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A concepção discente de regra – síntese das análises da primeira

No documento marianarochafontes (páginas 94-96)

4. O DISCURSO DISCENTE SOBRE A NORMATIVIDADE

4.1. O que é uma regra para os alunos?

4.1.6. A concepção discente de regra – síntese das análises da primeira

Os frames Norma_Obediência, Obrigado_Obedecer e Norma_Comando surgem das

ULs e UCs utilizadas pelos alunos em suas respostas. Estes frames representam, portanto, o modo como estes alunos conceptualizam regra. Ao conceberem regra a partir de tais frames marcam o Ponto de Vista de “quem obedece”; concebendo a cena através do papel que nela “desempenham” ou através do papel do “outro”, de “quem manda”.

Pela perspectiva do discurso discente a obediência é vivenciada apenas pelos alunos. A figura do Aluno emerge através do EF Comandado (aquele que obedece) em todos os frames.

Tal forma de conceptualizar Regra e de fixar, de modo reiterado, seus papéis “obedientes” dentro desta cena nos deixa uma pista bastante clara sobre o estágio de desenvolvimento moral destas crianças, qual seja a heteronomia (PIAGET, 1994) ou o nível Pré-Convencional (KOHLBERG, 1969, 1981 apud LA´TAILLE, 2006).

Os estudos de Piaget (1994) apontam que a criança obedece a regra pela necessidade que tem de ser aprovada e amada pelos pais/professores ou pelo medo que tem da punição. Assim, o discurso discente indica que a regra é regulação de conduta “de cima para baixo”, representada por uma Norma que tem “poder” em si mesma, associada a uma punição e a uma figura de autoridade.

O não aparecimento de um EF Razão e a baixa frequência do EF Resultado (Regras por quê? Para quê?- esperáveis em um “ frame maduro”) pode ser um indício complementar para a mesma interpretação do desenvolvimento moral destas crianças (A regra existe pela regra!). A rigor, contudo, não se descarta o fato de os alunos não terem citado a Razão e o Resultado da regra simplesmente porque isto não lhes foi perguntado de modo direto.

A questão posta aos alunos favorece respostas curtas, que caracterizamos como Construções de Definição. A natureza deste tipo de construção, como já explicitamos, favorece a descrição da cena de forma mais abreviada.

Com isso, também a questão da Punição, elemento que, para a análise do desenvolvimento moral, pode ser tomada como crucial, não emerge nas respostas. De fato, as Construções de Definição evocam apenas os EFs centrais dos frames, dando relevo a Norma, Autoridade e Comandado.

Os indícios em relação ao desenvolvimento moral dizem também respeito aos ambientes sociomorais. Dois ambientes sociomorais se revelam na análise do EF Autoridade do frame Norma_Comando. São 24 ocorrências deste EF e em 25% os alunos citam representantes do ambiente familiar como Pai, Mãe e Responsável. Outros 25% de ocorrência deste EF estão relacionados ao ambiente escolar. Os alunos citam: Professora, Tia, Escola.

Segundo Piaget (1934) são estes os principais ambientes responsáveis pelo desenvolvimento moral dos sujeitos. A escola e a família são, portanto, responsáveis pela promoção da autonomia. Se as crianças vivenciam regra como obediência e comando, sem qualquer pacto social acerca dos princípios e valores que devem reger este ambiente sociomoral, a tendência é o favorecimento da fixação no estágio heterônimo, sem virem a alcançar a autonomia.

Nos termos de Tognetta (2008), os ambientes autocráticos, ou seja, aqueles nos quais as regras são impostas, visando o bom comportamento e denotando o controle daquele que dispõe de autoridade, não contribuem para que o indivíduo atinja a fase de autonomia. Esta se caracteriza como a fase em que o sujeito percebe o porquê da regra, atribuindo valores a suas atitudes (cf. cap.2).

O último ponto que merece relevo nesta discussão: se os alunos concebem regra como obediência, por que a indisciplina é um grave problema (na visão de gestores e educadores) nesta escola, ou por que os alunos desobedecem às regras? De fato, entre a concepção (o modo como concebemos algo) e a ação (nossa prática efetiva neste domínio) destas crianças parece haver uma grande distância!

A nosso ver, estando na fase de heteronomia, ao desobedecerem às regras, os alunos podem estar sinalizando o ambiente autocrático que estão vivenciando. Foi o que pudemos observar em nossas visitas.

A Punição é destacada quando as crianças violam as regras – ficam sem recreio ou assinam o livro de ocorrências, porém, em nenhum momento durante os 15 dias de observação diária, os alunos foram orientados para o princípio da regra que infringiam.

Queremos sinalizar com isto, que os alunos apenas sabem da existência das regras (como mostram na pesquisa), mas não sabem a finalidade delas. Eles reconhecem a regra, mas não conhecem o princípio!

Para Tognetta e Vinha (2008), o fato de o aluno apenas obedecer, sem saber o porquê, ou para quê, é apontado como uma das falácias da educação da moralidade, contribuindo, inclusive, para a indisciplina. O Regimento Escolar é um documento que deve ser construído com a participação da comunidade escolar, inclusive, com a dos alunos, como propõe Tognetta e Vinha ao apontar as assembléias como forma de organização social escolar (cf.cap.2). Na escola em estudo, não há um Regimento Escolar que seja discutido nas aulas, nem nos momentos de conflito. Com isto, a escola tem enfraquecido seu papel de fortalecer a formação do sujeito autônomo, já que a autocracia tem prevalecido em detrimento da democracia (nos termos apontados no cap.2)

O último aspecto que precisa ser ressaltado por reforçar toda esta discussão é o fato de todas as 127 respostas remeterem à cena de Normatividade através da relação de coação, ou seja, nos três frames (Norma_Obediência, Obrigado_Obedecer e Norma_Comando) temos simbolizado de um lado alguém que obedece e do outro alguém que manda. A relação de cooperação, própria de ambientes democráticos, não é representada em nenhuma resposta analisada neste trabalho, o que corrobora para a caracterização do ambiente autocrático vivenciado pelos alunos desta escola.

A análise da segunda questão fornece, por certo, maiores subsídios para a compreensão da “vivência escolar” das regras. Esta análise passa a ser apresentada na seção a seguir.

No documento marianarochafontes (páginas 94-96)