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Um pequeno panorama sobre a contemporaneidade

No documento marianarochafontes (páginas 41-45)

2. O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO E SEUS DESDOBRAMENTOS NO

2.1. Um pequeno panorama sobre a contemporaneidade

A discussão que se quer instaurada nesta seção versa sobre distintos aspectos que delineiam a contemporaneidade. Trata-se apenas de um pequeno, mas necessário sobrevoo, uma vez que, mesmo sem ter tais questões em nosso foco analítico mais específico, não dá para prescindir de alguma explicação sobre o que, acontecendo “lá fora”, tem um impacto tão

marcante no que acontece “lá dentro” dos muros escolares e que se costuma nomear como indisciplina.

Para tanto, lançamos mão das teorias sociológicas de Bauman (1998, 1999, 2001, 2005) e Fridman (2000) e das reflexões filosóficas de Goergen (2007). Em estudos sobre a contemporaneidade, estes autores defendem a existência de um “mal estar” social, definido a partir de transformações nos aspectos econômicos, políticos, intelectuais, sociais, culturais da sociedade atual em relação à sociedade Moderna. Sem subscrever as posições neoliberais do sociólogo Giddens (2006), valemo-nos de suas contribuições no que diz respeito às reflexões sobre a configuração da família na sociedade atual.

Fridman (2000) aponta que tais transformações em nosso tempo congregam uma mudança de paradigma que, em linhas gerais, é a superação da lógica moderna, caracterizada pela apreciação do racionalismo, ou seja, pela crença na razão como fonte de libertação e de solução dos problemas da humanidade, sendo, portanto, considerada capaz de promover uma sociedade justa. Dito de outro modo, os homens modernos acreditavam que, através da razão, poderiam atuar sobre a natureza e a sociedade na direção de uma vida satisfatória para todos. O sistema capitalista, bem como a industrialização e a urbanização provenientes deste modo de produção são componentes deste cenário da modernidade. É o que basta para se saber que o “bem estar de todos” ficou apenas como uma promessa.

O que ocorre atualmente, em tempos chamados “pós-modernos” (FRIDMAN, 2000) e “modernidade fluida” – como alusão à imagem criada por Marx de que tudo que é sólido desmancha no ar (BAUMAN, 1999) – é bem diferente do que a Modernidade preconizava.

De acordo com Goergen (2007), as promessas e as expectativas de progresso e resolução de problemas sociais do início da Modernidade não se concretizaram. Há recursos técnicos e econômicos suficientes para que o quadro de desigualdade social diminua, no entanto, boa parte da população mundial vive miseravelmente.

Goergen (2007) afirma que a economia contemporânea, baseada no capitalismo neoliberal, contribui para que a felicidade consista na busca do prazer imediato. A conexão entre felicidade e virtude se desfaz e ocorre a inversão desta relação em antagonismo: através da exploração das pessoas, da contravenção, do poder é possível obter-se bem estar, realização social e sucesso. De acordo com o autor, o perigo desta inversão de valores reside em manter a virtude como coação ou repressão.

Para Bauman (1999), a Globalização, marca relevante do mundo contemporâneo, paradoxalmente, segrega, dividindo os indivíduos (ou nações) entre os que estão dentro do mundo globalizado e que estão fora dele. O autor também considera que a expansão e

consolidação do capitalismo ocidental geraram consequências muito distintas da estabilidade e a “globalidade” do projeto de mundo moderno. Segundo o autor, o modo de pensar estruturado no racionalismo e, de alguma maneira na concepção moderna de globalização, representava-se pela crença na igualdade ou semelhança entre as condições socioculturais e principalmente econômicas de todos, em toda parte. No entanto, o sentido mais profundo que a ideia da globalização veicula é “o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo” (BAUMAN,1999,p.66).

Em relação ao aspecto social, o autor explicita ainda que “nossas ações podem ter e muitas vezes têm efeitos globais; mas não, nós não temos nem sabemos bem como obter os meios de planejar e executar ações globalmente”. Desta maneira, “a “globalização” não diz respeito ao que todos nós, ou pelo menos os mais talentosos e empreendedores, desejamos ou esperamos fazer. Diz respeito ao que está acontecendo a todos nós” (BAUMAN, 1999,p.34).

Fridman (2000), assim como aponta Bauman (1999, 2005), defende haver declínio da esfera pública e da política nos moldes consagrados pelo modelo moderno. Bauman (1998) apresenta comparações entre a lógica moderna e a lógica atual utilizando, para isto, a arquitetura e a ocupação do espaço público. A urbanização, de acordo com o autor, se caracteriza pela desocupação do espaço público e o “declínio do homem público” e é resultante da maneira racionalista de conceber os processos sociais. Como resultado desta concepção, o homem contemporâneo vive isolado, individualizado, em um ambiente que propicia o anonimato. Os homens estão deixando, primeiramente, de ser sujeitos para passarem a ser apenas indivíduos, de tal forma que

o espaço público está cada vez mais vazio de questões públicas. Ele deixa de desempenhar sua antiga função de lugar de encontro e diálogo sobre problemas privados e questões públicas. Na ponta da corda que sofre as pressões individualizantes, os indivíduos estão sendo, gradual, mas consistentemente, despidos da armadura protetora da cidadania e expropriados de suas capacidades e interesses de cidadãos. (BAUMAN, 2001, p.51)

O mundo das dicotomias encontra-se em ruínas. Não há mais dois lados opostos, há muitos mundos que se conectam e se dispersam com a facilidade de um clique. Ao mesmo tempo em que as relações sociais de afeto tornam-se escassas, ou fluidas.

Bauman (1998, 2001, 2005) avalia a “fluidez” das relações humanas no mundo atual, atrelando-a também ao sistema capitalista, no qual, ideologicamente tudo é tido como

produto, passível de ser comprado, uma vez que o sistema é pautado no lucro. O consumo, no sistema, presume o imediatismo e a não perenidade.

A satisfação tornou-se valor incorporado ao consumismo. Assim, o que não traz satisfação imediata é descartado. Neste mundo, a “cultura do lixo” gerou não só tecnologias, dejetos descartáveis. Seres humanos passaram a ser considerados mercadoria descartada. São aqueles que, à margem do consumo, “sobram”; os “demasiados” que constituem um problema a ser descartado nas grandes economias (BAUMAN, 2005 b). Logo, como explicita Goergen (2007) este imediatismo provindo da lógica capitalista concede a conceitos como eficiência, eficácia, lucro, domínio, vantagem posição central nas relações humanas da sociedade contemporânea.

Giddens (2006), ainda que mais otimista e em posição muito mais convergente com a ordem das coisas postas pelo mundo capitalista, também aponta reflexões acerca das relações humanas no que considera “mundo em descontrole”. Interessam- nos, especificamente, suas reflexões sobre a família contemporânea. Ao abordar tal tema, o autor apresenta um contraponto entre a “família tradicional” e o modelo de família atual. A primeira estava vinculada ao aspecto econômico uma vez que a propriedade agrícola envolvia toda a família. Logo, o número de filhos representava maior contribuição econômica. Já, atualmente, acontece o oposto, um filho representa um grande encargo financeiro para os pais.

As mudanças no modelo familiar também envolvem a desigualdade entre homens e mulheres, intrínseca à família tradicional. As famílias hoje são organizadas de maneira distinta do que caracterizava “a família padrão”, constituída de pai, mãe e filhos deste casamento. A mãe dedicada à educação dos (muitos) filhos e o pai ao sustento e ao ensino do trabalho. Hoje, as famílias se estruturam de maneiras muito diversas, mas, de modo geral, não há quem assuma o papel da mãe da família tradicional. Como resultado disto, a escola, inevitavelmente, é chamada a cumprir tal papel. Além deste, muitos outros papéis são, atualmente, atribuídos a esta instituição que carece de uma ressignificação.

Em síntese, os autores delineiam a atmosfera do mundo contemporâneo no qual o ser humano encontra-se em desajuste ante suas relações sociais, assume valores provenientes do sistema capitalista neoliberal e desapropria-se de sua condição de sujeito. O poder público não é entendido como representação da coletividade e da garantia de cidadania. Vivencia-se o fenômeno da globalização de maneira antagônica, pois há indivíduos (e nações) excluídos de tal processo, de tal maneira que, mesmo havendo recursos disponíveis, há fome e miséria no mundo. Por fim, destaca-se a reestruturação da família, que longe dos moldes tradicionais,

impõe novos papéis às instituições sociais, tais como a escola. Esta é, pois, a leitura da contemporaneidade como o tempo das incertezas.

Frente a tal cenário da vida contemporânea, a Linguística Aplicada vem se posicionando no sentido de reivindicar uma agenda ética para o fazer científico. É o que passamos a apresentar na próxima seção.

No documento marianarochafontes (páginas 41-45)