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4 SÚMULA IMPEDITIVA DE APELAÇÃO

4.9 Constitucionalidade

4.9.2 A constitucionalidade da súmula impeditiva

A súmula impeditiva, através do indeferimento instantâneo do recurso contrário a um entendimento sumulado, busca no princípio da celeridade processual o seu fundamento constitucional sob o argumento de que o apelo teria poucas chances de ser provido quando chegasse à instância superior.

Se o recurso será inadmitido quando for conhecido pelo relator, por que remetê-lo ao tribunal se o juízo a quo pode indeferi-lo liminarmente? Essa foi a intenção do legislador: poupar o tempo de envio dos autos ao Tribunal, negando seguimento ao recurso na origem.

Em tese, o conceito da súmula impeditiva foi excelente. Enviar um recurso contrário a enunciado sumulado é desperdício de tempo e atos processuais: o juízo a quo recebe a apelação e intima a parte adversa para contra-razoar; em seguida, os autos são remetidos ao Tribunal, onde o relator, utilizando-se de suas premissas, negará seguimento ao recurso. É muito mais prático e célere, refletiu o legislador, obstar o recebimento recursal antes mesmo da intimação da parte adversa.

Olvidou, contudo, que a parte sucumbente, em regra, não desiste de sua demanda com facilidade, o que acarretará na interposição de Agravo de Instrumento contra a decisão que bloqueou o recebimento da apelação. Em verdade, apenas trocou-se um meio por outro.

A inclusão da súmula impeditiva, portanto, não originou efeitos sensíveis na celeridade processual, apenas gerou insegurança jurídica e transtorno para as partes que irão utilizar-se de outro recurso de qualquer modo.

Dessa forma, não há como invocar a celeridade processual como fundamento para a aplicação e manutenção da súmula impeditiva no ordenamento pátrio. Esse é o primeiro ponto negativo da súmula: o princípio que lhe dá razão acaba não sendo prestigiado quando a súmula impeditiva é utilizada na prática.

Para aqueles que defendem a súmula impeditiva com o argumento de que se trata apenas de um adiantamento do juízo a ser proferido pelo relator, Nelson Nery Júnior rebate

afirmando que as garantias do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição “não permitem o exercício de futurologia em detrimento do direito das partes. 99. Na prática, não há como saber se realmente o recurso supostamente contrário a entendimento sumulado será indeferido pelo relator quando chegar ao Tribunal. Ao contrário, poderá ser admitido e provido. Não há, portanto, como supor o que acontecerá.

Apontamos o segundo ponto negativo da súmula impeditiva: não há como o magistrado prever a futura decisão do Tribunal, que poderá tanto negar seguimento liminarmente ao recurso como provê-lo em sua totalidade.

O terceiro argumento contrário à implementação da súmula impeditiva encontra- se na completa mitigação do princípio do duplo grau de jurisdição.

Em que pese a possibilidade desse o princípio ser amenizado em determinadas situações, não é plausível a sua completa abdução em situações como a de recursos obstados pela aplicação da súmula impeditiva de recursos.

O entendimento de que o bloqueio recursal representa malferimento do duplo grau de jurisdição é corretíssimo. Todavia, por si só, não sustenta a tese de inconstitucionalidade da súmula impeditiva, pois é possível que um princípio sofra mitigação em decorrência da conjuntura do processo célere.

Em verdade, o princípio da celeridade processual aparece como forte argumento mitigador do princípio do duplo grau de jurisdição e do direito ao recurso.

Não obstante, a celeridade processual, embora atualmente seja a garantia constitucional mais urgente, não é única e deve sim respeitar, ao menos, o mínimo das demais garantias processuais e constitucionais.100 Com efeito, a técnica do constitucionalismo contemporâneo é a de que não há princípios absolutos, todos são, em certa medida, suscetíveis de adaptação, de forma que nenhum anule os demais.

Evidentemente, na medida em que se prestigia o princípio do duplo grau de jurisdição, a celeridade é consideravelmente reduzida, mas isso não importa seu completo abandono. Os dois deverão coexistir de forma harmônica, pois a parte não pode ver tolhido seu direito garantido constitucionalmente de recorrer. 101

99 NERY JUNIOR; NERY, 2007, p. 864.

100 “Realmente, a celeridade da prestação jurisdicional, embora seja uma das garantias fundamentais figurantes

nas modernas Constituições dos Estados Democráticos de Direito, não é a única, devendo, por isso mesmo conviver e harmonizar-se com outras que igualmente merecem igual prestigio constitucional.” (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 354).

101 Nesse sentido: “É mais que hora de nos compenetrarmos da superlativa dificuldade, para não dizer da

impossibilidade, de conciliar de modo perfeito o ideal da celeridade processual e a preservação de certas garantias básicas para as partes, que a consciência jurídica e ética do nosso tempo tem como relegar a plano secundário. Também se lê na Constituição, e desde o seu primeiro momento de vida, que “aos litigantes, em

Ocorre que, conforme delineado, a utilização prática da súmula impeditiva não traz resultados significativos para a tutela jurisdicional célere. Logo, é absurdo permitir que o princípio do duplo grau de jurisdição seja mitigado em favor de uma celeridade processual fantasma.

Destarte, utilizando-se da proporcionalidade e razoabilidade, não há como admitir a mitigação do princípio do duplo grau de jurisdição, o que nos leva a apontar a inconstitucionalidade da súmula impeditiva de apelação.

Cumpre ressaltar, ainda, o princípio do acesso à jurisdição, constitucionalmente garantido às partes, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito102. Em uma interpretação desse princípio é possível concluir que às partes, além do direito de ação, é garantida a tutela jurisdicional adequada e à lei é defeso impedir a sua apropriada prestação.103 Dessa forma, toda e qualquer determinação que vise obstar a parte de apresentar defesa nos autos atenta contra o princípio do acesso à jurisdição adequada.

Essa premissa nos leva a concluir que a súmula impeditiva, ao impedir o processamento da apelação, bloqueia o acesso da parte prejudicada ao Poder Judiciário, o que pode vir a configurar uma ofensa ao princípio do acesso à jurisdição.

Há quem defenda que à parte já é garantido a prestação e o acesso ao judiciário quando o magistrado de primeiro grau aprecia e julga a demanda, de forma que o recurso não seria uma garantia intrínseca ao princípio do acesso à jurisdição. Não coadunamos, contudo, com posição tão rígida, pois se o magistrado de primeiro grau cometer equívoco, a tutela jurisdicional não será adequada e, por conseqüência, o princípio do acesso à jurisdição não será devidamente contemplado.

A súmula impeditiva, nesses casos, poderá acabar corroborando para o malferimento do princípio de acesso a jurisdição, pois o bloqueio do recurso impede a apreciação da decisão equivocada, e não permite a prestação jurisdicional adequada. Aqui o quarto ponto negativo por nós contemplado.

Pelo exposto, concluímos que, apesar de ter sido criada como instrumento de celeridade processual, a súmula impeditiva não atingiu seu propósito, gerando uma mitigação

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art, 5º, inciso LV). A norma introduzida pela Emenda Constitucional nº 45 terá de conviver com essa e não poderá fazer dela tábua rasa.” (2006b, p. 74).

102 Artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

103 Ratificando o caráter de adequada prestação jurisdicional como conseqüência da aplicação do princípio do

acesso à jurisdição, leciona Juvêncio Vasconcelos Viana: “Tal garantia é composta de duas faces: não se quer garantir somente o “acesso” em si, mas também a efetividade da tutela a ser finalmente prestada pelo aparato jurisdicional. (2006a, p. 56).

desarrazoada do princípio do duplo grau de jurisdição, que culmina na sua inconstitucionalidade.

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