• Nenhum resultado encontrado

2.3 CADEIAS DE PRODUÇÃO AGROALIMENTAR

2.3.3 Os canais de distribuição curtos e o desenvolvimento

Extensa pesquisa sobre impactos das cadeias alimentares de distribuição curta (Short Food Supply Chain - SFSC) nos estudos empíricos pela Europa tem evidenciado que elas têm implicações sociais, econômicas e ambientais para produtores e sobre consumidores (KNEAFSEY et al., 2013). Nos impactos sociais, os SFSC‟s evidenciam favorecerem a

interação e conexão entre produtores e consumidores promovendo o desenvolvimento da confiança e do capital social, e, quando cultivados em áreas rurais, desempenham papel importante na vitalidade e qualidade de vida nestas áreas, enquanto que nas áreas urbanas eles se concentram em mudanças sociais inclusivas. Economicamente, os benefícios se concentram no desenvolvimento rural e na regeneração econômica com efeito multiplicador nas economias locais, mais do que as cadeias longas, além de corroborarem com a manutenção do emprego local em áreas rurais e flexibilizarem sinergias com a promoção do turismo rural. Sobre o efeito ambiental as discussões, segundo os autores, ainda são grandes e acaloradas e se polemizam se o local7 é significativo na redução de gases do efeito estufa.

Mundler e Laughrea (2016), ao analisarem as contribuições dos SFSC‟s para o desenvolvimento em três regiões do Quebéc – Canadá identificaram elementos positivos em âmbito social, econômico e ambiental, conforme Kneafsey et al. (2013) apuraram em diversos estudos em regiões distintas da Europa. Contudo, as maiores contribuições para o desenvolvimento em territórios do Quebéc se fizeram perceber nas habilidades e capacidades de negociação dos produtores, na satisfação com o trabalho e o reconhecimento social e financeiro flexibilizado por este sistema, oportunidades de trabalho, o uso de práticas ecológicas e a implantação de atividades educacionais na propriedade (MUNDLER; LAUGHREA, 2016).

A participação do poder público no processo de desenvolvimento é um elemento chave, em especial o poder local que cada vez mais precisa de espaço na agenda para não só compreender processos sociais, econômicos, espaciais ou culturais, mas também se articular na criação de políticas para pensar o desenvolvimento (JACOBI, 1999; FAZIO, 2016).

Para o desenvolvimento rural, novas políticas públicas com foco na comercialização dos produtos agrícolas deixaram de acontecer no Brasil após as iniciativas que o poder público teve na década de 1970 com a construção de centrais de abastecimentos na distribuição de produtos (BELIK; ALMEIDA CUNHA, 2015). No entanto, a comercialização é, segundo os autores, um elo importantíssimo no processo produtivo e o abandono de ações públicas para o abastecimento se reflete na falta de opções de comercialização para a produção familiar.

7

O local é aqui percebido, segundo Kneafsey et al., (2013), como o lugar em que agricultores inseridos em canais de distribuição curtos produzem os seus bens comercializáveis e se o impacto desta produção é significativa na geração destes poluentes.

As feiras livres têm se mostrado uma alternativa para produtores rurais comercializarem os seus produtos, mas elas raramente são objeto de políticas públicas (PIERRE; VALENTE, 2010). O que se tem observado é o poder público local (particularmente as prefeituras) cedendo um local em que os agricultores possam comercializar os seus produtos, como destacado por Ângulo (2002) em Turmalina/MG, Godoy (2005) em Pelotas/RS, Silva et al. (2014) em Santo Augusto/RS e São Pedro do Sul/RS, e em Santa Rosa (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA ROSA, 2013, 2014, 2015).

Um exemplo da construção conjunta de uma política pública voltada para o desenvolvimento rural pode ser tomada em Guerreiro (2008). O caso retrata a criação de políticas públicas regionais e/ou locais na Província de Missiones – Argentina que incentivem a valorização dos produtos locais comercializados em feiras livres, visando a busca de maior autonomia para pequenos produtores, como alternativa para o incremento na renda familiar e a inserção social destas famílias permitindo-lhes facilidades para o acesso a mercados locais (GUERREIRO, 2008). Segundo a autora, as ações foram conjuntamente planejadas e articuladas entre organizações públicas e da sociedade civil e com a participação dos agricultores, visando o desenvolvimento da região frente a problemas estruturais emergentes que vinham marginalizando a população rural na região citada.

A comercialização da carne de cordeiro na região do Alto Camaquã, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, também conta com a participação do poder público local na viabilização do seu funcionamento e a criação de parcerias entre instituições (MATTE, 2016), assim como o caso apresentado por Ploeg (2016) na comercialização da carne do cordeiro típico da Ilha de Texel – Holanda quando integrado em canais de distribuição de proximidade espacial. Estes casos retratam situações em que o poder público local, em especial as prefeituras, se faz presente e, geralmente, necessárias para que produtores familiares possam acessar os mercados na comercialização de seus produtos e serem agentes promotores do desenvolvimento. Contudo, apenas a disponibilização de uma infraestrutura para a comercialização dos produtos pode ser uma iniciativa ainda considera tímida requerendo, também, uma ação mais ativa destas instituições, a exemplo dos casos apresentados por Guerreiro (2008), Matte (2016) e Ploeg (2016).

Os casos acima assistem situações em que o desenvolvimento emerge da articulação dos atores locais com organizações públicas e instituições da sociedade civil e que fogem dos modelos estruturais dominantes, a saber, o modelo da teoria da modernização e da teoria neomarxista (LONG; PLOEG, 2011). Segundo estes autores, a primeira das abordagens

concebe o desenvolvimento num movimento progressivo ao tecnicismo e o envolvimento crescente em mercados de commodities, ao passo que o segundo se acentua na natureza expoliativa e do acúmulo de capital.

Práticas com base no conhecimento dos agentes locais diretamente envolvidos não são situações ímpares aos olhos do desenvolvimento endógeno. Nestes espaços, no qual se considera a natureza essencial e a importância da agência humana, os limites da informação, a incerteza e de outras restrições fazem os atores sociais deterem conhecimentos e capacidades próprias para se estruturarem (LONG; PLOEG, 2011). Para Giddens (1979), que desenvolve a noção de agência, as relações entre a ação dos atores e a estrutura são interdependentes e precisam ser compreendidas ao longo do tempo, considerando que elas são inerentes às relações sociais que se formam em um determinado local.

Nesta perspectiva, a discussão das relações sociais estabelecidas por agricultores para acessarem mercados, como o de uma feira livre, permite compreender sua dinâmica a partir da experiência dos atores locais e da forma como se inter-relacionam com o mercado (GIDDENS, 1979; LONG, PLOEG, 2011).

Assim sendo, feiras livres se constituem em importantes espaços para a comercialização de produtos para agricultores familiares, principalmente por elas se configurarem como um mecanismo mais acessível a este público para se inserir no mercado, propiciarem a inclusão social, contribuírem na renda familiar e na movimentação de recursos financeiros locais. As políticas públicas que incentivem o acesso e venda de produtos nestes espaços são fundamentais tanto numa tentativa de frear o êxodo rural quanto incentivem o consumo destes produtos localmente referenciados, contribuindo com a renda destas famílias, melhorando suas condições de vida e busca da autonomia, propiciar a inclusão social e preservar os hábitos e cultura alimentar local.