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Alguns apontamentos sobre o debate da qualidade da educação no Brasil e a

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Gusmão (2010) ressalta que a recorrência da questão da qualidade da educação nos debates políticos é um fenômeno de escala mundial. Tal debate surge em meados da década de 1980, iniciado pelos Estados Unidos e por organismos internacionais, como a OCDE, como discutido anteriormente. Inúmeras reuniões e debates se seguiram ao longo das duas décadas seguintes, colocando a promoção da qualidade na educação como tarefa prioritária para os países membros. Nesses, consolidou-se a ideia

[...] que a educação é o instrumento de política pública mais adequado para resolver os problemas cruciais da sobrevivência e do desenvolvimento das sociedades como são o crescimento econômico e a integração social. O primeiro deles é percebido sob a ótica da teoria do capital humano (em suas diferentes versões) e o segundo apóia-se na ideia de que a integração se dá mediante os mecanismos de equidade e a socialização de valores e códigos culturais comuns através do sistema escolar (CASASSUS, 2007, p.42).

A discussão sobre qualidade da educação, ao longo da década de 1980, se sobrepôs à pauta, até então presente, do acesso à escola. Tendo melhorado as condições de acesso ao sistema educacional, a ênfase a partir daquele momento deveria recair sobre a garantia da qualidade da educação.

Para Enguita:

No mundo do ensino, quando se quer fazer ajustá-la à da igualdade, a busca da qualidade se refere à passagem das melhorias quantitativas às qualitativas. Não apenas mais, mas melhores professores, materiais e equipamentos escolares, ou horas de aula, por exemplo. Mas a palavra de ordem da qualidade encerra também um segundo significado: não o melhor (em vez do mesmo ou de menos) para todos, mas para uns poucos e igual ou pior para os demais. (ENGUITA, 2001, p. 107)

Segundo Campos (apud Gusmão, 2010), a principal bandeira de democratização da educação, até os anos 1980, concentrava-se na ampliação do acesso à escola. Num momento em que a exclusão se dava na entrada da vida escolar, o foco era a democratização do acesso,

atendendo a reivindicação de uma escola pública para todos e não somente para um grupo privilegiado. Superada essa etapa, entendida sob a ótica da quantidade, a discussão se volta para a promoção da garantia da qualidade.

De fato ao longo das duas últimas décadas do século XX, o Brasil apresentou um aumento significativo de matrículas no ensino básico, números que se tornaram mais efetivos na primeira metade dos anos 2000. Dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE), demonstraram que a taxa de atendimento escolar da população de 7 a 14 anos, era de 97,3%, em 2005. Esses dados indicam claramente o aumento maciço das oportunidades educacionais. Cabe aqui nos determos, ainda que de forma geral, sobre os impactos do processo de expansão das oportunidades educacionais no Brasil. A expansão crescente da escolarização básica forjou uma nova realidade escolar no país. Para muitos autores da literatura educacional a ampliação maciça das vagas nas escolas foi acompanhada da diminuição da qualidade do ensino. Avançamos em direção a universalização do ensino básico, mas esbarramos no surgimento de inúmeros problemas.

Para Oliveira (2005) esse processo levou a uma alteração do sentido social da escola, uma vez que foi através dele que foram incorporadas à escola camadas da população, antes ausentes dos espaços formais de educação. Com a incorporação desses grupos, a escola incorporou, também, as contradições e diferenças presentes na própria sociedade.

O problema mais evidente dessa etapa de expansão das oportunidades educacionais, no Brasil, foi o da repetência e da consequente H[FOXVmRDJRUDGHQWURGDSUySULDHVFROD³2VDOXQRV chegavam ao sistema de ensino, lá permanecendo alguns anos, mas não concluíam qualquer HWDSDGRVHXSURFHVVRGHIRUPDomRHPYLUWXGHGHP~OWLSODVUHSURYDo}HVVHJXLGDVGHDEDQGRQR´ (OLIVEIRA, 2005, p. 671).

Diante de tal problema algumas ações governamentais foram colocadas em prática por alguns estados na tentativa de criar políticas públicas para o enfrentamento da questão. De forma geral, o que é importante ressaltar, é que a partir desse momento um importante desafio se coloca para a agenda da educação nacional, representado pela ampliação dos sistemas de ensino, tanto ePTXDQWLGDGHTXDQWRHPTXDOLGDGH(DFRQVWUXomRGHXP³SDGUmRGHTXDOLGDGH´ do ensino, passa a ser tarefa importante no enfrentamento desse desafio.

$VVLP R GHVDILR GD FRQVWUXomR GH XP ³SDGUmR GH TXDOLGDGH´ SDUD D HGXFDomR IRL amplamente perseguido pelos vários sujeitos diretamente ou indiretamente vinculados a educação. Seguindo uma tendência mundial, representada pela configuração de um cenário político neoliberal, a noção de qualidade educacional tem assumido um viés marcadamente

instrumental, vinculados a efeitos econômicos e interesses privados, próprios da sociedade de consumo atual (GUSMÃO, 2010).

Para Silva,

A forca da eficiência que conjuga a organização escolar a uma lógica econômica parece predominar fortemente nas discussões e no entendimento acerca da qualidade embasando e orientando o desenho das políticas em educação nos últimos anos e da tônica dos discursos oficiais então veiculados em muitos países ± e no Brasil não seria diferente (SILVA, 2008, p.23).

Na tentativa de sistematizar as várias perspectivas de utilização da noção de qualidade da educação que aparecem, seja entre os educadores, seja no discurso político e na sociedade como um todo, Adams (apud Gusmão, 2010) identificou pelo menos seis principais visões: a) qualidade como reputação; b) qualidade como recursos (inputs); c) qualidade como processo; d) qualidade como conteúdo; e) qualidade como rendimento acadêmico (outputs)/resultados educacionais (outcomes); f) qualidade como valor adicionado. Para o autor, as noções de qualidade como inputs aparece como a mais popular entre os profissionais de educação e, como outputs e outcomes aparece como a mais frequente nas políticas educacionais.

Historicamente observamos que a noção de qualidade teve como primeiro significado a ideia (predominante até a década de 1980) de democratização da escolarização (com o aumento das taxas de matrículas), passando posteriormente pela ideia de permanência (representada pelo tempo de permanência no sistema escolar e pelas taxas de conclusão) e, assumindo atualmente, não só, mas principalmente, o significado atrelado aos resultados medidos pelos testes de larga escala, aplicados aos estudantes. Entre eles, o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), criado em 1997 pela OCDE e, aqui no Brasil, a Prova Brasil6, são alguns dos testes que fazem parte desse processo.

Além disso, é importante frisar que o tema da qualidade da educação aparece de forma sistematizada e ao mesmo tempo difusa, na legislação educacional brasileira. O tema está presente nos principais marcos legais sobre educação no país: na Constituição Federal (1988), na LDB (1996), no PNE (2001)7 e no Funde (2007). Em certa medida, a legislação representa XPD HVSpFLH GH FRQVHQVR HP WRUQR GR WHPD ³TXDOLGDGH GD HGXFDomR´ XPD vez que sua elaboração parte de um processo no qual diversos atores negociam seus projetos (GUSMÃO,

6 A Prova Brasil é um instrumento de avaliação externa de caráter universal realizada nas escolas públicas. A

avaliação tem o objetivo de produzir informações sobre o ensino oferecido por município e escola, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros. (BRASIL/MEC. Disponível em: htpp://www.portal.mec.gov.br,).

2010). Para Gusmão, apesar da noção de qualidade da educação estar presente na legislação, ainda é abordada de maneira pouco precisa.

Duas principais abordagens podem ser identificadas. A primeira, que parece ser a principal, refere-VHjµJDUDQWLDGRSDGUmRGHTXDOLGDGH¶2GLVSRVLWLYRQmRH[SOLFLWDGR que seria composto esse padrão; no entanto, infere-se com base no tratamento dado pelo conjunto de leis que o enfoque primordial contempla os insumos necessários ao processo educativo, atrelados ao que se convencionou chamar de custo aluno- qualidade. A segunda é a que coloca a avaliação da qualidade como uma das condições para o ensino ministrado pela iniciativa privada. Nesse caso, não se define também no que consiste a qualidade a ser avaliada. No mais, as referências à noção são ainda mais genéricas, tal como no enunciado objetivo do PNE de melhorar a µTXDOLGDGHGHHQVLQRHPWRGRVRVQtYHLV¶RXTXDQGRVHPHQFLRQDPµSHVTXLVDVYLVDQGR RDSULPRUDPHQWRGDTXDOLGDGH¶ *860­2S 

Outra discussão que se coloca como fundamental, para podermos clarear e desenvolver de forma mais sistematizada a própria noção de qualidade da educação é a que se vincula, por sua vez, a questão do financiamento da educação. Nenhuma discussão de qualidade educacional se sustenta fora de uma discussão mais ampla sobre financiamento. Inclusive, porque evidencia, entre outros fatores, a presença decisiva da economia no mundo da educação.

Para Casassus (2007) o tema da qualidade da educação se torna especialmente complexo nos dias atuais, porque sua construção não está diretamente relacionada ao mundo da educação, mas com a irrupção da economia no mundo da educação.

Nessa lógica, a questão da qualidade da educação começa a ser pensada, não só atrelada, a questão de investimento, mas também de gerenciamento. Tendo sido a educação profundamente impactada pela crise do Estado e pela posterior adoção de políticas de ajustes econômicos. O tema do financiamento educacional se tornou central na construção do próprio entendimento da ideia de qualidade, na construção do entendimento e na própria prática do que conhecemos hoje como qualidade educacional no país.

A possibilidade de implantação de políticas e ações no âmbito da educação, necessariamente, dependem de recursos para financiar tais ações. Os insumos, como salários, infraestrutura adequada (bibliotecas, computadores, etc.), material didático, entre outros pensados como necessários para garantir a qualidade educacional, são dependentes do financiamento. E, como preconizado pelo PNE, a partir do CAQi, enquanto proposta de política educacional é o que poderá garantir efetivamente a universalização do direito humano à educação.

Nesta perspectiva, no capítulo seguinte propomos uma discussão acerca do financiamento da educação, enquanto categoria de análise, que contribui para uma educação

CAPÍTULO 2

POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Ao tratarmos sobre financiamento da educação básica é preciso primeiramente estabelecer certa relação do nosso modelo de Estado com a estrutura educacional do país. A esse modelo, a essa relação com a sociedade e com o indivíduo, temos que ter como premissa que o Estado é fruto de uma evolução histórica, ao qual se conjugaram diversos fatores.

No caso do Brasil os modelos de Estado e suas interferências de poder seguiram aos acontecimentos sociais, políticos e econômicos ocidentais da Europa e Estados Unidos que perpassou do absolutismo ao atual modelo subsidiário ou neoliberal.

Se uma nação opta por oferecer educação a sua população, cumpra esclarecer a forma de financiá-la. Esse custeio está diretamente ligado a soberania. Necessário, portanto, uma leitura atenta dessa relação, dessas ações políticas.

Entendemos que um percurso histórico, evidenciando os diferentes movimentos realizados pelos estados, faz-se necessário para o entendimento do momento atual. Não quer dizer que a história se repita ou ainda obedeça a um movimento linear, no entanto, o contexto econômico, social e cultural, bem como as condições efetivas que são dadas ao homem, enquanto produtor da história, interferem nesta construção.

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