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Contribuições da Psicologia Moral Educacional

No documento marianarochafontes (páginas 50-54)

2. O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO E SEUS DESDOBRAMENTOS NO

2.4. Contribuições da Psicologia Moral Educacional

Apresentamos o aporte teórico da Psicologia Educacional que nos ajudará a compreender como a criança, através de seu desenvolvimento moral, estabelece, principalmente, sua relação com as regras, tema central de nosso estudo. Partimos de definições no campo moral e ético postuladas por La Taille (2006) para o trabalho precursor de Piaget (1932), retomado e discutido por Kolberg (1969,1984).

A Moral pode ser entendida, em linhas gerais, como a prática provinda de uma Ética. Para La Taille (2006) moral e ética são conceitos distintos. Moral refere-se à dimensão dos deveres (como devo agir?) e ética à dimensão da “vida boa”, da “vida com sentido”.

Para o autor (idem), a existência do plano moral nos seres humanos se afirma sob dois pontos de vista: o sociológico e o psicológico. O primeiro se define “pelo fato de não se

conhecer cultura sem sistema moral”. O segundo “pelo fato de seres humanos serem passíveis de experimentar o sentimento de obrigatoriedade, o sentimento do dever moral” (LA´TAILLE, 2006, p.32).

A moralidade, segundo La´Taille (p.31) é, pois, revestida deste sentimento de obrigatoriedade. Se a questão moral é “Como devo agir?”, o autor explicita que o verbo “dever”, neste contexto, é tomado no sentido de obrigatoriedade, (o que em linguística definimos como campo deôntico) e não no sentido de probabilidade (campo epistêmico), como na expressão “Ele deve estar chegando”.

Dentro de seus estudos precursores, Piaget (1994, p.38) afirma que o elemento de obrigação ou de obediência intervém na questão da moralidade desde que haja sociedade, isto é, relação entre dois indivíduos pelo menos; assim, é parte inerente da prática das regras, que a criança desde muito cedo percebe. Para ele, toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras. (PIAGET, 1994, p.23).

A partir de tais fundamentos, o autor buscou saber o que vem a ser o respeito à regra, do ponto de vista da própria criança. Seus estudos provaram que a moralidade não se dá pela interiorização passiva dos valores, dos princípios e das regras. Como explica La´Taille (2006, p.96), ao contrário, ela é “o produto de construções endógenas, ou seja, o produto de uma atividade da criança que, em contato com o meio social, re-significa os valores, os princípios e as regras que lhe são apresentadas”. Piaget (1994) destaca que os dois principais ambientes nos quais a criança desenvolve-se moralmente são: a família e a escola.

Três estágios são propostos por Piaget (idem) para definir a forma como a criança assimila a moral: anomia, heteronomia e autonomia. A anomia (0-4 anos) é o estágio no qual a criança não adentrou o universo das regras; as regras não estão associadas a valores como o bem e o mal, o certo e o errado. A partir dos 4 anos de idade, a criança começa a relacionar a regra à ideia de bem e mal, certo e errado. A percepção do dever simboliza que a moral começa a fazer parte do universo de valores da criança. Inicia-se a fase de heteronomia.

De acordo com a teoria piagetina, revisitada por La´Taille (2006), o estágio de heteronomia, ou a moral heterônoma é definido por dois conjuntos de características, complementares entre si. O primeiro contempla a compreensão das regras, o segundo, a fonte de legitimidade destas. Quanto à compreensão da regra, a criança a entende ao pé da letra e, por outro lado, privilegia as consequências da ação e não a intenção que a motivou. Ela não consegue abstrair o princípio moral que dá sentido à regra. Quanto à legitimação, a criança

estabelece a referência da regra à autoridade. Nos termos de Piaget, esta é a moral da obediência pelo fato de a criança considerar que é correto obedecer às regras que foram impostas por pessoas reconhecidas pela autoridade legítima. Daí a relação da moral heterônoma ao respeito unilateral: não há exigência de reciprocidade, ou dito de outra forma, o dever respeitar não é compensado pela concepção do direito de ser respeitado.

Por fim, o estágio de autonomia inicia-se por volta dos 8, 9 anos, quando a criança passa a reconhecer as regras a partir de seus princípios e, assim, libera-se da “obediência cega”. De acordo com Piaget, a autonomia começa a se desenvolver quando a criança começa a perceber que a regra não é uma lei exterior, sagrada, imposta pelos adultos, mas como resultado de uma livre decisão, e como digna de respeito na medida em que é consentida (PIAGET, 1994, p.60)

La Taille (2006) expõe que, assim como a moral heterônoma é uma moral da obediência e do respeito unilateral, a moral autônoma é uma moral da justiça e do respeito mútuo. Enquanto na moral heterônoma, os deveres têm maior importância que os direitos, na moral autônoma, os deveres e direitos são equacionados. Nos termos do autor (LA TAILLE, 2006, p.98)

Em suma, enquanto na heteronomia uma regra é moralmente boa porque a ela se deve obedecer, na autonomia o raciocínio inverte-se: deve-se obedecer a uma regra porque ela é boa. Se a regra for considerada ruim, a desobediência passa a ser uma ação moralmente legítima – coisa ainda impensável na moral heterônoma. (LA TAILLE, 2006, p.98)

Para Piaget (1994), o respeito unilateral é a primeira manifestação de respeito que surge no desenvolvimento moral da criança. Logo, ao falarmos em “respeito” na moral heterônoma, estamos vinculando-o a uma relação de coação, diferente de quando situamos respeito em relação à moral autônoma. Esse sentimento é constituído nas relações de coação social, que ocorre entre a criança e seus pais ou com outros adultos significativos para ela, como professores.

Piaget distingue dois tipos de relação social: a coação social e a cooperação. A coação social é a relação que pressupõe o respeito unilateral, ou seja, um indivíduo dispõe de um elemento de autoridade ou de prestígio ao qual o outro se submete. A cooperação pressupõe o contrário, o respeito é mútuo, a relação não está pautada em nenhum elemento de autoridade ou de prestígio. Para o autor, a obediência tem origem nas relações de coação, através da qual a criança confere valor absoluto às normas, bem como às opiniões dos adultos que veiculam a normatização. Ela toma a escala de valores destes adultos como modelo. Todavia, Piaget

(1994 apud FREITAS, 2002, p.20. grifos nossos) constatou que a obediência conduz a uma atitude paradoxal: o sujeito considera a regra como sagrada e imutável, mas, na prática, ele não a segue. Tal atitude paradoxal (fortemente observada em nossa investigação) ocorre, de acordo com Piaget, no período de transição entre a heteronomia e a autonomia.

La Taille (2006), revisitando Piaget (1994), reavalia a passagem do indivíduo de uma fase a outra. Ancorando-se na teoria de Kohlberg (1969, 1984), toma como argumento o fato de haver adultos que vivenciam a fase de heteronomia, nela podendo permanecer “para sempre”. Os estudos de Piaget em “Desenvolvimento moral da criança” não sugerem que isto seja possível.

A inovação de Kolhberg, em relação aos estudos piagetianos, foi “diluir” as três fases e não relacioná-las de forma categórica à idade dos indivíduos. Assim, para Kohlberg, o desenvolvimento moral se dá em três grandes estágios ou níveis: Pré-convencional, Convencional e Pós-Convencional, sendo que cada nível divide-se em dois sub estágios de tal forma que o desenvolvimento moral se dá em seis etapas.

O nível Pré-convencional corresponde àquele em que o indivíduo se orienta pelas consequências ou recompensas que suas ações acarretam; ele relaciona os conceitos de “certo” e de “errado”, “bom” e “ruim” aos efeitos do seu comportamento, cujo julgamento estabelece-se pela autoridade de quem enuncia a regra. O nível Convencional é caracterizado pelo fato de o indivíduo orientar suas ações em função da opinião dos grupos sociais envolventes, como a família, por exemplo. Verifica-se, assim, uma aderência a comportamentos, normas e valores aceitos pela sociedade em geral. Finalmente, à medida que atinge a maturidade moral, o indivíduo evolui para o nível Pós-convencional, no qual ocorre esforço claro para definição de valores e princípios que tenham aplicação e validade. Estes não mais estão vinculados à autoridade ou a grupos sociais que os adotam.

Estes níveis de Kohlberg nos indicam o que também Piaget propõe: uma sequência, uma construção em etapas ou estágios. Desta forma, de acordo com La`Taille (1994), acreditar que um bom ”sermão”, ou seja, o ensinamento verbal de uma determinada moral seja condição necessária e suficiente para garantir a ação moral parece ingênuo, pois, se assim fosse, não existiriam tais etapas; bastaria o sujeito assimilar o “sermão” para passar do nível pré-convencional ao pós-convencional.

Assim, fica destacada a importância da vivência no processo de desenvolvimento moral. No plano moral, primeiro está a ação, depois a tomada de consciência desta (abstração) que, aliás, pode muito bem ser crítica, mas que tem por base a prática vigente.

A Educação de Valores, que passamos a discutir na seção adiante, ergue-se como possibilidade de intervenção sistemática no processo de desenvolvimento moral. A escola é um dos principais ambientes sociomorais; logo, parece plausível que a formação do sujeito autônomo atravesse discussões acerca da vivência da moralidade nesta instituição.

No documento marianarochafontes (páginas 50-54)