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Os mercados podem ser entendidos, num sentido concreto, como as organizações e instituições que dão funcionalidades aos processos, como empresas, marketplaces, informações sobre preços ou garantias legais, ou, num sentido abstrato, como relações de oferta e demanda (ALLAIRE, 2013). Para a economia, os mercados são um campo de estudo que integram o sistema econômico fornecendo subsídios para o estudo de fenômenos locais relacionados à produção, distribuição e o consumo de bens e serviços, considerando que os meios de produção disponíveis são sempre escassos, limitados ou finitos, enquanto que as necessidades são sempre ilimitadas ou infinitas (ARBAGE, 2012).

Na sociologia econômica os mercados são entendidos como estruturas sociais caracterizadas por relações sociais entre empresas, trabalhadores, fornecedores, clientes e governos que tornam possíveis tanto à ação coletiva quanto individual (ALLAIRE, 2013). Neste sentido, o termo “mercado” terá neste trabalho a conotação de ser um espaço em que ocorrem relações sociais entre produtores e consumidores inseridos em um sistema econômico maior que abarca interferências no comportamento com consumidores, organizações e instituições integrantes de um macrosistema maior e amplo, que transcende as capacidades locais com suas singularidades.

A economia como ciência se sustenta na Teoria Econômica, composta pela Micro e Macroeconomia (ARBAGE, 2012). A Microeconomia se preocupa com as diferentes situações de mercados existentes relacionados ao comportamento das famílias e das empresas e os mercados nos quais operam, ao passo que a Macroeconomia se preocupa com os agregados econômicos, como o produto nacional e o nível geral de preços, por exemplo, num

enfoque de análise global (VASCONCELLOS, 2011). Assim, a Microeconomia estuda as unidades para poder explicar o todo, enquanto a Macroeconomia faz o inverso, mas as duas entre si são complementares uma a outra auxiliando o indivíduo na compreensão da relação de causa e efeito presentes nos diversos níveis da atividade econômica e na vida das pessoas (ARBAGE, 2012).

Para uma concepção inicial, os mercados podem ser entendidos a um lugar físico em que determinados agentes econômicos (produtores e consumidores) realizam suas transações, mas, numa conotação econômica, a concepção deste conceito vai além, assumindo uma abstração econômica que está relacionada às dificuldades com que organizações se defrontam no mercado de recursos (oferta e demanda) (ROSSETTI, 2013). Neste sentido, os mercados aparecem como instituições externas ao ambiente ou contexto local que precisam ser percebidas e entendidas quanto ao que buscam, fazendo-se necessário, assim, ouvi-los, respeitá-los e acalmá-los, por vezes (MARQUES; CONTERATO; SCHNEIDER, 2016).

A base que se estabelece a partir da produção e distribuição (este entendido como processo repartitivo) constitui-se numa perspectiva socialista e de qual matéria se ocupa a economia (ROSSETTI, 2013). Ou seja, a base desta perspectiva se volta ao homem como ser constituinte da sociedade que sente necessidades diversas, das quais uma é de caráter biológico e indispensável à vida, e a outra de convício nela, tornando-se indispensável usufruir de bens extraídos da natureza, os transformando ou modificando para serem consumidos, distribui-los no espaço e estoca-los. Este processo envolve o trabalho combinado e associado com membros da sociedade que visam, no final, a distribuição/repartição deste produto social do trabalho (LANGE, 1967, apud ROSSETTI, 2013).

O mercado se constitui de dois grupos, um de compradores - que abrange os consumidores de bens e serviços -, e o de vendedores – que podem ser os próprios produtores comercializando ou vendendo para empresas que adquirem mão de obra, capital e matéria- prima necessários para a produção de bens e serviços a serem disponibilizados aos consumidores (PINDYCK; RUBINFELD, 2010). Com este sentido, o mercado se constitui a partir da interação social de pessoas em um espaço no qual ocorrem trocas, diálogos, negociações, conflitos, compras e vendas, como também é o caso de feiras, mercearias, supermercados, casas comerciais, dentre outros (MARQUES; CONTERATO; SCHNEIDER, 2016).

Para produtos agropecuários, assim como de outras mercadorias, pode-se falar em níveis de mercado, como o mercado do produtor, mercado atacadista e mercado varejista

(BARROS, 2007). No primeiro tipo, o autor esclarece que é aquele no qual os produtores disponibilizam seus produtos aos intermediários, que fazem deste mercado um segmento em que ocorrem transações mais volumosas com outros atacadistas ou com os varejistas que formam o mercado em que os consumidores adquirem os seus produtos na forma de mercadorias e que constitui o último elo da cadeia de intermediários envolvidos na comercialização.

Assim, ficou perceptível que os mercados podem conectar, direta ou indiretamente, produtores e consumidores, podendo isto ocorrer de maneira simples ou complexa. O primeiro modo é aquele no qual as transações e fluxos de produtos são visíveis, ao passo que no segundo elas ocorrem de modo invisível ou anônimo em que sistemas organizam o fluxo de produtos de um lugar a outro por meio de transações complexas e inter-relacionadas (PLOEG, 2016). Porém, independente dele ser abstrato ou concreto, ele é fundamental para a organização da vida das pessoas em sociedade, seja no aspecto social, político e/ou cultural (MARQUES; CONTERATO; SCHNEIDER, 2016).

O estudo sobre mercados não é algo novo, mas necessário para a compreensão das transformações e novas configurações pelas quais os mercados, em particular os agrícolas e agroindustriais, vêm passando e estabelecendo relações com segmentos como a agricultura familiar e os processos de desenvolvimento rural (WAQUIL, 2016). Neste sentido, a literatura apresenta um dualismo que contrapõe o “mercado” caracterizado ora como convencional, ora como mainstream ou “de commodities”, e outro, o “mercado alternativo”, que se organiza na forma de redes, enraizados (embedded) ou locais ou que se instituem por cadeias curtas (WILKINSON, 2016). Para complementar, Waquil (2016) se refere as diferenças existenciais deles referindo-se aos primeiros como o convencional, dominante ou global e com produtos padronizados, e ao segundo como os localizados, enraizados e com produtos diferenciados. Independente do tipo, há também uma visão de quem considera que as diversas situações são um continuum que sempre está em mudanças em função das tensões, disputas, oportunidades e desafios a que estão sujeitos (WAQUIL, 2016).

É neste contexto global que, por exemplo, Ploeg (2016) analisa a inserção de produtores que se aninham a novos mercados que operam por dentro ou mesmo paralelamente às lacunas estruturais deixadas pelos grandes mercados agrícolas e de alimentos e a subsequente geração de renda no centro dos atuais processos de desenvolvimento rural. Ou seja, segundo o autor, o que explica a dinâmica do desenvolvimento rural provocado pela comercialização de produtos agrícolas e de alimentos deve se dar não somente pela análise

das cadeias curtas sob a marca do local, mas pela forma com que novos mercados são criados (aninhados) por dentro ou conjuntamente ao funcionamento de outros maiores (PLOEG, 2016). O diferencial não está unicamente na forma de produzir, como seria o caso dos produtos orgânicos ou dos produtos frescos, mas no modo diferente com que eles são inseridos no mercado. E características como flexibilidade e estabilidade são fundamentais neste modelo, assim como a forma de comercialização a exemplo da que ocorre no mercado spot clássico (vendas à vista), também em oposição aos mercados globais (PLOEG, 2016).

Movimentos alternativos, como comércio justo, alimentos orgânicos e Slow Food são exemplos de novos movimentos sociais-econômicos com características voltadas ao mercado com adoção de determinados valores, ou pela construção de novos, e que criam redes envolvendo produtores, distribuidores, mercados apoiadores e consumidores que assegurem afirmações de valor sem garantias formais (WILKINSON, 2016). É o que ocorre, segundo o autor, nas vendas diretas de agricultores a consumidores pela internet, ou produtos certificados, ou ainda campanhas de promoção de comércio justo para mudar normas do comércio convencional.

Nas mais diversas partes do mundo têm sido crescente a demanda por produtos alimentares locais expressos de diversas formas que conectam produtores e consumidores (ALLAIRE, 2016), como é o caso das feiras de agricultores e da “agricultura comunitária” nos Estados Unidos da América, entrega de cestas no Reino Unido, da Associação para a Manutenção da Agricultura Camponesa na França (LAMINE, 2008, apud ALLAIRE, 2016, p.75). Políticas específicas para a valorização de produtos locais estão sendo utilizadas para proteger o mercado doméstico de alimentos e garantir a segurança alimentar, como aquelas promovidas à Agricultura Familiar no Brasil, e ainda promover o desenvolvimento local a partir de iniciativas como as de feiras de agricultores com produtos típicos (ALLAIRE, 2016). Desta forma, é perceptível a inserção ou a relação de agricultores no mercado sendo ele um fato dado e observável cotidianamente, fazendo parte dos processos sociais de produção e reprodução das atividades econômicas de famílias, influenciando na vida destas pessoas, em seus valores, na cultura e suas formas de organização (SCHNEIDER, 2016). Para o autor, por vezes ele também é espaço e objeto de instauração de conflitos, disputas e protestos, sendo estes tipicamente originários da contradição existente dos interesses individuais e sociais.

Mas, “de onde vem os mercados?” é a pergunta que White (1981) fez para compreender a estruturação deles. Para tanto, o autor envolveu a teoria econômica neoclássica

das firmas com a visão sociológica dos mercados para argumentar que estes são estruturas sociais de reprodução próprias de grupos de atores específicos e outros atores, e envolvem a observação do comportamento para cada grupo formado (WHITE, 1981). Neste modelo, os atores procurariam alternativas novas a partir do que observam do comportamento dos outros atores para então criarem “nichos”, evitando, assim, o confronto direto da concorrência.

É nesta linha de raciocínio que Fligstein (1996) argumenta, e incorpora o Estado como um agente controlador. Ou seja, os atores sociais que constituem o mercado buscam continuamente a estabilidade e soluções para a concorrência, bem como compreender como ele e o Estado estão intimamente ligados (FLIGSTEIN, 1996). Neste sentido, o autor argumenta que mercados se formam de diversas maneiras de acordo com a cultura presente na sociedade, tendo em instituições como o direito de propriedade, estruturas de governança, concepções de controle e regras de troca os mecanismos que viabilizam a sua constituição. Fligstein (1996) se refere às instituições ao conjunto de papeis como leis, acordos coletivos, costumes ou acordos implicitos ou explicitos que são abarcados pelas organizações.

Para fins didáticos, será esclarecido nos parágrafos abaixo o significado das expressões adotadas por Fligstein (1996), com a contribuição de Allaire (2013) em alguns casos.

O direito de propriedade se refere a quem pode usufruir dos lucros obtidos pelas empresas, deixando em aberto a discussão de problemas relacionados às questões formas legais, relações entre acionistas e empregadores, comunidades locais, fornecedores e consumidores, e a interferência do papel do Estado com o direcionamento dos investimentos, reconhecendo empresas e protegendo trabalhadores (FLIGSTEIN, 1996). Contudo, para o autor a organização do direito de propriedade é um processo continuo e contestável, e não um processo eficiente, uma vez que o interesse de grupos organizados (empresários, trabalhadores, agencias de governo e partidos políticos) afetam a constituição dos interesses do direito de propriedade.

As estruturas de governança definem os papeis na sociedade para que os atores possam competir, cooperar e definir modos específicos no mercado de como as empresas podem se organizar (FLIGSTEIN, 1996). As regras estabelecem as formas legais e ilegais de como as empresas podem controlar a concorrência, podendo ocorrer com a criação de leis (característica fortemente enraizadas nas sociedades industriais avançadas) ou pelas práticas institucionais informais (mais relacionadas as rotinas e organização do trabalho incorporado nas práticas institucionais).

As concepções de controle se referem às compreensões que estruturam as percepções dos atores sobre como um mercado funciona, permitindo interpretarem o seu mundo, criar expectativas e agir para que tenham controle sobre sua situação (ALLAIRE, 2013). Dentre as estratégias, estão a integração - com a função de prevenir a guerra dos preços - e a diversificação - que implica em entrar ou criar novos mercados para aumentar as chances de sobrevivência da organização (FLIGSTEIN, 1996). Já as regras de troca, para o autor, definem quem pode realizar transações comerciais bem como com quem e sob que condições os atores no mercado se organizam para competir, cooperar e trocar.

As instituições presentes na estruturação dos mercados são, de acordo com Fligstein (1996) arenas nas quais o Estado define e estabelece regras para os atores econômicos. Tem por objetivo definir condições estáveis e confiáveis em que organizações possam se articular para competir, cooperar e trocar (FLIGSTEIN, 1996).

Com foco nos atores como agentes da reprodução social, Fligstein (2001) desenvolve a ideia de habilidade social4 para auxiliar na análise do papel que eles desenvolvem para a formação, estabilidade e transformação de ordens sociais locais5 numa ação coletiva para a construção e reprodução dessas ordens como pressuposto sociológico em contraposição ao individualismo mercadológico. Assim, a formação ocorreria quando estes atores sociais se confrontariam a outros no sentido de contestação, em luta por recursos escassos entre grupos de diferentes níveis de poder (FLIGSTEIN, 2001). Ainda de acordo com o autor, estas tentativas visam atingir níveis estáveis quando determinadas situações não servem ou deixaram de atender seus propósitos.

A estabilidade é buscada de várias formas, mas domínio/poder e imposição/privilégios são características almejadas por atores poderosos para estabilizar sua situação em relação a outros com menor poder (FLIGSTEIN, 2001). Nesta lógica, para o autor os campos6 ajudam a reproduzir o poder e o privilégio dos grupos responsáveis que neles mais se beneficiam, enquanto definem posições aos desafiantes que adquirem estabilidade para sobreviver em nível mais baixo de recursos. Este pensamento converge ao de White (1981), uma vez que a

4 A habilidade social se sustenta na ideia de que atores precisam induzir a cooperação de outros, os motivando

para uma ação coletiva que é crucial para a construção e reprodução de ordens sociais locais, e o fazem a partir da sua habilidade de criar estratégias sob diferentes condições de poder e incerteza (FLIGSTEIN, 2001).

5 As ordens sociais locais são as forças que operam em cenários de disputa de poder que Fligstein (2001) chama

de “campos”, “arenas” ou “jogos” em que instituições se criam como resultado da interação de forças entre atores que se confrontam em campos, ou arenas, ou jogos (FLIGSTEIN, 2001).

6 Os campos são as diversas situações em que os grupos organizados de atores se reúnem e face a face articulam

observação seria o instrumento utilizado para criar novas alternativas por dentro do mercado (nichos) sem se confrontar diretamente com a concorrência e adquir poder e estabilidade.

Na medida em que a estabilidade ocorre, o jogo entre os atores se desenrola e grupos dominantes reproduzem o seu poder (FLIGSTEIN, 2001). Contudo, o autor argumenta que quando os equilíbrios construídos começam a se romper, surgem as transformações em um determinado campo, que são decorrentes de alguma crise originária entre os grupos ou mesmo do próprio campo, podendo elas ser endógenas ou exógenas.

Para agricultores, em particular os familiares, Schneider (2016) aponta para quatro tipos de mercados que são acessados por esta categoria social, a saber, os mercados de proximidade, os mercados locais e territoriais, os mercados convencionais e os mercados públicos e institucionais. O mais usual para o primeiro tipo de mercado são as vendas diretas, cujo canal de comercialização adotado pode se dar com as vendas diretamente na propriedade, ou na entrega em domicílio, com a venda na beira de estradas ou em feiras livres, por meio de entregas diretas ou a grupos de consumo (SCHNEIDER, 2016).

A opção adotada por agricultores de Santa Rosa de venderem seus produtos na feira livre do município pode ser interpretada no contexto de Fligstein (1996) e Fligstein (2001) como alternativa na organização de um mercado, criado a partir de um grupo de atores sociais com dificuldades de se inserirem num mercado maior e hegemônico (WILKINSON, 2008). Sob a prescritiva de White (1981) esta pesquisa se aproxima à compreensão de como estes atores socias se percebem e articulam frente aos desafios encontrados.

Porém, para entender melhor esta alternativa adotada por este grupo de agricultores, procurar-se-a também compreender o funcionamento das cadeias agroalimentares, em particular aquelas que se caracterizam como cadeias curtas.