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Paul Bernstein (1982) sugere uma forma de verificação de como a participação ocorre no contexto de uma organização. Analisando diferentes experiências de participação de trabalhadores na gestão de organizações produtivas, Bernstein (1982) propõe que o grau de participação do trabalhador pode ser analisado a partir de três dimensões: (i) o grau de controle que os trabalhadores exercem sobre qualquer decisão em particular; (ii) as questões sobre as quais este controle é exercido e (iii) o nível organizacional no qual este controle é exercido (BERNSTEIN, 1982, p.53).

O nível organizacional (3ª dimensão) onde os trabalhadores exercem controle é definido em alguns países pela legislação do trabalho. Exemplos desta situação são os casos da França, em que é requerido que um ou dois trabalhadores façam parte do conselho diretor e da Alemanha em que se prevê a existência de um conselho composto por um número de trabalhadores proporcional ao número de empregados na unidade produtiva. Em outros casos a participação nos níveis organizacionais é definida pelo estatuto ou regimento da organização, como no caso das cooperativas. Bernstein indica que esta participação, para uma efetiva democratização do local de trabalho, deve ocorrer em vários níveis da organização, permitindo um controle mais amplo sobre o processo produtivo na sua totalidade.

A segunda dimensão é analisada por Bernstein (1982) a partir de uma lista ordenada de tipos de decisão, na qual o autor apresenta 16 questões que vão desde as condições físicas de trabalho, no nível mais baixo, até a ampliação de capital ou as relações econômicas com outras empresas, no nível mais alto. Este conjunto de questões é agrupado em três níveis que são relativos a: (i) as condições de trabalho, (ii) os processos e os instrumentos da gestão da produção e (iii) os objetivos ou as metas da organização. Estes níveis referem-se às questões operacionais, intermediárias e estratégicas da organização.

A primeira dimensão refere -se ao grau de controle que os trabalhadores exercem sobre qualquer questão em particular, independente do nível organizacional ou tipo de questão a que se trata. Bernstein (1982) verifica este grau de controle por meio das formas e processos pelos quais os trabalhadores o exercem. As 8 formas e processos , que vão desde a caixa de sugestões até o conselho ou assembléia de trabalhadores como instância máxima de decisão, correspondem a 4 “títulos” que são atribuídos às situações de controle dos trabalhadores: (i) consulta, (ii) cooperação ou co-influencia, (iii) administração compartilhada ou codeterminação, (iv) controle total dos trabalhadores ou autogestão.

Ainda que o modelo de Bernstein tenha sido elaborado para analisar apenas o processo de tomada de decisão, aqui será aplicado à ação organizacional, mais especificamente no seu componente da gestão, na forma como será definida no Capítulo 4 que trata do tema ação organizacional.

Para completar a formulação do quadro de análise referente à participação é interessante incluir, para o caso do modelo de gestão ser participativo e não direto,

uma adaptação do conceito de configuração social tratado em Santos (2002). Esta expressão foi utilizada por Santos para propor que a democracia participativa implica na instituição de mecanismos de participação que reproduzam a “gramática social”, ou seja, representem a diversidade de interesses e identidades que constituem a sociedade e identifiquem os atores sociais e suas relações. Esta verificação é importante considerando que a democracia é contextual, pois depende desta configuração. Adaptando este conceito à realidade de uma organização utilizar-se-á o termo configuração organizacional para denominar a conformação dos interesses e identidades das pessoas que compõem a organização.

A gestão democrática, porém, não se constitui apenas da participação mas também da responsabilidade dos associados pelas ações da organização. Da mesma forma que a participação, a responsabilidade na gestão será analisada a partir da verificação de em que grau, sobre quais questões e em que nível organizacional esta ocorre, sendo estes os seus elementos constitutivos.

Como foi visto anteriormente, os teóricos da democracia, independente da corrente que seguem, consideram que a informação se constitui em um elemento essencial para que a participação seja qualificada. Pateman (1992, p.96), ao analisar a participação de trabalhadores em empresas, afirma que “em primeiro lugar, deve-se notar que para que a participação ocorra existe uma condição que precisa deve-ser necessariamente satisfeita, ou seja, os empregados precisam estar de posse das devidas informações sobre as quais possam basear sua decisão”. Reforça citando Likert, para quem “o fornecimento e distribuição de informação é um passo essencial no processo de participação”. (PATEMAN, 1992, p.90) Além disso, Schumpeter (1984) afirma que, em geral, o cidadão comum não se interessa por assuntos da

política porque não tem domínio sobre os temas tratados. Considerando estes argumentos é necessário que não apenas o acesso à informação deve ser disponibilizado, mas esta informação deve também estar em condições de ser utilizada pelos associados para sustentar suas ações na gestão da organização.

Conclui-se este capitulo com a formulação de um quadro que resume os principais aspectos da democracia na forma como se apresentam especificamente na gestão do processo de trabalho, caracterizando-se como seus elementos constitutivos. Este quadro, em conjunto com os quadros referentes aos princípios econômicos, orientará a análise da ação organizacional.

QUADRO 6 - ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ORGANIZAÇÕES COLETIVISTAS DE TRABALHO

Grau de participação

Questões nas quais participa

Nível organizacional onde ocorre a participação Participação na gestão

Reprodução da configuração organizacional Grau de responsabilidade

Questões sobre as quais é responsável Responsabilidade na

gestão

Nível organizacional sobre o qual é responsável Grau de acesso

4 PRINCÍPIOS ECONÔMICOS DA AUTOGESTÃO: DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Ao indicar a superação do capitalismo e da alienação do trabalhador como questões que a democratização do lo cal de trabalho pretende superar, Greenberg (1986) fornece duas pistas importantes para análise das organizações coletivistas de trabalho. Neste capítulo, estas pistas serão seguidas fazendo-se uma breve revisão dos fundamentos do modo de produção e de valorização no capitalismo, analisando as questões da alienação e da mais -valia. Finalmente, procurar-se-á identificar em que as organizações autogeridas se diferenciam das empresas capitalistas, encaminhando, portanto, as argumentações em direção a uma carac terização dos aspectos econômicos da autogestão nas unidades produtivas.

Tendo em vista que “o processo de produção capitalista aparece como unidade dos processos de trabalho e de valorização” (FARIA, 1987, p.27), os dois princípios econômicos da autogestão nas unidades produtivas, quais sejam, o controle sobre o processo de produção e a distribuição dos resultados proporcionalmente ao trabalho, serão analisados em conjunto.