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A consolidação da classe media e a precarização do proletariado urbano da construção

3. AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A DIVISÃO SOCIAL

3.1. A consolidação da classe media e a precarização do proletariado urbano da construção

A oposição entre burguesia e proletariado presentes na época de Marx sofreu fortes alterações ao longo da história. A luta de classes foi fragmentada em prol de interesses cada vez mais individualizados, enquanto que o capital e sua financeirização foram se unificando para burlar a crise. A burguesia tornou-se complexa à medida que “a classe operária modernizou-se, alcançou o poder em alguns países, em outros absorveu quase completamente a ideologia liberal-burguesa, e em outros nem logrou a constituir-se ainda como classe” (MORAES e COSTA 1999, p.67). Todavia, surge uma classe intermediária que é burguesa de mais para ser proletária e proletária demais para ser burguesa, eis a classe média. Esta por sua vez, “penetrou e de certa forma diluiu as duas velhas classes sociais, pois ela assalariou-se, mas ao mesmo tempo aproximou-se, grosso modo, dos ideais burgueses, ao nível do consumo e do proletariado quanto às formas de luta”. (MORAES e COSTA 1999, p. 67).

O conceito de “qualificação média”, bem como o de “superiorização” estão fundamentados na organização do trabalho na sociedade contemporânea. No entanto,

(...) a questão é precisamente se o conteúdo científico e “educado” do trabalho tende para a mediana ou, pelo contrário, para a polarização. Se a última hipótese for o caso, disser então que a qualificação “média” aumentou é adotar a lógica do estatístico que, com um pé no fogo e outro na água gelada nos dirá que em “média” ele está perfeitamente à vontade (...) A mesma ambigüidade pode ser percebida noutra formulação vulgar da tese de “superiorização”, que aponta a proliferação de especialidades instruídas e educadas. Para a maioria dos que sustentam a tese da “superiorização” parece repousar em duas marcantes tendências. A primeira é a alternância dos trabalhadores de alguns grupos operacionais importantes para outros; a segunda é a extensão do período médio de instrução (BRAVERMAN, 1981 p. 360).

Os níveis de qualificação da classe trabalhadora são mensurados de acordo com as exigências do mercado de trabalho. Portanto, a qualificação da classe média passou pelo gabarito de algum nível superior, seja de instituições públicas ou particulares. A grande questão é que para o nível de qualificação desta classe, ás vezes, se trabalha tanto quanto um operário, cuja carga horária varia de 6 à 8 horas por dia. Ou seja, esta classe média da Aldeota, por exemplo, é composta por profissionais liberais que se dividem em dirigentes, intelectuais e pequenos empregadores, que trabalham muito para manterem o nível de vida que possuem. O que determina a condição de classe média não é, portanto, a duração do tempo de trabalho, e nem o poder aquisitivo, pois existem rendas que podem ser providas de

diferentes formas, na verdade, é a função qualificada, dirigente ou criativa, que esta classe exerce e os atributos culturais vinculados a uma boa educação. Para Braverman (1981)

(...) não podemos desdenhar o impacto econômico imediato do sistema escolar ampliado. Não apenas o dilatamento do limite de escolaridade limita o aumento de desemprego reconhecido, como também fornece emprego para uma considerável massa de professores, administradores, trabalhadores em construção e serviços etc. A demais a educação tornou-se uma área imensamente lucrativa de acumulação de capital para a indústria de construção, para os fornecedores de todos os tipos, e para uma multidão de empresas subsidiárias (BRAVERMAN 1981 p. 372)

Logo, o discurso da “qualificação média” e de “superiorização” não se sustenta à medida que a classe trabalhadora pertencente às variadas estratificações sociais, sejam elas pobres ou da classe média, trabalhadores assalariados ou profissionais liberais, são subservientes à lógica de exploração do capital. Todavia, não podemos pasteurizar estas classes como iguais, pois o campo de mediação é diferente, à medida que se apropriam do espaço de formas diferentes, ocupam categorias funcionais diferentes, reivindicam por causas diferentes, e do ponto de vista econômico são diferentes.

Estabeleceu-se um novo padrão de empregabilidade que redefiniu uma nova organização social e espacial do trabalho. Mészáros (2002) discorre que

Na medida em que a transformação predominante se dava na substituição do trabalho não-qualificado pelo qualificado, envolvendo grandes dispêndios de capital para o desenvolvimento industrial, o assunto podia ser ignorado com relativa segurança, dada a atmosfera da euforia provocada pela “expansão” (...) No entanto, foi sistematicamente ignorado o fato de que a tendência da “modernização” capitalista e o deslocamento de uma grande quantidade de trabalho não-qualificado, em favor de uma quantidade bem menor de trabalho qualificado, implicavam em última análise a reversão da própria tendência: ou seja, o colapso da “modernização” articulado a um desemprego maciço (MÉSZÁROS 2002, p. 1004).

Deste modo, a educação passou a ser uma mercadoria e os anos de escolaridades passaram a ser uma imposição das regras de conduta com o intuito de manter uma população “controlável” e “civilizada”. É por isso que “a capacidade de ler, escrever, e efetuar operações aritméticas simples é uma exigência do meio urbano, não precisamente pelas funções, mas também para o consumo, para concordância com as normas e obediência à Lei”. (BRAVERMAN 1981, p. 369). A regularização das condições de trabalho passou a ser uma exigência da classe trabalhadora, onde contratos e carteiras assinadas passaram a ser as principais premissas. No entanto, o “exército de reserva” fez com que as lutas por melhores condições de trabalho se restringissem somente à conquista do trabalho, tendo em vista que muitos trabalhadores devido à necessidade de reproduzirem sua força de trabalho aceitariam qualquer que fosse o emprego.

O certo é que com a crise do capital, já mencionada anteriormente, alguns setores da economia, devido à incorporação maciça de tecnologia, substituíram vários postos de trabalho por máquinas, como ocorreu na agricultura. Portanto, muitos trabalhadores rurais ficaram desempregados. Porém, se o trabalhador não possui assistência (seguro desemprego, benefícios, etc.) ou quando esta acaba não lhe resta alternativa a não ser buscar se inserir em outros ramos da produção que não exijam tanta qualificação, como muitos que acabam indo para a construção civil ou caem na informalidade. O trabalhador desempregado que procura se qualificar em busca de um emprego melhor ou mais adequado é por que possui um aparato familiar ou o mínimo de condições que o favorecem ficar certo período sem renda fixa.

Na construção civil o trabalho não qualificado dos operários é quase que uma regra, pois a própria inserção destes trabalhadores nessa atividade deve-se ao processo migratório que os conduziram a cidade. Ou seja, a falta de alternativas no interior se reproduziu nos centros urbanos, permanecendo ainda hoje uma escolaridade precária marcada por uma política que no decorrer da história se beneficiou da ignorância da maioria da população, sobretudo, cearense. Os dados da tabela revelam isto com bastante evidencia.

TABELA 2 - Empregos formais existentes em 31/12 por escolaridade, segundo as ocupações Município de Fortaleza- 2005 Escolaridade Ocupações ANALFA- BETO 4.SER INCOMP 4.SER COMP 8.SER INCOMP 8.SER COMP 2.GR INCOMP 2.GR COMP SUP. INCOMP SUP. COMP TOTAL CBO 715210 - Pedreiro 119 957 564 652 855 135 281 5 4 3.572 CBO 715230 - Pedreiro de edificações 3 299 82 98 82 7 23 0 0 594

CBO 716610 - Pintor de obras 18 167 56 114 156 32 60 3 2 608

CBO 717005 - Demolidor de edificações 1 1 0 1 1 6 14 0 0 24 CBO 717010 - Operador de martelete 3 2 2 3 4 0 0 0 0 14 CBO 717015 - Poceiro (edificações) 0 1 0 1 0 0 1 0 0 3

CBO 717020 - Servente de obras 475 2.500 1.417 1.491 1.931 364 680 8 13 8.879

CBO 717025 - Vibradorista 31 0 0 0 0 0 0 0 0 31

Total 650 3.927 2.121 2.360 3.029 544 1.059 16 19 13.725

Fonte: MTE/RAIS.

Na pesquisa direta realizada na obra da construtora Mota Machado no dia 12/06/2008 foram entrevistados 14 operários que tinham faixa etária entre 19 a 52 anos, onde 4 destes eram completamente analfabetos, 3 sabiam ler e escrever, mas nunca haviam freqüentado a escola, 5 tinham a 4ª série, 1 havia feito a 6ª série, mas não lembrava se havia concluído e, por último, o mestre-de-obras que terminou o 1° grau, hoje chamado de ensino fundamental

completo. Um fato interessante é que os 4 operários não alfabetizados eram serventes que consiste na função menos remunerada da categoria (como mostra a tabela abaixo) e o operário que não sabia se havia concluído a 6ª série era o encarregado de setor que é uma função abaixo do mestre-de-obras.

TABELA 3 - Piso Salarial Validados desde 1º de Março de 2007

CATEGORIA PISO SALARIAL (R$)

A) SERVENTE 392,00

B) MEIO-PROFISSIONAL 465,00

C) PROFISSIONAL 620,00

D) ENCARREGADOR DE SETOR 768,00

E) MESTRE DE OBRAS 1.125,00

F) PESSOAL DE APOIO ADMINISTRATIVO 392,00

G) PESSOAL ADMINISTRATIVO 465,00

Fonte: SINDUSCOM CE – Convenção coletiva de trabalho 2007/2008

Na pesquisa direta realizada no canteiro de obras da Diagonal no dia 24/06/2008, foram entrevistados 11 operários de faixa etária entre 28 a 62 anos, onde 2 eram analfabetos, 3 tinham feito até a 5ª série, 2 tinham a 6ª série incompleta e 4 haviam feito o ensino médio completo. Estes últimos incluem o mestre-de-obras, o encarregado de setor, o auxiliar do almoxarifado que é o mais jovem e o “Seu Francisco” pedreiro que terminou recentemente o ensino médio, sendo o mais velho e o mais antigo funcionário da construtora com 22 anos de serviço. É válido ressaltar que geralmente os que possuem o maior grau de escolaridade são os mais jovens, com exceção do “Seu Francisco” que diz, “aprendi a ler e a escrever com 40 anos para eu entender o que tinha na bíblia, depois meu netinho começou a estudar a noite aí eu fui com ele, fui fazendo o que o povo chama de supletivo até terminar tudim” (Entrevista concedida no dia 24/06/2008 às 7h30).

Embora, a construção civil seja uma atividade que não exige nenhum tipo de grau de escolaridade já que os conhecimentos utilizados para a realização do ofício é adquirido com o tempo de experiência no setor, constatamos que realmente os que possuíam os cargos mais elevados da categoria eram mais velhos e, portanto, mais experientes. Entretanto, os que tinham menos escolaridade por mais que fossem velhos, permaneciam há anos na mesma função e geralmente eram os que tinham maiores dificuldades em lidar com as novas máquinas.

Paradoxalmente, a carga horária empregada para a constante qualificação do trabalhador (reciclagens, treinamentos, capacitações, etc.) compromete seriamente a produtividade do trabalho. Enquanto que aquele trabalhador que pouco investe em sua “qualificação” tende a ter um maior rendimento na produção devido, a dedicação exclusiva

para com o ofício. Sendo assim, a “qualificação” e a “produtividade” acabam por serem relativas à medida que o tempo necessário para o aperfeiçoamento do trabalhador, o processo de burocratização das empresas que contratam essa mão-de-obra e o desgaste físico do trabalhador propiciado pelas exigências do mercado de trabalho, tornam-se problemas cada vez mais comuns nesta sociedade economicamente competitiva.

No entanto, por mais que o trabalho comprometa a produtividade (em qualquer das circunstâncias) ele é um trabalho qualificado, que por sua vez qualifica o modo de produção capitalista, por mais que este trabalho seja “improdutivo” e não esteja diretamente ligado à produção, mas de algum modo realiza a função de manter a estabilidade da ordem social, como é o caso dos empregados domésticos que são responsáveis por tomar de conta do patrimônio familiar, enquanto seus contratantes fazem parte diretamente do processo produtivo, como patrões ou como assalariados.

O trabalho produtivo por sua vez, é compreendido pela atividade laborativa que o trabalhador realiza diretamente na materialização do produto final que se constituirá em mercadoria. No entanto, há toda uma máquina produtiva que realiza este processo de diferentes maneiras. Antunes (2003, p. 58) exemplifica que “este trabalha mais com as mãos, aquele trabalha mais com a cabeça, um como diretor (manager), engenheiro (engineer), técnico etc., outro, como capataz (overloocker), outro como operário manual direto ou inclusive como simples ajudante”.

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