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4. COTIDIANO E REPRODUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

4.5. As práticas não capitalistas e as solidariedades orgânicas

A questão posta para o funcionamento do modo não-capitalista consiste na sua articulação com o modo de produção capitalista propriamente dito, fazendo com que haja uma combinação, de certa forma, conflitante entre o tradicional e o moderno. Eis mais uma contradição capitalista. Desta forma, existem vários modos de produção não-capitalista. Como

por exemplo, a agricultura familiar, o terciário e todas suas formas de trabalho autônomo e, por sua vez os serviços domésticos. “A produção doméstica depende essencialmente da produção capitalista que lhe fornece os meios de produção, que são alimentos, os tecidos, os materiais de construção para a casa própria” (ARAÚJO 2007, p 155-157).

Em termos absolutos, o trabalho não-capitalista faz uma reposição de produto ou de serviço, correspondente ao valor do salário, assim, o capital usa o trabalhador somente quando lhe aprouver, pois ele está sendo reproduzido e reservado pela economia não capitalista (ARAÚJO 2007, p. 157-158).

É interessante ressaltar que as relações não-capitalistas exercidas, sofreram transformações com o passar do tempo, sobretudo, com o modo de produção flexível que modificou estas relações de trabalho, assemelhando-as, com o próprio modo de produção capitalista, tendo em vista a exacerbação do setor informal e a precarização do setor formal. A compreensão da informalidade significa entender que apesar da grande transformação causada pela acumulação flexível, a economia fordista não se extinguiu se submetendo a fragilidade deste processo. É desta forma, portanto, que a construção civil se configura, pois apesar da inserção de novas tecnologias, o operariado ainda se utiliza do trabalho manual, evidenciando uma indústria semi-fabril, cuja contratação da mão-de-obra é das mais diversas possíveis, tanto formais, como informais. O trabalho realizado pelos engenheiros Fonseca e Lima (2007) revela que,

De modo geral, a indústria da construção civil tem resistido as inovações tecnológicas e organizacionais que, nos últimos séculos marcaram a face de quase todos os setores produtivos. Grande parte do processo de trabalho da construção civil continua inteiramente dependente do trabalho manual, ou seja, do trabalho vivo e de suas habilidades, sem poder usar máquinas e organizar a produção em moldes industriais (FONSECA e LIMA 2007, p. 54).

Sendo assim, o fato do setor da construção civil ser uma indústria que se caracteriza pelo defasagem e atraso do seu processo produtivo, onde o aprimoramento das técnicas acontece a passos largos, pelo ao menos, na realidade brasileira, temos também a utilização de trabalhadores não qualificados, visto que a realização do ofício precisa de prática e experiência e, não, de uma educação formal, como foi exemplificado anteriormente pelos baixos índices de escolaridade.

Notadamente, temos uma estreita relação entre o setor imobiliário que dinamiza a economia, representado pelo modo de produção dominante que estruturou o espaço, através da articulação dos modos de produção capitalistas com os não-capitalistas, como é o caso do

trabalho não-qualificado. Conforme Araújo (2007, p. 158) “essa reestruturação combinada entre os usos e reservas da força de trabalho introduzirá diferenciações regionais e explicará as desigualdades sócio-geográficas”.

Logo, a mobilidade do trabalho na construção civil pode ser explicada através de três momentos, como nos mostra Spolle (2001, p.34) “pode-se deduzir que a construção civil coloca o trabalhador em movimento, enquanto mudança de setor primário para o secundário, absorvendo o contingente de migrantes resultantes do êxodo rural”. Outra forma de mobilização da força de trabalho do operário se dar por meio da fixação deste no canteiro-de- obras, prática tão comum no passado. “Esse movimento se dá devido, inicialmente, a utilização do alojamento que, dialeticamente, imobiliza o trabalhador como parte integrante do canteiro” (SPOLLE 2001, p.35). E por último, a terceira forma de mobilização está na característica do trabalho desqualificado baseado na força física. Para Gaudemar (1977) este tipo de trabalho permite ao capitalista uma economia de capital variável baseado na intensidade e na duração da jornada de trabalho, resultando na redução do salário ou do custo real da força de trabalho. Portanto, “esta terceira forma de mobilização trabalha com a variação do esforço produtivo do trabalhador e está condicionada a outra forma de mobilidade: a mobilidade da relação jurídica do trabalhador, isto é, a relação formal e informal do trabalho” (SPOLLE 2001, p. 35).

Contudo, o trabalho de Spolle (2001) constatou que a partir da década de 1950, o setor da construção civil em São Paulo atraiu o migrante rural proveniente de vários estados, sobretudo de Minas Gerais e do Nordeste brasileiro. Isto ocorreu devido às transformações ocorridas no campo a partir da modernização agrícola, como das relações produtivas, que através da racionalização da mão-de-obra do trabalhador rural, nesse período, gerou um contingente de trabalhadores desempregados forçando-os a migrarem para os grandes centros urbanos. Logo, a força de trabalho ganhou mobilidade e desencadeou um fluxo migratório que refletiu tanto no local de origem, como no espaço da metrópole.

No primeiro, houve o desenvolvimento tecnológico, conjuntamente com a transformação das relações não capitalistas que substituiu os vínculos de compadrio, pelas relações contratuais, apesar de ainda existirem os vínculos estabelecidos pelos laços de amizade. Já, na metrópole, o trabalho desqualificado garantiu as necessidades do desenvolvimento do processo de produção e reprodução capitalista, “isso tanto para o campo que agora se modernizou e utiliza formas capitalistas e não capitalistas (relações de compadrio e auto-exploração familiar) para se reproduzir como para a cidade que explora o trabalhador dentro das formas contratuais” (SPOLLE 2001, p. 31-32).

Uma prática comum na construção civil que foi verificada nos dois canteiros de obras, tanto na construtora Mota Machado, como na Diagonal, consiste no fato de que a contratação dos trabalhadores está atrelada à influência que o mestre-de-obras possui sobre esta ação. Geralmente, os operários que compõe o quadro funcional das construtoras residem no mesmo bairro que o mestre-de-obras também reside. Isto se deve ao fato de que a contratação feita por este funcionário está intrinsecamente ligada aos vínculos que este tem com os trabalhadores por ele contratados. Visto que o mestre de obras é encarregado de selecionar os operários de acordo com as habilidades que possuem, logo, esta prática tão comum evidencia as solidariedades orgânicas tão características desta categoria.

A partir desses efeitos de vizinhança, o indivíduo refortificado pode, num segundo, ultrapassar sua busca pelo consumo e entregar-se a busca da cidadania. A primeira supõe uma visão limitada e unidirecionada, enquanto a segunda inclui a elaboração de visões abrangentes e sistêmicas. No primeiro caso, o que é perseguido é a reconstrução das condições materiais e jurídicas que permitem fortalecer o bem- estar individual (ou familiar) sem, todavia, mostrar preocupação com o fortalecimento da individualidade, enquanto a busca da cidadania apontará para a reforma das práticas e das instituições políticas (SANTOS 2000, p. 166).

Se a qualificação dos trabalhadores é dada conforme a experiência na construção, e não pela escolaridade, como acontece em outros ramos do próprio setor. Nada mais cômodo do que contratar somente aqueles trabalhadores que já se tem certa credibilidade, cuja confiança foi adquirida não somente no ato de construir, mas nos vínculos pré-existentes que envolvem vizinhança e amizade.

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