• Nenhum resultado encontrado

4.1 O PROCESSO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

4.1.3 A concepção marxista contemporânea

Para compreender os “sentidos do trabalho”, Ricardo Antunes (1999) faz um histórico, analítico e crítico, da evolução da dominação do trabalho pelo capital. O tema central da sua obra é a alienação dos meios de produção pelo capital em relação ao trabalho. “É assim que a força de tra balho total da humanidade se encontra submetida (...) aos imperativos alienantes de um sistema global de capital”

(ANTUNES, 1999, p. 24). Neste processo de alienação, o trabalho passa à condição de mero componente necessário à produção. Conquanto o trabalh ador, possuidor da capacidade de trabalho e sujeito ativo nesta relação, não se conforma com a situação que se lhe impõe: a dissociação entre a auto -reprodução do sistema capitalista e o atendimento das necessidades sociais. Ainda que as conseqüências desta dissociação sejam inerentes ao modo de produção capitalista, foi a partir da crise de 1930 que se tornaram mais evidentes: tendência de redução do valor de uso e do ciclo de vida das mercadorias, aumentando a necessidade de reposição que tem como conseqüência a destruição do meio ambiente; desregulamentação e precarização do trabalho; desemprego estrutural. Estes são fatores que têm se apresentado de forma mais contínua, indicando uma crise estrutural.

Estes elementos participam de um processo consolidado a partir do taylorismo/fordismo, que determinou o surgimento de um compromisso do tipo social-democrata, objetivando diminuir as conseqüências negativas que se faziam visíveis nas crises de acumulação do capital e nas crises políticas que lhes correspondiam. No entanto, uma série de fatores, entre eles a burocratização e profissionalização dos sindicatos que agiam como mediadores entre empresas e trabalhadores, aumentaram a capacidade de dominação do capital sobre o trabalho.

No final da década de 60 eclodiu uma ampla revolta proletária para assumir o controle dos meios de produção que foram alienados, sendo emblemático desta a chamada Revolução de Maio de 1968 na França.

Dois fatores se apresentam como conseqüências marcantes deste desenvolvimento histórico: para o capitalismo era preciso ampliar a produtividade para os patamares do pós-guerra e para os trabalhadores era necessário procurar alternativas ao modo de produção taylorista-fordista. Estas foram as bases sobre as quais o toyotismo e a qualidade total se difundiram no Ocidente a partir da década de 80. A resposta do capital à crise reforça a cooperação no processo de trabalho e incentiva o trabalhador multi-tarefas diminuindo o trabalho improdutivo. Por outro lado, gera conseqüências que vão além do ambiente de trabalho, como o culto ao individualismo, em detrimento às formas associativas e coletivas, e a desmobilização do trabalho.

A relação entre as estratégias de gestão e as novas tecnologias físicas introduzidas na produção fornece um outro elemento importante para compreender o incremento da alienação do trabalho ao capital e as formas de dominação e controle deste sobre o processo de trabalho. Faria (1992) faz uma análise de como as técnicas de gestão estabelecem uma relação de dupla determinaç ão com a tecnologia, mostrando que há uma forte ligação entre máquina e gestão. Faria define tecnologia de processo como o conjunto de conhecimentos utilizados “para viabilizar, facilitar ou melhorar a produção de outras mercadorias” (FARIA, 1992, p.29) Neste sentido, compreende tanto a tecnologia física (máquinas, instalações, métodos, peças,...), quanto a de gestão (instrumentos e estratégias de gestão da força de trabalho). Ao analisar as técnicas mais importantes de gestão, quais sejam, a OCT,

a Teoria Y, os grupos semi-autônomos e as técnicas japonesas de qualidade, Faria afirma que estas ocorrem em parte como necessidade de adaptação do controle do capital às novas tecnologias físicas, que pulverizam, na fábrica, as atividades a serem controladas, ao mesmo tempo em que criam uma grande interdependência do processo como um todo.

Neste sentido, as técnicas que alienam mais o trabalhador, retirando deles o saber de ofício e aumentando o controle, são acompanhadas de tecnologias de gestão como, por exemplo, as equipes semi-autônomas e o enriquecimento de tarefa. Faria reafirma a concepção anteriormente exposta (FARIA, 1987) segundo a qual a gestão participativa aparece como forma de ampliação da dominação do capital e manutenção do controle sobre o processo de produção. Neste sentido Faria argumenta que

a introdução de novas tecnologias de gestão do processo de trabalho no esquema de produção industrial é uma exigência que se impõe ao capital, no sentido de que este possa manter, reforçar e/ou ampliar seu controle sobre o processo de trabalho e, deste modo, também sobre a esfera de acumulação, na medida em que se torna necessária a adoção de novas tecnologias físicas na produção. (1992, p. 15)

As novas técnicas de gestão surgem como formas de enfrentamento das conseqüências do modo de produção capitalista, especificamente o taylorista-fordista, ou organização científica do trabalho. A divisão das tarefas proposta como forma de aumentar a produtividade, provoca no trabalhador a perda do controle do processo de produção, além de transformar seu trabalho em uma seqüência repetitiva de movimentos. Desta forma, a ausência de objetivos cria no trabalhador

mecanismos de defesa que, também para o capitalista, são prejudiciais. Enriquez (1994) e Zimerman (1997), observam que a necessidade da assunção de objetivos para o grupo e para o indivíduo é apropriada pela organização como uma parte da forma pela qual a mesma articula o envolvimento dos trabalhadores com seus objetivos. As novas técnicas gerenciais, como se pôde observar, atuam no nível da psique do trabalhador, canalizando os mecanismos de defesa criados por ele para combater a falta de objetivo e a alienação do sistema taylorista-fordista. É neste sentido que as novas técnicas de gestão internalizam no trabalhador o controle sobre o processo de produção, introjetando nos indivíduos os objetivos da organização, ou seja, refletindo no ideal do ego a imagem da empresa. Esta internalização ‘dociliza’ o trabalhador que, de certa forma, acredita que a competitividade e a produtividade são condições dadas, e que só resta a ele enquadrar-se nesta situação. Como a aparência de que este estado de coisas é externo, o indivíduo deve lutar pela superação destas adversidades. Portanto, a responsabilidade de sucesso da organização é dividida com o trabalhador, exigindo deste mais dedicação, disciplina e abnegação, exigência esta que consolida a condição de alienação do trabalhador em relação ao “sistema global de capital”.

Ao mesmo tempo, a globalização, a reestruturação produtiva e a conseqüente reorganização do trabalho caracterizam o novo contexto do processo de produção especificamente capitalista. As novas tecnologias de base microeletrônica se encontram na base desta remodelação, na medida em que permitem integrar diversas plantas produtivas, estabelecer modelos de produção, definir padrões de mercadorias finais ou intermediárias e sistemas de controle e funcionamento dos

processos de trabalho9. São estas tecnologias que permitem uma flexibilização da organização do trabalho e desconcentração dos meios de produção, a qual acarretou uma desarticulação do trabalho coletivo (sindicatos) e, por conseguinte, uma diminuição das garantias trabalhistas.

De acordo com Antunes (1999) e Faria (1992), a introdução destas tecnologias físicas, foi acompanhada de novas técnicas gerenciais. As conseqüências são o surgimento de uma cultura individualista, em detrimento de ações coletivas que defendem os trabalhadores, e “o desenvolvimento de novas formas de opressão gerencial” (FARIA, 2001, p.12), caracterizadas pela ilusão de que as novas tecnologias são poupadoras de sofrimento, ou seja, agem em favor do trabalhador.

Além disso, o medo do desemprego e a ameaça da exclusão acompanham a vida do trabalhador. São considerados como condições naturais de uma crise momentânea, que será resolvida pelo reequilíbrio das forças produtivas e a retomada do crescimento. Esta idéia obriga a aceitação da condição de exclusão, sendo a revolta e a indignação mal vistas pela sociedade. A tolerância à injustiça é imposta ao sujeito e se expande até as organizações coletivas do trabalho, desarmando o indivíduo do principal instrumento de resistência na luta de classes.

Estas “condições naturais” trazem, também, alívio para consciência dos responsáveis pelo processo produtivo, favorecendo ainda mais o desemprego e suas conseqüências.

A análise apresentada por Faria (1987, 1992, 2001) e Antunes (1999) corrobora a avaliação de Marx sobre a impossibilidade de aumentar indefinidamente

9 O exemplo mais evidente deste sistema de padronização pode ser encontrado nas normas das ISOs.

a taxa de mais-valia absoluta (jornada de trabalho). Todo o caminho trilhado pelo capital no último século aponta para o aumento da produtividade e para a intensificação do trabalho ao mesmo tempo em que busca, por outro lado, uma independência cada vez maior em relação a este.