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A concepção teórica de Mitjáns Martínez e suas implicações para a

Mitjáns Martínez (1995, 2000, 2003, 2005, 2007, 2008, 2009, 2014) assume a Teoria da Subjetividade cultural-histórica (GONZÁLEZ REY 2005a, 2005b, 2012) e propõe uma abordagem teórica que representa uma diferente forma de conceber e investigar a criatividade e seu processo de desenvolvimento. Conforme discutimos na introdução desta pesquisa, a perspectiva de Mitjáns Martínez parte de um referencial teórico, metodológico e epistemológico que a concebe como expressão da subjetividade e permite compreender a complexidade das produções subjetivas que participam do processo de desenvolvimento da criatividade.

No contexto desta pesquisa a criatividade foi compreendida como:

Uma forma de expressão da subjetividade, que se manifesta na produção de

novidade em diferentes níveis e formas, em função da emergência de sentidos subjetivos e configurações subjetivas diversas, assim como da condição de sujeito da ação. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2014, p. 71, grifo nosso).

Nossa compreensão da criatividade como expressão da subjetividade torna-se clara por se fundamentar na concepção de subjetividade como sistema configuracional, que está na base de todas as ações humanas, incluindo o comportamento criativo. Contudo, torna-se necessário ressaltar que a subjetividade e a criatividade ultrapassam a dimensão dos processos psicológicos, adaptativos, assimilativos e de orientação (GONZÁLEZ REY MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017c). A concepção teórica da criatividade que assumimos se diferencia bastante das demais perspectivas que buscam compreender o desenvolvimento da criatividade a partir de processos psicológicos associados ao processo criativo, sem aprofundar o conhecimento sobre os sistema subjetivo e seus processos que tornam a criatividade possível.

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Ao assumirmos a criatividade como expressão resultante de formas complexas de funcionamento da subjetividade (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2009; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2012), compreendemos os processos intelectuais envolvidos na criatividade para além de seu caráter estritamente cognitivo. Desta feita, compreendemos os processos intelectuais como resultantes de configurações subjetivas, que se desdobram em processos subjetivos, como a imaginação e a fantasia que representam grande relevância no desenvolvimento da criatividade (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZÁLEZ REY, 2017). Essa consideração fica clara no trecho a seguir que destaca o caráter subjetivo da intelectualidade que diferenciamos dos processos cognitivos:

Nos sentidos subjetivos, os processos simbólicos são inseparáveis dos emocionais, o que define que as produções subjetivas humanas não se reduzem à cognição. A inseparabilidade entre intelcto, fantasia e imaginação expressa o caráter subjetivo da operação intelectual. (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZÁLEZ REY, 2017, p. 56).

Embora os processos psicológicos participem da subjetividade como um momento do fluxo de sentidos subjetivos, não são processos subjetivos em si, são considerados processos operacionais, configurados tal como explicado no trecho a seguir:

As funções psicológicas, desse ponto de vista, não são apenas operações cognitivas, ou entidades fragmentadoras específicas; elas se tornam processos e funções subjetivamente configurados, estando conectados ao sistema subjetivo através de suas contínuas configurações subjetivas. (FLEER et al., 2017, p.4, tradução

nossa)26.

Processos psicológicos tais como: análise, síntese, amplitude e pertinência vocabular, habilidade de cálculos e outras capacidades específicas, só terão significado na subjetividade do indivíduo se forem integrados na configuração de sentidos subjetivos, a partir da experiência vivida (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). Assim, a simples utilização ou domínio de processos operacionais, sem a implicação emocional com a experiência e de modo não integrado a uma configuração subjetiva, representa uma atividade de caráter reprodutivo, na qual o indivíduo desempenha função mecânica e não reflexiva, resultante de uma experiência não mobilizadora da produção de sentidos subjetivos. Os processos subjetivos se diferenciam dos processos psicológicos especialmente pelo caráter emocional e gerador da psique humana, que integra o simbólico e o emocional na forma

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Psychological functions, from this point of view, are not merely cognitive operations, or specificfragmenting entities; they become subjectively configured processes and functions, being connected to the subjective system through their ongoing subjectiveconfigurations. (FLEER et al., 2017, p. 4).

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singular de cada indivíduo vivenciar situações nos diferentes contextos de vida, tal como sintetiza Subero (2017) ao afirmar que, a subjetividade se constitui culturalmente:

como fenômeno especificamente humano e qualitativamente diferenciado de outros tipos de processos psíquicos. A integração do simbólico e do emocional dá sentido às experiências que a pessoa vivencia em suas inter- relações com os indivíduos, os espaços sociais, os artefatos culturais e as ações que mobilizam neles. (p.1, tradução nossa)27

O indivíduo criativo transcende o campo do conhecimento como conjunto de informações e por meio da criação de novas alternativas de percepção, compreensão e de soluções de problemas, gera ideias e produtos caracterizados pelo ineditismo e pela capacidade de modificar qualitativamente a especificidade de um determinado campo do conhecimento ou atividade produtiva. Este complexo processo que envolve a criatividade na dinâmica dos processos subjetivos e, portanto, extrapola a dimensão da cognição, dos processos psicológicos ou operacionais, aparece de forma clara nesta síntese de Subero (2017):

Os sentidos subjetivos tornam-se assim processos de construção autônoma e genuína da pessoa, possibilitando o surgimento da criatividade e da imaginação; fenômenos que sem a mediação da cultura seria inconcebível. Por sua vez, criatividade e imaginação promovem novas formas de compreender e desenvolver processos culturais, que modificam e transformam os recursos, práticas e formas simbólicas que compõem a cultura institucionalizada. (p.2, tradução nossa)28

A perspectiva teórica da criatividade de Mitjáns Martínez supera ―[...] a ideia de que existem condições positivas e negativas de desenvolvimento que são independentes dos

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como un fenómeno específicamente humano y cualitativamente diferenciado de otros tipos de procesos psíquicos. La integración de lo simbólico y emocional da sentido a las vivencias que la persona experimenta en sus interrelaciones con los individuos, los espacios sociales, los artefactos culturales y las acciones que movilizan en ellos. (p. 1).

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Los sentidos subjetivos se convierten de este modo en procesos de construcción autónoma y genuina de la persona posibilitando la emergencia de la creatividad e imaginación; fenómenos que sin la mediación de la cultura serían inconcebibles. A su vez, la creatividad y la imaginación promueven nuevas formas de entender y elaborar procesos culturales, cosa que modifica y transforma los recursos, prácticas y formas simbólicas que conforman la cultura institucionalizada. (p. 2).

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indivíduos e suas relações [...]‖29 (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ; ROSSATO; GOULART, 2017c, p. 310, tradução nossa), aspecto bastante presente nos estudos sobre o desenvolvimento da criatividade, tal como discutido anteriormente. Nessa posição teórica e metodológica que assumimos, o estudo do desenvolvimento da criatividade é favorecido pela produção de sentidos subjetivos, oriundos de diferentes áreas da vida e articulados de diferentes formas, que torna compreensiva a categoria configuração subjetiva da criatividade profissional [integrada por sentidos subjetivos] e também, a condição de sujeito [configuração subjetiva da ação criativa], categoria essencial para a ação criativa.

Com relação aos marcos teóricos que diferenciam esta perspectiva das demais teorias da criatividade, destacamos: a relação com o outro na perspectiva dialética e complexa; a interação de diferentes espaços sociais [atuais e históricos]; o caráter único e singular dos recursos subjetivos; a concepção de que a ação criativa está relacionada às configurações subjetivas e à posição de sujeito, o que diverge da direta associação com traços de personalidade e análises restritas aos processos psicológicos, que são essenciais para seu desenvolvimento, porém insuficientes para tornar a criatividade uma expressão possível na vida concreta (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2007). Neste sentido, Fleer et al. (2017) nos fazem compreender como os fenômenos humanos complexos podem ser estudados sob o marco teórico da subjetividade que, em nosso caso, refere-se à criatividade:

Como um novo domínio ontológico compartilhado por todos os processos e fenômenos humanos, incluindo a cultura, a subjetividade é integradora de processos historicamente despojados separadamente, como pensamento, motivação, imaginação, percepção, personalidade, entre outros. Esses processos e funções tornam-se subjetivos quando organizados dentro de uma configuração subjetiva, auto-organizados como um sistema-sujeito que gera sentidos subjetivos, e cujo surgimento não pode ser explicado por elementos objetivos da experiência. (FLEER, 2017, p.4, tradução nossa)30.

Mitjáns Martínez (2009) reconhece as significativas contribuições de Vygotsky (1960) em relação ao estudo da criatividade, sob enfoque cultural-histórico do desenvolvimento humano, e destaca os conceitos centrais deste autor, com forte potencial heurístico sobre este

29 The idea that there are positive and negative conditions of development that are independent of individuals and their relationship should be discarded once and for all. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ; ROSSATO; GOULART, 2017c, p. 310).

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As a new ontological domain shared by all processes and human phenomena, including culture, subjectivity is integrative of processes that historically have beentreated separately, as thought, motivation, imagination, perception, personality, among others. These processes and functions become subjective when they areorganised within a subjective configuration, as self-organised as a subjectivesystem that generates subjective senses, and whose emergence cannot be explainedor be evident to observers as objective elements of the experience. (FLEER , 2017, p. 4).

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desafiante campo de produções teóricas, cujo impacto se dá sobre as diferentes áreas do conhecimento humano. Em relação à criatividade, o legado de Vygotsky tributa produções teóricas do campo que focalizam os seguintes aspectos: ―[...] a criatividade como produção da novidade; a ênfase no processo e não no produto; a criatividade como necessidade do sujeito em desenvolvimento; o papel da ação criativa no desenvolvimento humano‖. (MITJÁNS MATÍNEZ, 2009, p. 34).

De acordo com a perspectiva teórica cultural-histórica adotada nesta pesquisa, o ser humano não nasce humano, mas se constitui ao longo de suas experiências de vida e relação com a cultura. Com isso, torna-se claro compreender que o desenvolvimento da criatividade, embora dependa da condição biológica essencialmente humana, não é dado de forma alheia à dimensão cultural-histórica, imprescindível à constituição subjetiva da pessoa. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2000; 2007).

Quando refletimos sobre as aquisições históricas da humanidade nas diferentes áreas do conhecimento, percebemos o caráter cultural do desenvolvimento humano, sobretudo pelas obras culturais nas diversas áreas que, incorporadas ao longo do processo histórico, assumem um relevante e inegável papel no processo de desenvolvimento da humanidade. Os aspectos biológicos humanos representam condição essencial para que a cultura possa favorecer o processo de desenvolvimento das habilidades e aptidões humanas, todavia, é consenso que compreender a diferenciação humana aos fatores biológicos, hereditários e genéticos significaria um reducionismo incompatível com a trajetória cultural-histórica e avanço cultural da humanidade.

Um aspecto que diferencia, sobremaneira, a concepção de Mitjáns Martínez (2009) em relação às demais abordagens teóricas da criatividade e a distingue da concepção de Vygotsky (1931/1983), refere-se à unidade simbólico-emocional expressa nas configurações subjetivas. Em Vygotsky (1960), a dinâmica complexa e processual do desenvolvimento psicológico humano articula as dimensões do social e do individual com supremacia da primeira sobre a segunda. A teoria de Vygotsky, embora tenha contribuído para o desenvolvimento da teoria da subjetividade, não compreendia o caráter gerador de novos processos de subjetivação, nem tampouco a recursividade entre o social e o individual no processo de constituição da subjetividade (GONZÁLEZ REY, 2012d).

Mitjáns Martínez (2000) parte da consideração do cultural e do social como efetivamente associados ao desenvolvimento da criatividade, não como instâncias ―externas‖ ao indivíduo e sim como forma essencial que adquirem a partir dos processos subjetivos de cada pessoa, que integram a subjetividade individual e social. Nesta perspectiva, a

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criatividade pode ser também compreendida como ―[...] processo complexo da subjetividade humana na sua simultânea condição de subjetividade individual e subjetividade social que se expressa na produção de ‗algo‘ que é considerado ao mesmo tempo ‗novo‘ e ‗valioso‘ em determinado campo da ação humana‖. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003, p. 146).

A criatividade resulta de processos complexos da subjetividade, constituída a partir de espaços sociais nos quais o indivíduo ocupa a posição de sujeito. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2004). Isso significa que, as condições sociais não determinam o desenvolvimento da criatividade do ponto de vista externo ou como influência direta sobre o indivíduo. Contudo, a criatividade só se torna possível na condição do sujeito constituído, que enfrenta de forma ativa e confrontativa situações do espaço sociorrelacional no qual se expressa criativamente, tal como esclarece Mitjáns Martínez (2009):

[...] a criatividade pode ser também caracterizada pelo processo de configuração e reconfiguração31da subjetividade que se expressa nas formas singulares e autônomas da ação do sujeito [indivíduo concreto, portador de personalidade que se caracteriza por ser atual, interativo, consciente, intencional e emocional] nos contextos sociorrelacionais nos quais está inserido (p. 35).

Em outras palavras, a criatividade como expressão da subjetividade, pressupõe o caráter ativo do indivíduo, que a partir de sua produção de sentidos subjetivos e da sua condição de sujeito, torna-se gerador de novos sentidos subjetivos e novas realidades, o que se torna possível a partir das experiências, ações e relações no curso histórico de seu desenvolvimento nos diferentes espaços sociais. (GONZÁLEZ REY, 2005b). Pensando na escola, na família e nos contextos organizacionais como instituições sociais educativas que, em tese, podem favorecer condições para o desenvolvimento do indivíduo em diferentes direções, de forma particular a aprendizagem e a criatividade, destacamos, a seguir, um trecho que vincula a efetividade de ações educativas intencionais, promovidas nestes espaços sociais, focalizadas na emergência da posição de sujeito:

Os processos educacionais de qualquer instituição voltada para a emergência do indivíduo como sujeito, envolvem processos participativos em que os indivíduos sentem que possuem um espaço social em que são respeitados e valorizados pelos outros, condição essencial para gerar continuamente novos desafios que permitam seu desenvolvimento. Somente nessas condições as diferentes ações intencionais

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O conceito de reconfiguração atualmente é discutível, porque não se trata da modificação de algo já configurado e sim da produção de novas configurações de sentidos subjetivos. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017a).

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voltadas para o desenvolvimento podem ser potencialmente efetivas. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ; BEZERRA, 2016, p.265)32.

Consideramos que os estudos sobre criatividade centrados nos aspectos personológicos associados ao comportamento criativo, sem aprofundamento nos processos subjetivos que possibilitam sua expressão e desenvolvimento ao longo do percurso de vida concreta da pessoa, contribuem na perspectiva descritiva do fenômeno criativo, ficando em aberto as hipóteses explicativas de seu processo de desenvolvimento. Como discutido anteriormente, grande parte dos atuais estudos sobre criatividade se mantém na perspectiva de testar e medir níveis de respostas e comportamentos associados a padrões previamente estabelecidos por escalas de medidas de criatividade, resultando conhecimentos de caráter essencialmente descritivo, geralmente com ênfase em aspectos cognitivos e traços de personalidade, ainda que a literatura do campo defenda não haver um padrão específico de perfil criativo. Em contrapartida, defendemos que a criatividade em sua complexidade ―[...] não pode ser apreendida por estudos psicométricos ou experimentais parciais, que, dado seu caráter quantitativo ou relativamente artificial, são muito limitados para revelar sua essência‖. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2000, p. 125).

A consideração da integralidade humana favorece a inteligibilidade da rede complexa de processos envolvidos no desenvolvimento criativo. Neste sentido, compreendemos a necessidade de transcender a visão fragmentada do ser humano, assumindo uma perspectiva de pesquisa que integra a dimensão cognitiva e afetiva e considera a complexidade subjetiva na compreensão de desenvolvimento da criatividade. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1995; 2007; VIOLANTE; DE LA TORRE, 2006).

Conforme Mitjáns Martínez (2000), e em pleno consenso com os estudos da área, a criatividade é favorecida pelo saber pensar, pelas operações mentais básicas e complexas. Todavia, na perspectiva teórica assumida, a criatividade se torna possível a partir de processos subjetivos tendo em conta, evidentemente, os processos psicológicos associados à produção de sentidos subjetivos e suas configurações subjetivas. A literatura da área salienta a integração de processos complexos e muldimensionais envolvida no desenvolvimento da criatividade, porém, como já mencionamos anteriormente, não há pesquisas sob outras

32 Los procesos educativos de toda institución orientada a la emergência del individuo como sujeto, implican procesos participativos donde los individuos sientan que tienen um espacio social en el cual son respetados y apreciados por los otros, condición esencial para continuamente generar ante ellos nuevos desafíos que le permitan su desarrollo. Sólo en estas condiciones las diferentes acciones intencionales orientadas al desarrollo pueden ser potencialmente efectivas. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ; BEZERRA, 2016, p. 265).

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abordagens teóricas que aprofundem o conhecimento sobre a produção subjetiva envolvida neste processo.

Mitjáns Martínez (2000, 2002, 2005, 2008, 2009, 2012) ao conceber criatividade como expressão da subjetividade humana, associa a configuração subjetiva da personalidade à configuração subjetiva da criatividade, ambas constituídas pela ação e relação do indivíduo nos contextos sociais de sua inserção. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2007). Desse modo, Mitjáns Martínez (2000) chama atenção para o caráter personológico da criatividade, constituída por processos subjetivos que incluem a subjetividade individual e social de forma recursiva. Nesta perspectiva, o desenvolvimento da criatividade ocorre de forma associada ao desenvolvimento personológico o qual depende das ações e relações da pessoa nos diferentes contextos.

Esta compreensão do caráter personológico da criatividade resultou de um estudo focalizado nos processos subjetivos, envolvidos no desenvolvimento de profissionais altamente criativos. A partir deste estudo, Mitjáns Martínez (2000) formulou a tese do caráter personológico da criatividade a qual se baseia na singularidade do conjunto de recursos subjetivos relacionados à criatividade de indivíduos concretos. A referida tese evidencia que a criatividade está associada às configurações subjetivas específicas do indivíduo e não à sua personalidade como um todo. A partir dessa compreensão, Mitjáns Martínez chegou ao conceito de configuração subjetiva da criatividade conceituada como ―[...] integração dinâmica dos elementos personológicos que intervêm na expressão criativa‖. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2000, p. 82).

A tese da configuração subjetiva da criatividade de Mitjáns Martínez contradiz a tendência dominante do campo, a qual estabelece um conjunto de traços personológicos, associados à criatividade de forma geral e indiscriminada. Mitjáns Martínez defende que pessoas altamente criativas apresentam configurações personológicas diferentes e configurações criativas também diversas, não sendo possível estigmatizar perfis personológicos fora de uma construção teórica fundamentada pelo estudo de um caso singular.

Sendo assim, com base na referida tese formulada e aprofundada ao longo de quase duas décadas de estudos, Mitjáns Martínez vem em diversos trabalhos publicados defendendo sua fundamentação teórico-empírica e epistemológica sobre a compreensão de que o estudo do desenvolvimento da criatividade deve considerar as diferenças no conjunto de elementos estruturais e funcionais subjacentes à personalidade do indivíduo como um todo, mesmo que, em alguns casos, possam haver regularidades de características entre diferentes pessoas.

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Em uma definição primeira e simples, a personalidade foi compreendida como organização sistêmica e relativamente estável dos recursos, processos, formações e potencialidades, que caracterizam as funções reguladoras e auto-reguladoras do comportamento do indivíduo. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989). Isso revela que desde os primeiros estudos de criatividade na perspectiva da subjetividade, é compreendida uma estreita associação entre o desenvolvimento da criatividade e a personalidade do indivíduo criativo, porém só passível de investigação mediante o conhecimento aprofundado de seus posicionamentos, ações e relações em situações de vida concreta (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1995). Este posicionamento teórico da autora é expressivamente contrário à delimitação padronizada e indiscriminada de traços de personalidade associados à criatividade, tal como discutimos no primeiro capítulo deste trabalho.

González Rey (2013b) ressalta que as configurações subjetivas da personalidade não correspondem a um plano intrapsíquico concluído, que ―determina‖ de forma conclusiva a ação da pessoa nos diferentes contextos sociorrelacionais, uma vez que dependem das produções subjetivas organizadas nas configurações subjetivas da ação. Esta compreensão da personalidade, com forte presença sobre a ação do indivíduo, ocorre em virtude de sua indissociação com os sentidos subjetivos gerados no momento da ação e relação, envolvida no curso de uma experiência de vida concreta. Isso dá clareza à configuração subjetiva da ação criativa, referida à condição de sujeito criativo, aquele que se expressa e gera diferentes alternativas de subjetivação no curso da ação. (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZÁLEZ REY, 2017).

Resta explicitar a diferenciação entre configuração subjetiva da personalidade e configuração subjetiva da ação. A configuração subjetiva da personalidade é a organização de sentidos subjetivos com certa estabilidade e força pela sua convergência e tem grande valor na subjetividade individual. Já a configuração subjetiva da ação é referida aos sentidos subjetivos, configurados no curso da ação com grande ênfase sobre a subjetividade social.