola (SILVA; DAVIS, 1993, p. 11).

Como se percebe, o investimento dos órgãos governamentais para a implantação do construtivismo nas escolas do país foi pesado, ainda que existissem outras opções viáveis para a educação. Conforme Cagliari (2001), esse investimento foi tão grande que o que não tinha relação com o construtivismo era deixado de lado. Entretanto, na visão de Cagliari (2001, p.220), Ferreiro “tem uma visão muito equivocada de como os sistemas de escrita funcionam, sobretudo com relação ao sistema alfabético”. Contudo, o autor não nega que a estudiosa “trouxe uma grande contribuição para a compreensão do processo de letramento e propostas didáticas muito importantes para que a alfabetização melhorasse sua prática” (CAGLIARI, 2001, p. 220).

No que concerne ao construtivismo, segundo Colello e Luize (2005, p. 20),

Ansiosos por encontrar alternativas para os dramáticos índices de reprovação e fracasso escolar, muitos professores acabaram fazendo uma transposição demasiadamente direta das situações de pesquisa, trazendo-as para a escola mais como uma metodologia de trabalho do que propriamente como um estímulo à reflexão, ao estudo e ao planejamento de práticas mais compromissadas com o aprendiz. Como se não tivessem tempo para aguardar o lento processo de uma pesquisa que pudesse respaldar a implementação de novas diretrizes de trabalho, muitos educadores lançaram-se avidamente à psicogenética como se ela fosse a solução para todos os problemas em sala de aula.

Então, com base nesses pressupostos, Colello e Luize (2005, p. 21) elaboraram um quadro (Quadro 1) que ilustra algumas das tendências ancoradas na compreensão periférica das diretrizes ou pela má interpretação dos princípios psicogenéticos.

PROPOSIÇÕES CONSTRUTIVISTAS

TENDÊNCIAS EQUIVOCADAS E REDUCIONISTAS DA TRANSPOSIÇÃO

PEDAGÓGICA Evolução psicogenética entendida como um

processo ativo e pessoal de elaboração cognitiva, a partir das experiências vividas.

Ausência de intervenções pedagógicas para não "atrapalhar" o processo individual de aprendizagem, isto é, sem a preocupação de propor experiências ou situações favoráveis à construção do conhecimento. Construção do conhecimento a partir de condições

favoráveis para o envolvimento pessoal, a elaboração e testagem de hipóteses, a possibilidade de descoberta e a apropriação do saber significativo. Um ensino capaz de

Prática pedagógica como um ativismo didático de duração imprevisível, não necessariamente colocando a criança como foco da intervenção didática.

respeitar o tempo de aprendizagem, as experiências e os conhecimentos já construídos pela criança, compreendendo o erro como parte desse processo de aprendizagem.

Aceitação de qualquer tipo de erro sem o esforço interpretativo para compreender a sua "lógica" ou para transformá-lo em um recurso para a superação das dificuldades.

Identificação de momentos conceituais de compreensão e produção da escrita: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Divisão da classe ou de subgrupos de trabalho "por níveis".

Planejamento e proposição de "atividades por níveis".

Pretensão de hierarquizar a aprendizagem em "etapas", induzindo a progressão do conhecimento a partir da sucessão dos "níveis" descritos.

Avaliação da aprendizagem unicamente com base nos "níveis" em tentativas de "classificar" as crianças e seus saberes sobre a escrita.

Escrita espontânea como oportunidade de produção significativa para a reflexão lingüística e para a constituição da autoria (o aprendiz-autor).

Deixar a criança escrever livremente, sem interferências e por tempo indeterminado e sem propósitos ou destinatários definidos.

Evitar a correção ou qualquer forma de revisão textual.

Interlocução como recurso para a troca de informações e desestabilização das hipóteses construídas, favorecendo a possibilidade de avanço.

Promoção de trabalhos em grupo, supondo a interlocução como conseqüência necessária do "agrupamento de pessoas".

Escrita do nome próprio como conhecimento significativo que pode funcionar como um referencial estável de escrita na tentativa de outras produções ou de reflexão sobre a língua.

Ensino do nome próprio como a primeira lição do ano e pré-requisito para as demais aprendizagens.

Para aproximar a língua de seus usos sociais, estímulo ao uso de vários portadores textuais, em diferentes possibilidades de uso, funções ou gêneros de escrita.

Composição de livros didáticos que, pretendendo substituir as cartilhas, agrupam diferentes tipos textuais, mas não asseguram as especificidades do portador nem as reais situações de uso.

Trabalhar só com textos em detrimento de uma reflexão mais sistemática sobre o funcionamento do sistema.

Reflexão sobre a escrita para o avanço na compreensão do funcionamento desse sistema lingüístico.

Trabalhar com textos só depois de "dominada" a escrita alfabética.

Quadro 1: Tendências ancoradas na compreensão periférica das diretrizes ou pela má interpretação dos princípios psicogenéticos.

Mas, independentemente da resistência ou de uma leitura equivocada a respeito do construtivismo, o que não se alterou no decorrer de todos esses anos foi o quadro educacional brasileiro, o qual permaneceu com um percentual elevado de discentes que, mesmo após anos de estudos, não consegue atingir o nível alfabético de escrita ou ainda que o alcance não pode ser considerado nem um escritor, nem um leitor proficiente da língua, uma vez que as únicas estratégias de leitura e de escrita que lhe foi apresentada são aquelas concernentes à codificação e à decodificação dos sinais gráficos da língua.

Assim, devido à crise por qual passa o ensino brasileiro, a Comissão de Educação da Câmara Federal dos Deputados criou, em 2003,

um grupo de trabalho integrado por eminentes especialistas internacionais e convidados estrangeiros para apresentar ao Brasil uma visão atualizada sobre as teorias e práticas de alfabetização como base para uma análise da situação brasileira (Relatório final do grupo de trabalho “Alfabetização infantil: os novos caminhos”

apud BELITANE, 2005, p. 62).

Entretanto, esses especialistas não cumpriram com o seu papel, pois no momento de apontar cautelosamente as causas do fracasso do ensino brasileiro e apresentarem sugestões neutras para superação das dificuldades enfrentadas, eximiram-se de neutralidade, divulgando o método fônico com o intuito de que a educação no Brasil desvencilhe-se do construtivismo. Dessa forma, fica evidente que a guerra dos métodos de alfabetização ainda não chegou ao fim.