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4. COTIDIANO E REPRODUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

4.1. Breves considerações sobre a habitação operária

A forma como as estruturas e as funções urbanas se expressa hoje, são reflexo de como estas, estavam organizadas no passado. Este processo se dá ao longo da história a partir de imposições que provocam resistências. Desta forma, nem sempre a classe operária habitou na periferia das cidades. Entendendo que esta classe operária é essencialmente urbana, embora tenha vindo do campo64, adquiriu hábitos citadinos decorrente da vivência no centro da cidade.

Perrot (1988) ao escrever os “Excluídos da História”, relata sobre a vida dos operários que viviam em Paris no século XIX. A autora descreve que “eles lamentam a perda da mistura

64 Com a revolução industrial que teve início no século XIX, a divisão social do trabalho na sociedade capitalista passou por um processo revolucionário que transformou o modo de vida camponês em um contingente de operários industriais.

das classes favorável ao refinamento do gosto, esse gosto particular que os operários parisienses adquiriam vivendo no centro da capital” (PERROT 1988, p. 121).

A construção dos bulevares periféricos distantes do centro foi projetada como o lugar ideal para a classe operária a partir de um traçado urbanístico haussmaniano65. No entanto, houve muitas resistências à efetivação deste processo. Perrot (1988) analisa o discurso do Senador Tolain por volta de 1884 que protesta contra a moral dos quintais operários.

Quando os senhores expatriarem os operários para além dos muros, quando os senhores lhes derem um quintalzinho, certamente lhes será agradável cultivá-lo, aí regar as plantas, mas não é assim que eles renovarão suas idéias; é-lhes necessário o contato das belezas artísticas que lhes facilita essa criação incessante e sempre variada que faz a glória da indústria parisiense (LEVASSEUR, 1907 apud PERROT 1988, p. 121)

Logo, o centro possui um significado cultural de grande valia. Sua inacessibilidade constitui-se numa usurpação da qualidade de vida do trabalhador. Sem contar que afastar-se dele implica num deslocamento espacial que somado às longas jornadas de trabalho, favorece o aumento da fadiga. Portanto, tornar o centro inacessível, não significa que o mesmo não seja mais freqüentado pela classe operária. Pois, “no plano dos símbolos, como no plano real, o centro escapa ao povo. Esse, no entanto, não deixa de voltar para lá” (PERROT 1988, p. 122).

A este respeito, Lefebvre (2001b, p.122) descreve sobre a criação dos subúrbios na França. “Em redor da cidade instala-se uma periferia desurbanizada e, no entanto dependente da cidade. Com efeito, os “suburbanos”, os dos “pavilhões” residenciais, não deixam de serem urbanos mesmo que percam a consciência disso e se acreditem próximos da natureza, do sol e do verde”.

Esta imposição urbanística na qual a classe operaria foi vítima acarretou uma série de implicações no espaço urbano. Em Paris a habitação popular resistiu por certo tempo no centro da cidade, onde a população acabou se instalando indevidamente em terrenos baldios, construindo barracos improvisados e amontoando-se em cortiços e quartos mobiliados que agrupavam várias famílias que viviam de forma miserável.

Engels (1986) em sua obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, publicada pela 1ª vez em 1844, descreve as condições precárias em que viviam os operários do país que propiciou a revolução industrial. Seu estudo empírico averiguou as condições

65 O Barão de Haussmann é responsável por retalhar a cidade seguindo traçados que partem em feixes de praças ou cruzamentos. “As sucessivas intervenções de Haussmann vão construir uma obra prima de arte urbana: a imagem fundamental que ainda hoje existe em Paris que será exportada para ouras cidades (....). Os elementos utilizados são: o traçado em avenida – boulevard – que une os pontos da cidade” (LAMAS 2004 p. 212 - 214).

insalubres das residências de bairros operários em grandes cidades, como Birmingham, Londres, Manchester, Liverpool, etc. O berço do capitalismo industrial viu o contingente populacional, a proliferação e a expansão das cidades.

Lado a lado estava o proletariado vivendo em condições sob humanas e medíocres, enquanto a burguesia ostentava regalias e conforto em virtude da exploração da mais-valia extraída da classe trabalhadora. O autor cita inúmeros relatos sobre a situação habitacional em que o operariado foi submetido a morar, embasado em sua dolorosa observação crítica e a pertinente coleta de pesquisas, extraídas de investigações policiais, pregações paroquiais, depoimentos pessoais, dados de associações e médicos, consultas em jornais e análise da estrutura urbanística no seu ponto de vista técnico e social.

Constatou que os operários moravam geralmente nas proximidades das fábricas que trabalhavam daí, surgiu os vários “bairros de má reputação”, formado por massas de casas desordenadas e alojamentos fétidos de diversas categorias (cottages, albergues, porões e dormitórios) das piores condições possíveis de sujeira e miséria, por assim dizer quase inabitáveis. Engels descreve o que viu quando esteve em Glasgow

Em alguns destes dormitórios que nós (o superintendente da polícia, capitão Miller, e Symons) visitamos de noite, encontramos um bom número de seres humanos estendidos sobre o chão, por vezes de quinze a vinte, alguns vestidos e outros nus, homens e mulheres juntos. A cama deles era feita com um monte de palha bolorenta misturada com trapos. Ou havia poucos móveis ou nenhum e a única coisa que dava a estas casas um aspecto de habitação era um fogo aceso. O roubo e a prostituição são as principais fontes de renda desta população (ENGELS 1986, p. 50).

Com o passar do tempo, estes trabalhadores foram se multiplicando ainda mais no centro, tanto pelo fator de novos imigrantes que continuavam vindos do campo, como pela alta taxa de natalidade ocasionada pela promiscuidade nos amontoados cortiços. Desta forma, os trabalhadores foram se distanciando do centro á medida que a cidade e a população cresciam, bem como surgiam novos meios de transportes que permitiam a ligação dos centros urbanos à periferia. Daí, o fenômeno migratório ir aumentando, tendo em vista o deslocamento dos trabalhadores suburbanos para o centro e dos camponeses para a cidade.

Perrot (1988) escreve que

As populações parisienses do século XIX têm grande mobilidade no uso do espaço, e isso vale para todas as classes, como mostra, por exemplo, o estudo do registro público de imóveis. As migrações temporárias, características principalmente dos operários da construção acentuam essa mobilidade. (PERROT 1988, p. 108 - 109).

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