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A Constituição de 1988: os novos rumos da educação

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O cenário social da época em que a atual Constituição Federal de 1988 foi promulgada tinha como palco de fundo o fim da ditadura militar e pressões sociais para várias reformas estruturais de Estado que deveriam ser inseridas na Constituição Federal. A interrupção das pressões sociais provocadas pelo regime militar fez com que eclodisse demandas diversas por direitos sociais até então suprimidas. A nova carta surgiu como prenúncio de uma nova ordem, mas também de velhos desafios.

Não houve uma eleição exclusiva para o parlamento Constituinte. Os senadores eram os eleitos de 1982. Mas, mesmo assim a efervescência social vivida pelo País empurrava os parlamentares para as exigências de vários setores da sociedade organizada. Tratando-se de educação, foi materializada na nova Constituição muitas demandas excluídas das cartas anteriores.

Primeiramente, cumpre destacar que a nova ordem trazida pela Constituição de 1988, inseriu, pela primeira vez, o município como ente federativo (BRASIL, art. 1º, C.F., 1988). Isso denota a elevação do município a um componente indissociável da República Federativa do Brasil.

A forma federativa do Estado brasileiro foi assumida quando da Proclamação da República, mas somente com a Constituição de 1988 o municipalismo elevou a sua autonomia, em que os estados reconhecem os municípios como entidades autônomas, como consequência, os municípios ganharam poder de se organizar, desde que submetidos aos princípios constitucionais. Além, é claro, de ter competência para instituir tributos. Essa descentralização de tarefas no campo educacional ficou mais nítida entre os entes federativos, como vamos discutir mais adiante. Destaquemos, antes, a ordem como a Constituição tratou a educação.

Por ser a Constituição Federal norma maior, e justamente a que estabeleceu as linhas do financiamento da educação brasileira, optamos, desde início dar essa importância, já que as normas constitucionais auxiliam na análise histórica do presente trabalho.

Torna-se imprescindível conhecer o conjunto do sistema educacional imposto pela Constituição de 1988, bem como, em se tratando do presente objeto, o regime de colaboração e redistribuição das finanças destinadas à educação.

A primeira referência à Educação está inserida no art. 6º. Na época, com a seguinte UHGDomR³São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição´ (BRASIL, C.F.,1988, grifo nosso).

Atualmente, por emenda constitucional, essa redação foi alterada para acrescentar outros direitos sociais. Em seguida, no artigo 23 da CF, a referência à educação está atrelada as competências comuns aos Entes Federados. Diz o inciso 5º que proporcionará os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Essa redação também sofreu alteração por força de emenda constitucional, acrescentando outros temas.

O artigo 24 da Constituição Federal é bastante polêmico para muitos estudiosos da competência legislativa, e importante também para a nossa análise. Esse artigo diz o seguinte: $UW³&RPSHWHj8QLmRDRV(VWados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] IX - educaçãoFXOWXUDHQVLQRHGHVSRUWR´ BRASIL, CF,1988, grifo nosso).

O aludido artigo fala em concorrência legislativa. Significa dizer que podem legislar, criar normas e leis sobre tais assuntos citados, respeitada as hierarquias, ou no melhor jargão jurídico, competências de cada ente (União, Estados, Distrito Federal).

legislador constituinte. Assim, poderíamos afirmar que em se tratando de educação, o município não tem competência para legislar. Somente a União e os estados detêm essa competência.

Entretanto, grande parte da ciência jurídica tem entendido que no caso presente, pode o município legislar sobre educação de forma suplementar naquilo que for de interesse local11. A título de exemplo, não pode o município criar normas gerais sobre educação, conceituando, definindo, sistematizando. Essa tarefa cabe aos legisladores da União e dos estados. Mas pode, a depender do interesse local, suplementar, naquilo que já existe. Por exemplo, em se tratando do objeto desse trabalho, pode normatizar regras de aplicação e fiscalização de recursos, bem como, naquilo que for permitido, criar taxas de sua competência, vinculados a órgãos da educação. O critério maior que orienta a interpretação do artigo é observar o princípio do interesse local e o critério suplementar, complementar, subsidiário em relação aos outros entes.

Outro assunto que se entrelaça com o artigo antecedente bem como com o objeto desse WUDEDOKRpRDUWLJRGD&)GL]DQRUPD³Art. 30. Compete aos Municípios:[...]VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e GHHQVLQRIXQGDPHQWDO´ BRASIL, CF,1988).

O artigo acima trata especificamente das responsabilidades, pois tais atribuições implicam em custos orçamentários. Aqui está claro a responsabilidade do município com o ensino infantil, primeira etapa da educação básica e o ensino fundamental. Verifica-se que o artigo já estabelece que o município tem obrigações e direitos a recursos outros que não apenas aqueles oriundos de sua arrecadação originária. Pela primeira vez uma Constituição deixa claro tais atribuições para o município.

O artigo 30 é a base da premissa, que mais adiante outros artigos e legislações falarão, sobre como a União deverá complementar ajudas financeiras, de modo que enquanto houver estados e municípios mais pobres, com arrecadações de impostos mais baixas, os alunos das escolas públicas receberão investimentos mínimos complementares para a sua formação.

O capítulo III da Constituição é destinado a educação, cultura e desporto. A Seção I cuidou especificamente da educação. Os artigos 205, 206 e 208 garantiram que a educação é dever do Estado, enumerou princípios gerais que garantem a liberdade de aprender e gratuidade do ensino público. Tais artigos citados reproduziram garantias retiradas de outros textos constitucionais e acrescentou outras assertivas para a educação.

11Morais afirma que o artigo 30 da Constituição Federal permite suplementar a legislação federal e estadual , no

que couber, o que não ocorria com a Constituição anterior, podendo o Município suprir lacunas da legislação Federal ou Estadual naquilo que couber, não podendo contraditá-las (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22 edição. São Paulo: Atlas, 2007, p 301). O órgão maior do Judiciário brasileiro também já se pronunciou sobre o tema: RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145.

As influências no campo político se manifestam nos processos de elaboração das legislações. No entanto a CF de 1988 caminha na contramão desta tendência hegemônica. Nos estudos de Mesquita (2010) extraímos a seguinte análise:

É fato que a política neoliberal coloca os países em desenvolvimento reféns de seus pressupostos e defende a formação de um Estado mínimo, incentivando o afastamento do Estado da responsabilidade para com a educação. Contraditoriamente, a Constituição Federal Brasileira de 1988 defende a educação como direito de todos e dever do Estado e da família. Desta forma, é imprescindível observar as obrigações do Estado e as lutas para a permanência da educação como direito de todos os cidadãos brasileiros, confirmando o que determina a Carta Magna em seu Art. 205, Cap. III. (MESQUITA, 2010, p.48)

Destacamos que o artigo 208 da Constituição preconizou a obrigatoriedade e dever do Estado com o ensino fundamental, obrigatório e gratuito. Retoma-se assim, depois de muita luta da sociedade civil, a retirada da ideia que o Estado somente cuidaria dos mais necessitados. O atual texto não remete mais a nenhuma ressalva quanto a obrigatoriedade e gratuidade que tem o Estado, o dever, em prestar esses serviços a todos.

A atual carta não somente garantiu a oferta gratuita e obrigatória do ensino fundamental, como também explicitou a divisão de responsabilidades entre os entes. Etapa necessária para um planejamento orçamentário e de atribuições. Veremos adiante os dispositivos mais específicos sobre o financiamento.

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