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7.1 COOPERUNIÃO: COMUNIDADE DEMOCRÁTICA

7.1.2 Controle sobre o processo de produção

No início do assentamento a preocupação central era a produção de alimentos para o atendimento das necessidades básicas dos assentados. De acordo com Clacir Bergmann o planejamento para os cinco primeiros anos era produzir somente para consumo interno, pois a prioridade era o atendimento das famílias e também porque não havia clareza de quais produtos eram viáveis economicamente. Neste período, apenas o excedente da produção para subsistência era c omercializado. Foi a venda deste excedente que permitiu a verificação de quais produtos poderiam ser direcionados à comercialização.

Posteriormente começou a se pensar a médio e longo prazos. Depois deste período inicial de consolidação do assentamento foi realizado um planejamento para oito anos com uma visão de longo prazo. A partir deste planejamento, foram definidas as linhas de produção orientadas para comercialização, denominadas de

”linhas estratégicas”. Atualmente, a produção da Cooperunião está orientada para dois aspectos: (i) produtos para subsistência (comercializados se houver excedente) e (ii) produtos para retorno econômico (estratégicos).

A produção para consumo interno envolve de 20 a 40 produtos dependendo do ano. De acordo com Jacir, pratic amente todo consumo das famílias é atendido pela produção interna, com exceção de uma parte do açúcar, do sal, do café, de produtos de limpeza e de alguns materiais de trabalho. A produção com o objetivo de retorno econômico envolve cinco atividades principais: i) laticínio (atividade mais importante no momento), ii) aves para abate, iii) o reflorestamento (madeira, erva-mate), iv) piscicultura (escala de produção ainda pequena) e v) grãos (insumo interno, na forma de ração, para produção de carne, frango e leite). A produção do leite é encaminhada para outra cooperativa da região, que também pertence ao SCA, onde é industrializada. A produção de frango é encaminhada diretamente aos mercados regionais e o corte e processamento da erva-mate é realizado por ervateiras, sendo que a Cooperunião somente faz o manejo das árvores. As outras atividades são de menor porte e ainda não há um procedimento consolidado.

As linhas de produção são definidas pelo planejamento, que acontece também em duas etapas: (i) o estraté gico, com tempo de abrangência de 4 a 5 anos, no qual se definem as atividades de retorno econômico e (ii) o anual, que abrange o

ano agrícola (julho a junho) e define as atividades de subsistência e o detalhamento do estratégico.

O conjunto destas atividades é desenvolvido por sete equipes de trabalho.

Estas equipes foram sendo formadas de acordo com a definição das atividades e sua composição se dá a partir da afinidade das pessoas com relação ao tipo de trabalho. Todos os assentados pertencem a uma equip e de trabalho. De acordo com Carlos Sistherenn, o planejamento não tem um processo determinado e tem se desenvolvido de diferentes formas ao longo dos anos. Nas entrevistas foi possível identificar duas dessas formas. Em relação ao planejamento anual, a primeira e mais freqüente é a elaboração de uma proposta de planejamento pelas equipes de trabalho e setores relativa especificamente às suas atividades. O conjunto destas propostas é sistematizado por um grupo de pessoas e retorna para as equipes revisarem, formatando assim uma proposta global do planejamento. Esta proposta é encaminhada para discussão nos núcleos que podem sugerir alterações e finalmente o planejamento é aprovado em assembléia. A segunda forma foi utilizada no último ano agrícola, quando a proposta inicial do planejamento global foi elaborada por uma equipe, formada por componentes do Conselho Diretor e do Setor de Produção, e posteriormente encaminhada às equipes de trabalho, que ajustavam as atividades relativas especificamente ao seu setor da produção. Do mesmo modo que na metodologia anterior, a proposta foi encaminhada aos núcleos e finalmente à assembléia. É importante ressaltar que em ambas as formas o planejamento passa duas vezes pelo conjunto dos cooperados, durante a elaboração nas equipes de trabalho e durante a aprovação nos núcleos e na assembléia.

"O planejamento global passou pelos núcleos e passou pelas equipes. As equipes levantando as propostas e os núcleos decidindo se concordam ou não concordam e a assembléia que manda tudo" (Clacir Bergmann).

Os produtos direcionados ao consumo interno são planejados pela demanda e eventualmente algum destes produtos pode ser planejado para comercialização, quando ocorre uma oportunidade de mercado. Estas oportunidades são identificadas pelo Setor de Pesquisa e Comércio, que faz o acompanhamento dos preços para compra de insumos e venda do produto. Em seguida, o Setor de Controle e Custos faz a análise de viabilidade econômica. Este processo ocorre sistematicamente tanto para os produtos de consumo interno quanto, e principalmente, para as linhas de produção estratégicas. Além dos setores citados, o próprio conselho diretor, o setor de produção e profissionais ligados ao MST colaboram no levantamento das informações que fundamentam a elabora ção da proposta de planejamento e a decisão dos associados, por meio da verificação das atividade que têm retorno financeiro positivo ou negativo. As análises de mercado para as linhas de produção estratégicas são realizadas para curto, médio e longo prazos, da mesma forma que o planejamento. Para os produtos de subsistência o planejamento é realizado apenas para curto prazo (anualmente).

O planejamento define essencialmente a quantidade que deve ser produzida em cada linha de produção, baseado na capacidade de trabalho e investimento e na área disponível. A implementação do planejamento fica ao encargo das instâncias responsáveis pelas questões econômicas, ou seja, conselho diretor, setores de apoio e equipes de trabalho. Cada equipe de trabalho tem um coordenador que gerencia a capacidade de trabalho da equipe. O conjunto dos coordenadores forma

o setor de produção que gerencia a capacidade de trabalho global da cooperativa e é responsável pelo cumprimento do planejamento agrícola. A responsabilidade deste setor é primordialmente o acompanhamento do planejamento e a identificação de necessidade de re-organização do trabalho. A decisão sobre a organização do trabalho ou qualquer alteração na distribuição das atividades é realizada pelo conjunto dos componentes das equipes. Ao Conselho Diretor cabe, em última instância, propor a revisão do planejamento para os núcleos. Portanto, nas questões econômicas o Setor de Produção responde por um nível intermediário da gestão, enquanto que as Equipes de Trabalho são encarregadas do nível operacional. No nível estratégico, o acompanhamento e a avaliação ficam sob responsabilidade do Conselho Diretor e as decisões e o planejamento são encaminhadas aos núcleos e à assembléia.

"Depois do planejamento discutido, pensado e aprovado aí cada instância vai atrás de organizar [ as atividades e recursos necessários]" (Jacir Strapazzon).

A forma de remanejamento de pessoal ilustra bem a organização do processo de trabalho na Cooperunião. Em seu início, os associados escolhiam a atividade que gostariam de desenvolver. Em conseqüência disso, houve um período em que ocorreram várias mudanças de equipe. Para Markus, atualmente as mudanças ocorrem com menos freqüência por dois motivos: (i) os associados se encontraram nas suas atividades ou (ii) os associados já têm uma certa formação técnica que possibilita desenvolver melhor o trabalho e, desta forma, mudanças de equipe prejudicam a cooperativa. Algumas atividades, no entanto, sempre foram definidas pela habilidade ou conhecimento individual. De acordo com Clacir, os cargos

administrativos são escolhidas por voto na assembléia e os associados procuram considerar na escolha os aspectos desejáveis para a pessoa que deve ocupar o cargo. Em relação às equipes de trabalho, ocorre freqüentemente a necessidade de promover remanejamentos de pessoal com objetivo de cumprir alguma atividade emergencial ou implementar as modificações no planejamento de um ano para outro. Nestes casos, o setor de produção se reúne e promove a mudança. Clacir afirma que

"No remanejamento sempre se chama a pessoa: a gente te remanejou para cá porque você é melhor aqui" (Clacir Bergmann).

No entanto, foi possível observar em uma reunião do setor de produção que o remanejamento não é decido, mas proposto pelos seus integrantes. É necessário que a pessoa esteja disposta a mudar de equipe, mesmo que temporariamente. A atividade em questão era a aplicação de agrotóxico, a qual necessita de rodízio dos aplicadores para que estes não fiquem em contato prolongado com a substância tóxica. Além disso, a atividade precisava ser finalizada antes do início das chuvas e a intensificação do trabalho estava gerando ciclos muito curtos de substituição dos aplicadores21. Os integrantes do setor de produção levantaram várias alternativas, tais como empréstimo ou aluguel de máquinas extras com operadores ou contratação de operadores de fora do assentamento. Em princípio, a proposta foi a de realizar o remanejamento de equipe e, para isso, houve uma discussão sobre quais pessoas poderiam cumprir essa atividade. O encaminhamento foi a realização de outra reunião com os possíveis operadores para decidir quem poderia e quem se disporia a executar esse trabalho, fazendo substituição das horas.

21 Entre uma aplicação e outra é necessário que os aplicadores aguardem um período determinado de tempo.

Além do remanejamento, o setor de produção pode definir a conjugação de equipes para realizar mutirões em algumas atividades que necessitam de reforço de pessoal em determinados momentos do ano (colheitas).

Cada equipe tem ainda uma pessoa responsável pelo controle das horas executadas pelos associados. A contabilidade destas horas é efetuada em uma ficha mensal individual, que é repassada para o Setor de Controle e Custos. Desta forma, é possível saber quantas horas foram executadas por pessoa, por equipe e pelo conjunto da cooperativa, permitindo calcular o adiantamento mensal.

A jornada de trabalho é de no mínimo oito horas por dia para os homens e de quatro horas por dia para as mulheres, de segunda-feira à sexta-feira. As mulheres podem trabalhar mais se assim o desejarem. Em determinadas épocas do ano, como nas relativas às colheitas, por exemplo, o coordenador tem autonomia para aumentar a jornada, se for necessário. A partir dos doze anos os jovens podem participar do trabalho, com horário definido de acordo com as atividades escolares.

Segundo Markus, em algumas épocas trabalham somente duas horas e meia. Os meios de produção podem ser considerados basicamente como compostos de dois elementos: a terra e os equipamentos. Em relação à terra, são 60 famílias que têm um contrato de posse junto ao INCRA no qual cada uma tem uma parcela de aproximadamente 20 hectares. Não existe, porém, divisão da área, a não ser pelas características da produção definidas pelo agrônomo. Os assentados também não são proprietários da sua parcela, de modo que não podem vendê-la.

Caso não desejem mais continuar no assentamento perdem o direito de uso. Para que a cooperativa pudesse fazer o registro de pessoa jurídica como cooperativa de

produção, era necessário que tivesse uma área definida e para isso cada assentado firmou um contrato de comodato para cessão da terra para cooperativa.

"A terra é da cooperativa e a cooperativa somos nós mesmos, então a terra nossa"

(Maria Lautéria)

Os equipamentos também são todos coletivos, de propriedade da cooperativa, e a sua utilização, assim como a da terra, está vinculada ao planejamento das atividades.

"A idéia é que tudo que existe aqui seja de todos [...] todo o patrimônio que está aqui internamente pertence à todo mundo que está aqui" (Jacir Strapazzon).

No planejamento, todas as equipes consideram o uso dos equipamentos, o tipo de máquina, o tempo de utilização e a época em que vai ser executado o trabalho. A equipe de trabalho responsável pela produção de grãos é também responsável pelo gerenciamento da utilização dos equipamentos. Se houver uma necessidade emergencial, o setor de produção se reúne para alterar o planejamento.

Além das máquinas, cada equipe tem instrumentos de trabalho específicos que ficam sob sua responsabilidade. A aquisição de equipamentos de alto valor é decidida em assembléia e os de menor valor são apenas informados.