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Na metodologia construtivo-interpretativa, o valor dos instrumentos está atrelado à emergência de produções subjetivas do participante no campo da pesquisa, podendo ser considerados como ―indutores‖ de expressões significativas, para a construção de hipóteses explicativas do problema focalizado no estudo (GONZÁLEZ REY, 2010, 2003, 2005b, 2014). As informações vinculadas ao uso dos instrumentos só tomam forma na pesquisa, mediante a construção interpretativa do pesquisador, que gera indicadores que, pela sua coerência, permitem a elaboração de hipóteses. Esta abordagem metodológica contrasta com a usual forma de pesquisas que elege o instrumento como estratégia para ―coleta de dados‖ e as respostas do participante, em sua forma direta e observável, como base para elaborações conclusivas sobre o fenômeno em questão. Nessa compreensão, González Rey (2014) salienta a diferenciada função do instrumento no método construtivo-interpretativo: ―[...] não apenas como um indutor de informação, mas um recurso relacional que facilita a expressão do outro, ultrapassando a reificação do dado de pesquisa enquanto elemento dissociado da experiência do pesquisador‖ (p. 18).

Diferentemente da tendência predominante de pesquisas que, geralmente, atribui finalidades distintas a cada instrumento, no método construtivo-interpretativo o conjunto de instrumentos utilizados representa um sistema único de informação no qual a informação isolada não possui valor em si, só tomando sentido na pesquisa a partir da construção interpretativa realizada pelo pesquisador. O processo de construção da informação se desenvolve a partir de trilhas hipotéticas do pesquisador, baseadas em um sistema único que integra informações de diferentes instrumentos e momentos da expressão do participante. As informações podem ser contraditórias, complementares e reincidentes, assim como também

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podem ser relevantes as questões omitidas ou negadas na expressão ou na fala do participante. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2014; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017d).

O caráter dialógico da relação pesquisador-participante faz com que o pesquisador avance em uma rota reflexiva e imprevisível rumo à construção do conhecimento inter- relacionando fatos, expressões e posicionamentos do participante, que se desdobram no curso da investigação. Essa dialogicidade se expressa também na forma de uso e criação dos instrumentos da pesquisa, concebidos como parte do diálogo e não como vias para o alcance de respostas conclusivas acerca do estudado. Os instrumentos, nesta perspectiva metodológica, representam:

Momento de um relato que vai percorrendo vias diferentes no conjunto de expressões do participante da pesquisa e que é provocado de forma constante pela participação ativa do pesquisador cujo roteiro são as necessidades que aparecem no processo da construção teórica que é o processo essencial no andamento da pesquisa. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017d, p. 95).

O processo de utilização dos instrumentos, implicado pela relação comunicativa dialógica entre pesquisador e participante, transforma a experiência da pesquisa em um espaço favorecedor da produção de sentidos subjetivos, que promove tanto o desenvolvimento e qualidade da investigação em subjetividade quanto a possibilidade de produção de novos sentidos subjetivos, referentes a outras dimensões da vida dos envolvidos no processo de investigação. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017d).

Esse espaço social da pesquisa, que se converte em contexto promotor de novas necessidades e possibilidades, requer o posicionamento reflexivo e criativo do pesquisador nas adequações metodológicas, só percebidas no curso da investigação. (GONZÁLEZ REY, 2010, 2014). A abertura do pesquisador para criar, alterar e redimensionar de maneiras diversas a utilização de instrumentos no curso da investigação é um aspecto importante do método construtivo-interpretativo que contribui positivamente para a qualidade da informação construída. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).

Podemos considerar os instrumentos como ―[...] indutores da expressão aberta do participante como via para o diálogo com o pesquisador‖. (GONZÁLEZ REY, 2013a, p. 31). Os instrumentos são relevantes como provocadores do envolvimento emocional, reflexivo e significativo do participante, estimulando o diálogo sobre experiências de vida que no momento da pesquisa podem ser retomadas, ―revividas‖, refletidas, percebidas e sentidas pela primeira vez. Isso se dá em virtude do espaço dialógico da pesquisa, no qual novas produções subjetivas emergem. O mais importante não são os instrumentos em si, mas a forma de sua

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utilização no método construtivo-interpretativo, como caminho provocador da produção de sentidos subjetivos que favorecem o desenvolvimento da pesquisa e permitem diferentes e criativas estratégias de ―acesso‖ indireto às tramas subjetivas envolvidas no tema em estudo.

A qualidade da informação construída depende, em primeira instância, da autenticidade e profundidade das expressões do participante, favorecidas pela relação dialógica estabelecida, assim como da dialogicidade no uso dos instrumentos. A construção interpretativa sempre será pautada e explicitamente referida a um conjunto de informações empíricas (expressões verbais, escritas, gestuais, fisionômicas, choro, riso, silêncio, entre outras), que interpretadas na lógica configuracional proposta pelo pesquisador na forma de indicadores articulados, permitem a sustentação das hipóteses que originam o modelo teórico resultante da pesquisa. (GONZÁLEZ REY, 2010, 2014; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2014).

Nesta pesquisa buscamos compreender como os sentidos subjetivos produzidos pelos participantes, no curso de suas histórias em diferentes espaços sociorrelacionais , foram se integrando à configuração subjetiva da criatividade profissional. Sabíamos que a geração de conhecimento sobre a configuração subjetiva da criatividade profissional de cada participante só seria possível pela construção interpretativa de sentidos subjetivos, não expressos de forma direta, tal como explicitamos no capítulo seguinte. Esse processo aparece bem explícito neste trecho de González Rey e Mitjáns Martínez (2017d):

Os sentidos subjetivos aparecem num processo simultâneo e contraditório em que um sentido nunca representa uma entidade individual nitidamente delimitada por um conteúdo, mas uma produção simbólico-emocional com limites imprecisos, na qual diversos sentidos subjetivos se interpenetram de formas diversas até um

momento de organização que emerge nesse processo, que é a configuração subjetiva (p. 119).