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A Construção da Sociedade Civil através da Justiça Restaurativa no

No documento JUSTIÇA RESTAURATIVA. Coletânea de Artigos (páginas 187-189)

Brasil

Philip Oxhorn e Catherine Slakmon

Na maior parte da América Latina, as recentes transições para a democra- cia foram acompanhadas de níveis crescentes de crime e violência criminal (Arriagada e Godoy, 1999; Méndez, O’Donnell, e Pinheiro, 1999; Neild, 1999; Oxhorn, 2004). Isto é especialmente verdadeiro no Brasil, onde o impacto da violência criminal sobre os direitos civis básicos foi uma das principais ameaças à qualidade do governo democrático (Holston e Caldeira, 1998). Uma con- seqüência disto é um nível muito baixo de confiança nas instituições de justiça e na polícia em toda a região (Latinobarómetro, vários anos).

De maneira mais trágica, a combinação de altos níveis de crime e baixos níveis de confiança nas instituições estatais responsáveis por lidar com o proble- ma ameaça criar um círculo vicioso de violência. O controle efetivo do crime, para não mencionar a prevenção do crime, requer a cooperação entre a polícia e o judiciário, por um lado, e, por outro, entre a polícia e as comunidades que ela deve proteger. Todavia, as pessoas cada vez mais apóiam políticas policiais repressivas (inclusive a existência de facto de esquadrões da morte, freqüentemente compos- tos por policiais na ativa e aposentados) para lidar com a crescente insegurança causada pelo aumento das taxas criminais e, ironicamente, a falta de confiança na capacidade do Estado de implementar políticas que efetivamente respeitem os direitos civis. Tal policiamento repressivo deixa a cooperação necessária entre o Estado e a sociedade civil ainda mais improvável, e a espiral ascendente de violên- cia debilita a coesão social tornando mais difícil solucionar conflitos locais com sucesso, antes que eles se multipliquem em mais violência (Oxhorn, 2004). Esta- dos fracos definidos pela falta de instituições que incutam confiança pública minam os direitos civis e a sociedade civil, e ameaçam fazer com que as institui- ções democráticas pareçam, na melhor das hipóteses, irrelevantes para lidar com uma preocupação básica compartilhada por um número cada vez maior de cida- dãos ou, na pior das hipóteses, parte do problema.

Esta experiência, que pode ser melhor descrita como uma experiência de decadência social e institucional, parece muito distante daquela das democracias mais consolidadas da Europa Ocidental, da América do Norte e de outros luga- res, onde o desafio é construir a partir de instituições democráticas já fortes, que

ainda excluem segmentos significantes da população do exercício de certos direi- tos fundamentais de cidadania. Em contraste com a América Latina, onde tal exclusão afeta a maioria que é pobre e/ou não-branca, os problemas nestes países tendem a afetar segmentos relativamente pequenos da população e geralmente são menos graves em um sentido absoluto dada a miríade de instituições dentro do Estado e da sociedade civil que oferecem a tais grupos pelo menos compen- sações mínimas e apoio sócio-econômico1.

Um das tentativas mais inovadoras para compensar esta desigualdade de acesso relativa no campo da justiça é a justiça restaurativa. Países como o Canadá e a Nova Zelândia, cujas instituições judiciais geralmente desfrutam de altos níveis de legitimidade social e confiança, criaram sistemas paralelos de justiça onde o Estado cede alguma autoridade sobre a administração da justiça para atores da sociedade civil, que podem melhor responder às necessidades sócio- econômicas e culturais de grupos minoritários significativos que de outra forma se sentiriam excluídos das instituições normais pela administração da justiça. Realmente, o ímpeto inicial por tais reformas geralmente veio de grupos da sociedade civil que representavam os interesses de minorias excluídas, e a vontade do Estado de responder de modo contínuo apenas serviu para melhorar a qua- lidade de democracia em países onde a democracia já era muito inclusiva. Em outras palavras, uma sociedade civil relativamente forte e um Estado relativa- mente forte são capazes, nestes contextos, de cooperar por meios que conduzem a um processo virtuoso pelo qual ambos são fortalecidos e a democracia se torna até mesmo mais inclusiva. Podem instituições semelhantes de justiça restaurativa, adaptadas a seu contexto cultural e histórico sem igual, oferecer uma solução para os crescentes problemas de crime, violência e exclusão social para um país como o Brasil, sofrendo de extremos de exclusão social e sem desfrutar de um Estado forte ou de uma sociedade civil forte encontrada em países como o Canadá?

Este artigo sustentará que a justiça restaurativa é uma alternativa para as instituições estatais da administração da justiça, que funciona através da socieda- de civil, mas que nunca é independente do Estado. Por este motivo, a justiça restaurativa representa uma arena importante para gerar o que será definido aqui como a sinergia entre o Estado e a sociedade civil. O resultado é um paradoxo: ao ceder ativamente a jurisdição sobre alguns aspectos do sistema de justiça para organizações sociais, um Estado com baixos níveis de legitimidade social e eficá- cia pode fortalecer a sociedade civil de modos que ajudarão a melhorar não apenas a sua capacidade de assegurar os direitos de cidadania fundamentais, mas tam- bém, de um modo mais geral, a qualidade da democracia. Especificamente, argu- mentaremos que a justiça restaurativa pode ajudar a construir sociedades civis mais fortes aumentando a capacidade e o interesse dos cidadãos em participar de

conflitos se tornem maiores, e fortalece as instituições estatais através da coope- ração ativa dos cidadãos com elas. Em última instância, os processos de sinergia entre o Estado e a sociedade civil podem expandir para além da questão da criminalidade, melhorar a qualidade do governo democrático e dos direitos à

No documento JUSTIÇA RESTAURATIVA. Coletânea de Artigos (páginas 187-189)