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A Sociedade Civil, o Estado, e a Construção Social da Cidadania

No documento JUSTIÇA RESTAURATIVA. Coletânea de Artigos (páginas 189-196)

Na primeira parte deste artigo discutiremos brevemente os argumentos teóricos que apóiam a alegação de que a justiça restaurativa pode ajudar de fato a compensar déficits democráticos importantes ao unir o Estado e a sociedade em um processo de sinergia. Estes argumentos orbitam ao redor de uma compre- ensão coletivista da sociedade civil que enfatiza o importante papel do Estado no trabalho com a sociedade civil para expandir a amplitude e a profundidade dos direitos de cidadania democrática por um processo que chamamos da construção

social de cidadania. A segunda parte do artigo analisará os princípios por trás da

justiça restaurativa e os mecanismos reais pelos quais ela é alcançada para de- monstrar como ela pode ter um papel positivo na construção social da cidadania.

A Sociedade Civil, o Estado, e a Construção Social da

Cidadania

Como T.H. Marshall (1950) mostrou em seu trabalho seminal sobre cidadania, os direitos civis são a base para o desenvolvimento subseqüente dos direitos democráticos de cidadania nas sociedades modernas. Para Marshall, o reconhecimento de direitos civis universais de cidadania foi um requisito necessá- rio e inevitável para o desenvolvimento contínuo do capitalismo na Inglaterra do século XVIII e, por extensão, para outras sociedades que buscariam emular o sucesso econômico da Inglaterra. Pelos mesmos motivos, notadamente funcionalistas, o desenvolvimento contínuo do capitalismo requereu o reconhe- cimento estatal subseqüente, primeiro, dos direitos políticos universais e depois dos direitos sociais universais de cidadania. Esta expansão gradual de direitos de cidadania foi, de acordo com Marshall, necessária para legitimar as desigualdades sócio-econômicas contínuas que também eram inevitáveis sob o capitalismo.

A partir da perspectiva da experiência histórica da América Latina, a inevitabilidade de qualquer direito de cidadania universal associada com o desen- volvimento capitalista é suspeita e, de fato, a expansão dos direitos de cidadania tem sido freqüentemente associada a contrações na liberalização econômica (Oxhorn e Ducantenzeiler, 1999). Além disso, a tendência foi de conceder direi- tos sociais de cidadania seletivamente às custas de outros direitos, especialmente políticos (O’Donnell, 1979; Oxhorn, 2003b). Em lugar de legitimar os extremos

em desigualdade sócio-econômica, a concessão seletiva de direitos foi o principal mecanismo pelo qual se buscou a estabilidade política; em lugar de criar “cida- dãos” no sentido Marshalliano, os atores políticos principais eram cooptados por processos de inclusão controlada que segmentavam ainda mais as sociedades, minando seu potencial para a mobilização da classe mais baixa ou setor popular (Oxhorn, 1995)2.

O principal motivo pelo qual a compreensão funcionalista de Marshall da cidadania não é capaz de explicar a realidade latino-americana é que Marshall ignora o papel da sociedade civil na construção social da cidadania (Oxhorn, 2003b). A sociedade civil é definida aqui como:

“O tecido social formado por uma variedade de unidade auto-constitu- ídas territorial e funcionalmente que coexistem pacificamente e coletivamente

resistem à subordinação ao Estado, ao mesmo tempo em que exigem inclusão em

estruturas políticas nacionais” (Oxhorn, 1995: 251-52).

A partir desta perspectiva, os direitos de cidadania, incluindo sua exten- são (quem os desfruta) e amplitude (que direitos são incluídos), refletem de- mandas de grupos organizados diferentes com a sociedade civil em lugar das necessidades funcionais da economia. Onde a sociedade civil é forte, a extensão e amplitude dos direitos gozados pelos cidadãos serão altas como reflexo da rique- za do tecido social que é sinônimo de uma sociedade civil forte. Por sua vez, as sociedades civis fracas são refletidas em direitos de cidadania cuja extensão e amplitude espelham as assimetrias da estrutura social em termos de quais gru- pos são, ou não, capazes de reivindicar inclusão em estruturas políticas nacionais. Conseqüentemente, a falta de organização e inclusão de diferentes segmentos da população – geralmente a maior parte da população de muitos países latino americanos hoje – está refletida em níveis maiores de vulnerabilidade às políticas estatais de subordinação, e esforços de cooptação pela cessão seletiva de bens materiais, e, sob inclusão controlada, direitos de cidadanias (por exemplo, o México sob o PRI, Brasil sob Vargas) ou repressão (por exemplo, os regimes militares no Cone Sul e no Brasil).

No contexto de hoje, talvez o melhor exemplo desta dinâmica é a

marketização crescente do estado de direito (Oxhorn, 2004). Isto reflete a tendência

crescente na América Latina de um acesso a direitos civis básicos – notadamente o direito à justiça - dependente dos recursos econômicos da pessoa. Por um lado, há uma criminalização de facto da pobreza já que o policiamento repressivo contra os pobres é visto como a única alternativa viável às crescentes taxas de crimes, dada a falta de confiança nas instituições judiciais e policiais do Estado. Por outro lado, grupos mais privilegiados podem usar os recursos de medidas de segurança privada, ao mesmo tempo em que seus recursos econômicos permitem impuni-

envolvimento em corrupção e crimes de colarinho branco (Méndez, O’Donnell, e Pinherio, 1999; Neild, 1999; Pinherio, 1999, Holston e Caldeira, 1998).

Esta perspectiva também realça duas outras dimensões de cidadania e sua relação com a sociedade civil. A primeira, que o funcionalismo de Marshall também ignorou, é a natureza cumulativa do crescimento na sociedade civil e a expansão dos direitos de cidadania (Oxhorn, 2003b). Reinterpretar a teleologia de Marshall, dos direitos civis precedendo os direitos políticos que então condu- zem aos direitos sociais de cidadania torna essa dinâmica muito cumulativa. Em lugar de caracterizar o reconhecimento inicial dos direitos civis universais como conseqüência das necessidades funcionais do capitalismo (e dos capitalistas), os direitos universais de cidadania são melhor compreendidos como reflexo das demandas bem sucedidas do proletariado por tais direitos. Em especial, a efetividade dos direitos contidos na lei (ou seja, no papel), em última instância, depende da vigilância continuada do Estado e, quando a vigilância estatal falha ou não é suficiente, da civil para assegurar que o Estado cumpra suas obrigações para fazer valer tais direitos. O reconhecimento e execução efetiva dos direitos civis refletem a capacidade organizacional e o poder de grupos subalternos para ganhá-los com sucesso em lutas com o Estado e as classes mais privilegiadas que o controlam. Tais vitórias, por sua vez, provêem fontes institucionais novas de poder para esses mesmos grupos que exigiram com êxito o respeito aos direitos civis em primeiro lugar. Entre outras coisas, tais direitos tipicamente incluem o direito à organização, à liberdade de expressão, e o direito ao devido processo legal, todos os quais só somam ao poder político potencial requerido através da ação coletiva por parte de grupos subalternos. A partir desta perspectiva, parece lógico que tais grupos fossem usar seu recém adquirido poder para, primeiro, insistir (e eventu- almente ganhar) em direitos políticos universais, e, então, usar esses direitos políticos novos para votar em representantes que então estabeleceriam os direi- tos sociais universais de cidadania – a mesma teleologia descrita por Marshall, mas com uma lógica que reflete uma distribuição variável de poder entre os atores sociais e políticos.

Na América Latina, esta mesma lógica explica porque os direitos univer- sais de cidadania têm sido historicamente tão limitados, e também porque os direitos políticos no período atual não resultaram em maiores direitos sociais de cidadania ou em direitos civis mais seguros. Historicamente, através do populismo e do corporativismo do Estado, a organização autônoma da sociedade civil foi constrangida severamente pelo Estado e pelos atores de elite que o controlam. Esta foi a essência da inclusão controlada: mobilização de cima para baixo, visando a canalizar e moderar as demandas das classes mais baixas ao mesmo tempo que as novas desigualdades eram introduzidas entre os setores populares pelo mesmo fato que tais “direitos” eram tudo exceto universais. Quando isto

desmoronou, foi revelada a verdadeira natureza do sistema de dominação, na forma da repressão do governo militar. Onde isso não desmoronou tão clara- mente (como no México, na Venezuela e, em um grau mais limitado, na Colôm- bia), o resultado foi estabilidade política, mas não sociedades civis mais fortes caracterizadas por níveis mais altos de inclusão social e de direitos de cidadania que fossem particularmente amplos ou universais.

No período atual, embora os direitos de cidadania universais geralmente sejam o produto da mobilização bem sucedida da sociedade civil, o impacto cumu- lativo foi muito menos notável. Diversos fatores são responsáveis por isto (Oxhorn, 2003b; Oxhorn, 2004), mas dois merecem ser destacados aqui. O primeiro é a natureza das próprias transições, que invariavelmente levaram a uma desmobilização da sociedade civil. Esta desmobilização refletiu necessidades políticas (pelo menos como foram percebidos freqüentemente) de não provocar um retorno autoritário dos regimes que saíam e de seus partidários. Também refletiu em muitos casos vários acordos políticos ou “pactos” que impuseram limites significativos no pro- cesso de transição. De modo mais amplo, com o desaparecimento de um “inimi- go” inquestionável na forma de uma ditadura e sua substituição por um regime civil eleito popularmente, ficou mais difícil mobilizar os grupos discrepantes que são o resultado do alto nível de desigualdade da região. Ao mesmo tempo, os grupos tiveram que aprender a participar de políticas democráticas que envolvem a negociação, a tolerância e a capacidade de desenvolver propostas alternativas. En- quanto se tornou quase um clichê notar que os movimentos sociais responsáveis por ajudar a alcançar as transições para a democracia tiveram de avançar do “protes- tar” para o “propor” (de la protesta a la propuesta), permanece o fato de que, para se engajar com sucesso nos meios políticas democráticos, tais grupos devem poder definir seus interesses e defendê-los em interações com outros atores com base em grupos de alternativa políticas que encapsulam seus interesses e podem servir como base para a negociação e o acordo.

A segunda razão porque não foram refletidos direitos políticos univer- sais em maiores direitos sociais ou direitos civis mais fortes está ligada ao fato de que a democracia política foi caracterizada por uma variedade de fontes de insegu- rança e uma crise crescente de representação (Oxhorn, 2004). Estas várias ameaças para cidadania refletem os vários modos que as forças de mercado penetraram nas políticas democráticas e na sociedade na América Latina, um fenômeno que pode ser caracterizado como neopluralismo. Da mesma maneira que as eleições para os cargos executivos refletem um mercado (relativamente) livre de votos, contribuin- do para o crescente hiato que separa os representantes eleitos do eleitorado (pelo menos entre as eleições) as influências do mercado corroeram gradualmente o caráter universal de outros direitos. Elas também contribuíram para níveis crescen-

Estes padrões históricos na América Latina também sugerem que a teleologia que Marshall descreveu para a Inglaterra foi de muitas formas ideal: o poder social e o conseqüente poder político reflexo da força crescente de sociedade civil parecia (pelo menos até o surgimento de Margaret Thatcher e do neoliberalismo no final de década de 1970) inevitavelmente entrelaçado com maiores níveis de igualdade social e inclusão. No mesmo período na América Latina, em lugar do fortalecimento cumulativo da sociedade civil, houve uma acumulação notória de desigualdades sócio-econômicas. No período atual, como aumentaram tais desigualdades, o impacto sobre a sociedade civil foi bastante negativo, a ponto de inverter muitos dos ganhos durante o autoritarismo e a transição para a democracia3.

A segunda dimensão da cidadania e sua relação com a sociedade civil que destacada nesta perspectiva é o papel que o Estado inevitavelmente desempenha na construção social da cidadania. À parte do papel óbvio que o Estado teve historicamente na América Latina em termos de limitar a expansão dos direitos de cidadania universal, o Estado também tem um papel importante em aumen- tar a habilidade da sociedade civil, em assegurar respeito a direitos universais de cidadania mais amplos, mais expansivos. Por um lado, o Estado deve estar aberto à influência da sociedade civil. Por isso, os direitos políticos universais de cidadania são necessariamente bons para a sociedade civil; eles abrem, pelo me- nos, algum espaço para a sociedade civil influenciar os resultados políticos, ofere- cendo a perspectiva que a sociedade civil usará esse espaço para ampliar sua influ- ência sobre a política. Ao mesmo tempo, tal receptividade para a sociedade civil cria novos incentivos para as pessoas se organizarem e tentarem coletivamente influenciar a política democraticamente, de formas que reflitam seus próprios interesses. Talvez o melhor exemplo disto seja o orçamento participativo que cria mecanismos novos para a influência da sociedade em decisões políticas impor- tantes que, por sua vez, levou a um fortalecimento objetivo da sociedade civil pela geração de uma organização mais autônoma dentro dela (Wampler e Avritzer, 2004). Como será discutido na próxima seção, programas de justiça restaurativa também representam uma forma de democracia participativa, aplicado ao siste- ma de justiça.

O Estado também tem um papel inevitável para ajudar diretamente a sociedade civil a se organizar. Isto é característico da relação entre o Estado e a sociedade civil em democracias desenvolvidas, inclusive nos Estados Unidos (Skocpol, 1996). Na América Latina, onde os obstáculos para o desenvolvimento da sociedade civil são muito maiores devido a níveis históricos mais altos de desigualdade, a importância do Estado para ajudar a compensar estes obstáculos é muito maior (Oxhorn, 2003a). Dado o papel do Estado de controlar, senão reprimir, o aparecimento de sociedades civis genuinamente autônomas, o desa-

fio é enorme. Mas também há um exemplo claro: a Igreja Católica. Depois de literalmente séculos de apoio, primeiro à administração colonial e depois disso a várias formas de governos autoritários na região, este ator hierárquico, patriarcal e transnacional teve um papel fundamental no apoio ao aparecimento de formas mais autônomas de organização social que se tornariam os atores fundamentais nas transições para a democracia dos anos oitenta. Enquanto a relação entre a Igreja Católica e sociedade civil nunca foi isenta de tensões (que aumentaram notadamente quando as tendências conservadoras dentro da Igreja vieram a predominar de maneira geral depois que foram alcançadas as transições para a democracia4), em um tempo relativamente curto, começando no final da década de 1960, a Igreja exibia uma atitude nova para as organizações de base que enfatizava ensinar as pessoas a se organizar, o valor de tal organização e o respeito pela autonomia de tais organizações. Experiências igualmente importantes po- deriam ser (e freqüentemente foram) traduzidas em outros contextos fora da influência da Igreja, contribuindo para uma maior capacidade de auto-organiza- ção entre os cidadãos. De fato, um dos desafios do período atual é recobrar esta experiência organizacional positiva e adaptá-la às exigências do desafio neopluralista de política democrática – um desafio que a Igreja (pelo menos até agora) não parece disposta a assumir, mas um desafio que os Estados ignoram pondo em risco a continuidade dos governos democráticos.

Em última análise, o objetivo de tais relações entre o Estado e a socie- dade civil é a sinergia: o Estado que trabalha ativamente com a sociedade civil para alcançar resultados positivos para o fortalecimento da democracia e a promoção de desenvolvimento mais eqüitativo (Evans, 1997; Oxhorn, 2003a). Historica- mente, talvez o melhor exemplo de tal sinergia entre o Estado e a sociedade civil sejam os estados de bem-estar social da Europa Ocidental após a Segunda Guer- ra Mundial, onde o trabalho organizado, os negócios organizados e o Estado trabalharam juntos para assegurarem as políticas sociais mais avançadas no Nor- te, combinada com altos níveis de eqüidade. Em muitas formas, essa foi a antítese do padrão das relações entre o Estado e a sociedade durante o mesmo período na América Latina, onde (na medida em que o Estado interagia com grupos de subalternos sem reprimi-los) a inclusão controlada foi projetada para deliberadamente limitar o crescimento da sociedade civil ao reduzir a cidadania e prevenir o tipo de desenvolvimento eqüitativo, democrático idealizado na teleologia de Marshall.

Mais concretamente, a garantia efetiva dos direitos civis universais refle- te inerentemente este tipo de sinergia entre o Estado e a sociedade civil. No nível mais básico, a justiça efetiva requer que as instituições policiais e judiciais do Estado trabalhem com a sociedade civil. Para começar, o policiamento efetivo

leis melhores, melhor treinamento policial, mais responsabilidade judicial e melhorias relacionadas ao sistema de justiça do Estado invariavelmente levem a um aumento aparente na criminalidade, já que as pessoas que agora têm maiores níveis de confiança e mais vontade de cooperar com os funcionários do Estado informam crimes que previamente não eram informados. Além disso, a efetiva prevenção ao crime é impossível a menos que o Estado trabalhe ativamente com os representantes da sociedade civil para retificar as causas sociais do crime. Real- mente, a falta de tal cooperação ou sinergia é refletida naquilo que se tornou um círculo vicioso: dado o fato de que os pobres são as vítimas principais do crime e sua confiança na habilidade (ou vontade) do sistema de justiça criminal estatal de protegê-los adequadamente dele, há evidências crescentes de que por toda a re- gião os pobres estão se tornando os principais partidários de táticas policial repressivas que minam ainda mais a universalidade dos direitos civis porque tais políticas de mão-de-ferro são vistas como sendo, pelo menos a curto prazo, mais efetivas (Méndez, O’Donnell, e Pinherio 1999; Neild, 1999; Oxhorn, 2004). A partir desta perspectiva, talvez a diferença fundamental entre um Estado policial e o Estado democrático de direito seja a ausência ou a presença de sinergia entre o Estado e a sociedade.

O exemplo dos direitos civis sublinha as conseqüências de lidar com este problema para a qualidade de democracia de modo mais amplo. Taxas crescentes de criminalidade, a insegurança física geradas por elas, e as políticas estatais repressivas que eles freqüentemente geram têm como conseqüência direta o enfraquecimento da sociedade civil. Novamente, são os pobres e os menos favorecidos que sofrem mais diretamente as conseqüências que isto tem para a atomização e a fragmentação da sociedade civil, dado que os recursos econômicos à disposição de grupos mais privilegiados lhes permite escapar pelo menos de algumas das conseqüências da marketização do estado de direito. De modo mais amplo, o medo do crime se traduz em uma falta de confiança, não apenas nas instituições estatais, mas em outras pessoas; organizações e a ação coletiva se tornam mais difíceis, tornando a sinergia efetiva entre o Estado e a sociedade em outras áreas além do crime ainda mais difícil. A acumulação ideal de poder por parte da sociedade civil que é capturada pela teleologia original de Marshall pode funcionar de fato na direção oposta em uma região como a América Latina, onde obstáculos históricos para a organização autônoma de grupos subalternos são compostos pela natureza limitada das transições democráticas e até mesmo o impacto mais negativo da crescente insegurança econômica e física associados ao neopluralismo e a marketização do estado de direito. Mesmo se as pessoas continuarem a julgar a democracia como a forma preferível de governo, elas podem crer que ela é cada vez mais irrelevante para resolver seus problemas cotidianos mais urgentes e recorrer, como é o caso no apoio da criminalização da

pobreza, a soluções cada vez mais autoritárias que oferecem a promessa de en- contrar soluções efetivas (PNUD, 2004).

É claro que, pelas mesmas razões que a falta de direitos civis universais pode ter um impacto negativo cumulativo na sociedade civil e na qualidade de democracia, também é possível que soluções efetivas para este problema basea- das na sinergia entre o Estado e a sociedade civil possam ter o efeito cumulativo positivo oposto. Se o problema da falta de direitos civis universais for abordado pelo Estado de uma forma a contribuir para uma construção social mais inclusiva de cidadania ao construir a capacidade da sociedade civil e do Estado de se engajar em sinergia, uma conseqüência pode ser que os fundamentos para que se consiga uma democracia de melhor qualidade seja mais pertinente para atender as neces- sidades urgentes da maioria. Em outras palavras, pode ser mais que uma coin- cidência que o processo cumulativo da expansão dos direitos universais de cida- dania como descrito por Marshall tenha começado com os direitos civis. Em lugar de ser a exigência inevitável para a expansão capitalista, os direitos civis podem ter oferecido um ponto de partida particularmente frutífero para os gru-

No documento JUSTIÇA RESTAURATIVA. Coletânea de Artigos (páginas 189-196)