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A CONFIGURAÇÃO DE PLE NA POLÍTICA DE LÍNGUAS

No documento Identidade brasileira tipo exportação (páginas 30-36)

1 A LINGUÍSTICA APLICADA COMO REFERÊNCIA

1.1 A CONFIGURAÇÃO DE PLE NA POLÍTICA DE LÍNGUAS

O objetivo desta seção é, primeiramente, explorar a projeção que a língua portuguesa modalidade brasileira vem ganhando nos últimos tempos para que, então, possamos definir quem são e de onde vêm os alunos estrangeiros.

À guisa de informação, Política de Línguas é um tema muito abrangente porque inúmeras combinações de épocas distantes, línguas diferentes, situações históricas e sociais muito distintas podem caracterizar o contexto estudado. Além disso, não podemos desconsiderar a concepção de cada indivíduo para política e ética. Por isso, neste estudo, pontuaremos a relação da Política de Línguas, única e exclusivamente, com a língua portuguesa modalidade brasileira e o seu ensino a estrangeiros. É como se dedicássemos esta seção à PLE porque, através de tratados, a nossa língua e cultura ganham espaço no conteúdo escolar em países estrangeiros.

Orlandi (2007, p.7) explica que a Política de Línguas tem a existência da língua e seus pressupostos teóricos instalados, porém manipuláveis. Política de Língua também pode se referir ao planejamento linguístico, a práticas escolares e à organização da relação entre línguas. De acordo com a leitura efetuada, entendemos Política de Línguas como a formação dos processos institucionais da Política de Línguas. Em PL2 e em PLE, referimo-nos, especificamente, à constituição de um saber metalinguístico através dos livros didáticos, da inclusão da língua portuguesa nos conteúdos escolares dos países da América Latina e do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (CELPE-Bras) – desenvolvido pelo Ministério da Educação do Brasil (MEC) em parceria com a Secretaria de Relações Internacionais, para avaliar e certificar, em um exame único, os níveis intermediários e avançados de proficiência na língua portuguesa.

Para contextualizar os processos institucionais denominados Políticas de Línguas expostos acima, tomamos como base as postulações do teórico Eduardo Guimarães (2005, p. 18). O autor afirma que os espaços de enunciação de funcionamento de línguas se dividem, re-dividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante porque são espaços habitados por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer. Trata-se, portanto, de um espaço político, marcado constitutivamente por disputas pelas palavras e pelas línguas. Por “político”, Guimarães entende o “conflito entre uma divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento”. O político não é algo exterior à língua, que lhe é acrescido por razões sociais; ao contrário, ele é parte do seu funcionamento. E, por ser necessariamente atravessada pelo político, a língua é marcada por uma divisão com a qual os falantes se identificam. O falante é concebido como uma figura política constituída pelos espaços de enunciação. Assim, podemos sugerir que o sujeito não-brasileiro estabelece um elo com a língua portuguesa e produz determinados efeitos únicos dessa relação.

Quando há uma reconfiguração de espaços enunciativos, a reciprocidade entre as línguas envolvidas é esperada, isto é, os processos de institucionalização, legitimação e representação das línguas devem ser balanceados. No continente sul-americano, podemos ilustrar tal situação com a dupla de línguas português-espanhol. Com a inclusão da língua espanhola nos currículos escolares brasileiros, a expectativa é de que também aumente o contigente de falantes de Português modalidade brasileira na América do Sul.

Um dos processos metalinguísticos de institucionalização, legitimação e representação da política linguística é a gramatização da língua portuguesa, que, por estar em constante instrumentalização, está diretamente ligada ao seu ensino a estrangeiros. O capítulo Sinopse dos Estudos do Português do Brasil: a Gramatização Brasileira, de Eduardo Guimarães (1996, p. 127) traz os períodos do movimento de gramatização desde o descobrimento do Brasil, como podemos observar no seguinte recorte:

Nesse movimento, a gramatização brasileira se aproxima da busca de uma unidade de língua escrita como Portugal, mesmo hoje, em ações ligadas à política (sic) linguística, de muitos estudiosos da língua portuguesa, em particular ou da linguagem, em geral, no Brasil. (GUIMARÃES, 1996, p. 127)

Embora haja uma produção acadêmica considerável dedicada ao estudo de diferentes aspectos da gramatização do Português, poucos são os trabalhos que cruzam os instrumentos linguísticos e o domínio afetivo na nossa língua como língua estrangeira. Por gramatização, entendemos o processo que conduz a descrever e a instrumentalizar uma língua nas bases metalinguísticas da gramática e do dicionário (Auroux apud GUIMARÃES e ORLANDI, 1996, p. 9). Em geral, os estudos trabalham, essencialmente, a institucionalização da linguística nas estruturas formais de ensino.

A relevância do nosso estudo está relacionada à importância dos processos de integração desencadeados pelo Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), isto é, a união aduaneira de livre comércio intrazonal e política comercial comum de cinco países da América do Sul: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. A esse respeito, ressalta Almeida Filho:

Todos esses esforços poderiam ganhar um grande impulso com políticas de investimento em projetos por parte das instituições e órgãos governamentais, além de iniciativas macroestruturais para apoiar e ordenar o desenvolvimento do ensino de português no Exterior (como o que ocorre nesta década com o ensino do Espanhol e do Português no contexto de integração dos países do MERCOSUL). (ALMEIDA FILHO, 1992, p.8)

Devemos salientar, igualmente, o crescimento pelo interesse da profissionalização acadêmica no ensino da língua portuguesa como língua estrangeira apontado por Silveira (1998, p.7) em uma coletânea de textos compostos de questões teóricas e metodológicas discutidas durante o I Encontro do Núcleo de Pesquisas Português Língua Estrangeira (ENUPPLE- IP/ PUCSP), indicando uma tendência interculturalista e multidisciplinar:

No momento, o cone sul-americano oficializou as línguas portuguesa e espanhola para suas relações internacionais, com a tendência de tratá-las, politicamente, como línguas de cultura; assim sendo, ambas passarão a ser integradas nos currículos escolares, exigindo a formação e a titulação de professores especializados. (SILVEIRA, 1998, p.7)

As associações de política linguística permitem a exploração das vantagens de proximidade entre o Português e o Espanhol, com a total adequação de um planejamento que Almeida Filho (2009, p. 45) classifica como “evolutivo”, em que a experiência de aprender línguas torna-se parte de uma experiência maior de aprender outras coisas, os conhecimentos de outras disciplinas como ciência, história, artes etc:

Nada poderia se apresentar como mais vantajoso no ensino de português a falantes de espanhol, principalmente no contexto do Mercosul, uma vez que os protocolos de acordo assinados entre os países membros trata de uma integração que abrange vários segmentos (economia, educação, cultura etc.). Assim, cursos e problemas diversos desses países, apresentam-se como extremamente valiosos para viabilizar o tão desejado processo de integração. (ALMEIDA FILHO, 2009, p.45)

O Brasil, como outros países em geral, é um país multilingue: tem a sua língua oficial, muitas línguas indígenas, falares regionais, línguas de imigração etc. Mas, ao lado da multiplicidade concreta de línguas, há, nos Estados, a necessidade da construção de uma unidade imaginária. A língua oficial serve como uma das representações de nossa unidade e soberania em relação a outras nações. Orlandi (2007, p. 59) explica que isto acontece mesmo em um momento como o atual, em que as questões de mundialização, nacionalidades e multilinguismo estão em destaque. O intercâmbio dos enunciados em espaços redivididos é uma prática política em um sentido muito preciso de pertencimento do povo ao povo6.

6 Cf. GUIMARÃES, 2005, p. 17.

A enunciação como o processo de produção de texto (GUIMARÃES, 2007, p.14) que viabiliza a interação é propriedade intrínseca do ser humano. Assim, a enunciação é atividade igualmente intrínseca numa aula de aprendizagem de língua estrangeira. É oportuno investigá-la neste ensaio porque, como língua estrangeira, tal processo é diferenciado, já que traz consigo negociações culturais e adaptações de estilo de vida, hábitos, costumes.

Sedycias (2002, p. 133) criou um programa de ensino de PLE para a Faculdade de Wofford, na Carolina do Sul, EUA. Em seu artigo, “Como implementar um programa de Português numa faculdade de estudos liberais: problemas e estratégias”, Sedycias expôs os primeiros resultados de um trabalho de Política de Línguas ao conquistar mais um espaço para nossa língua e cultura. O autor divulgou o projeto pelo campus, identificou os alunos para a base do programa, apresentou a proposta de implementação ao comitê e deu início ao projeto. Os objetivos estabelecidos foram: desenvolver a proficiência em Português por meio do uso predominante da língua-alvo; desenvolver a apreciação e uma atitude positiva diante da lingua e da cultura lusófona e fornecer aos alunos com formação em espanhol ou francês um ambiente acadêmico facilitador da transição intensiva de uma das línguas para o Português. Em suas considerações, o professor relata que falantes nativos do Português elogiavam o grande resultado adquirido em curto tempo, já que se trata de uma região remota e de difícil acesso da Carolina do Sul. Poderíamos entender como um espaço conquistado, apesar da região historicamente conhecida por sua homogeneidade étnica e linguística. Nas palavras do próprio Sedycias:

Em razão das posições geopolíticas e econômicas que países de língua portuguesa, tal como o Brasil, ocupam hoje no mercado mundial (o Brasil possui o quinto maior PIB do mundo), a necessidade de colocar a língua portuguesa à disposição de mais pessoas nos Estados Unidos adquire uma nova dimensão, cuja importância será expressa devidamente apenas na medida em que esse idioma for acrescentado aos currículos de línguas estrangeiras em mais escolas naquele país. (SEDYCIAS, 2002, p. 136)

Encerramos esta seção salientando que os instrumentos de institucionalização de uma língua permitem compreender de que modo uma sociedade constrói sua identidade no contexto das políticas plurilinguísticas contemporâneas, como afirma Silveira (1998, p. 7):

No momento, tem-se dado, internacionalmente, grande importância às políticas linguísticas e à política de língua, tanto no que se refere ao ensino de língua materna quanto ao de línguas enstrangeiras. As causas dessa importância, na transformação das comunidades humanas, são várias, entre elas a alta tecnologia das telecomunicações e os movimentos decorrentes do fenômeno da globalização que objetivam a formação e solidificação de comunidades internacionais, tais como a europeia, a do cone norte e a do cone sul-americano.

Diante da descrição do panorama de Português língua estrangeira na Política de Línguas da América do Sul e do mundo, podemos, agora, descrever os principais tipos de aprendiz estrangeiro. E por quê? Porque precisamos entender quem são essas pessoas que têm seus olhos voltados para o nosso país e porque essa renda cresce. Esses estrangeiros estão interessados, não só em aprender a nossa língua, mas também, em admirar a nossa cultura. Há uma projeção de crescimento que, em tempos de crise econômica mundial, pode ser considerada providencial.

No documento Identidade brasileira tipo exportação (páginas 30-36)