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2.3 CADEIAS DE PRODUÇÃO AGROALIMENTAR

2.3.2 As cadeias agroalimentares curtas

2.3.2.1 Feiras Livres

As feiras livres se originaram na antiguidade e foram oficializadas na idade média, sendo considerada uma das formas mais tradicionais no comércio varejista, funcionando inicialmente num sistema de troca entre mercadorias e, mais tarde, pela troca por dinheiro (GONÇALVES DE SOUZA, 2004; SOUZA, 2005). No Brasil, esta forma de comercialização foi empregada pelos camponeses desde a colonização do país em 1500 e atualmente continua a se constituir numa forma usual na comercialização, principalmente, de produtos hortifrutigranjeiros nos diversos centros urbanos (ÂNGULO, 2002; FORMAN, 2009).

As feiras livres são equipamentos urbanos que existem e resistem tanto em cidades do interior quanto nas metrópoles, com características semelhantes tanto no Brasil como fora dele, apresentando-se como uma solução usual e flexível para o abastecimento urbano (ULYSSÉA, 1982). Como um importante mercado varejista em diversas cidades, elas podem ser fixas, funcionando algumas vezes durante a semana, ou móveis e eventuais, sendo um mecanismo para integrar produtores rurais no mercado, viabilizando a venda direta a consumidores finais (MACHADO; SILVA, 2009). Podem ser consideradas como espaços populares de comercialização de produtos alimentares provenientes principalmente da agricultura familiar, facilitando o acesso de alimentos à população em geral, além de aproximar quem produz de quem consome (BRASIL, 2015).

De acordo com o Mapeamento de Segurança Alimentar e Nutricional – MAPASAN -, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS – no ano de 2014, dos 1.628 municípios brasileiros que responderam a pesquisa realizada pela Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional, neles existem 5.119 feiras livres e 1.331 feiras de alimentos orgânicos, totalizando 6.450 feiras livres e agroecológicas (BRASIL, 2015). Porém, o número de municípios pesquisados representa em torno de 29,27% do total dos 5.561 contabilizados pelo IBGE no ano de 2000, o que implica imaginar que o número de feiras livres e agroecológicas existentes no Brasil deve ser maior do que o quantitativo informado na pesquisa.

A feira pode vender produtos específicos ou mesmo uma variedade grande de produtos (ULYSSÉA, 1982). No estudo apresentado pelo MAPASAN, foram identificados dois tipos de feiras livres, as tradicionais ou convencionais popularmente conhecidas como “feiras livres” e as de alimentos orgânicos (BRASIL, 2015). De modo análogo, no estudo realizado por Godoy (2005) no município de Pelotas/RS, o autor também se refere a dois tipos de feiras livres de produtos hortigranjeiros, as tradicionais/convencionais e as orgânicas. A feira livre convencional o autor caracteriza como aquela em que ocorre a comercialização de produtos hortigranjeiros sem distinção ou restrição ao modo de produção dos produtos comercializados, enquanto que a feira livre ecológica é aquela em que os produtos comercializados são obrigatoriamente oriundos do sistema agrícola de base de produção ecológica (GODOY, 2005).

As feiras livres podem ser vistas como um lugar de desordem, sujeira e barulho, bem como lugar de bons preços, boas conversas, calor humano e um bom espaço para a comercialização (ULYSSÉA, 1982). Podem, ainda, serem consideradas como precários equipamentos urbanos na distribuição de produtos sob o ponto de vista da vigilância sanitária se não venderem produtos higienizados ou embalados (como por vezes ocorre em feiras tradicionais), ou ineficientes sob o ponto de vista econômico-financeiro (MACHADO; SILVA, 2009). Sob o ponto de vista ineficiente das feiras livres na economia, elas integram o que Santos (2009) chama de circuito inferior da economia, formados essencialmente pelo pequeno comércio, de produtos manufaturados de capital não intensivo, ou seja, capital em grande parte formado pelos produtos artesanais e serviços não modernos – aqueles que não usam de forma intensiva o capital e privilegiam a mão de obra familiar (SANTOS, 2009).

Para que as feiras livres cumpram o seu papel no mercado de abastecimento alimentar, é preciso que os permissionários vendam e obtenham lucros (ULYSSÉA, 1982), além de ser necessário que acompanhem as mudanças que ocorrem nos canais de distribuição bem como as demandas do mercado consumidor para que não percam sua importância na função de abastecer o mercado alimentar (MACHADO; SILVA, 2009). Diante de problemas estruturais que estes espaços vem enfrentando, Machado e Silva (2009) apontam que algumas tem encontrado alternativas criativas para acompanhar o processo de modernização, como é o caso das “Feiras Limpas”, nas quais os produtos comercializados são higienizados e embalados para transmitirem uma ideia de assepsia, percepção não presente em muitas feiras tradicionais. Ainda de acordo com as autoras, outras ações visam resgatar a venda direta do

produtor que representa, para os consumidores, a possibilidade de obterem produtos mais baratos e sem, ou com o uso menos intensivo, de agrotóxicos.

As feiras livres também são espaços utilizados como canais de distribuição de produtos oriundos da agricultura familiar e cuja forma de apresentação in natura faz com que sejam reconhecidos como produtos de qualidade única uma vez que se associam a valores tradicionais (PIERRE; VALENTE, 2010). Cresce, também, a busca e a valorização de produtos que conferem ao consumidor um caráter especial de consumo (CRUZ; SCHNEIDER, 2010). E, assim, feiras livres adquirem visibilidade em relação à disponibilidade e garantia de acesso a alimentos social e culturalmente referenciados como um canal de distribuição de produtos (PIERRE; VALENTE, 2010).

Contudo, produtos regionais, tradicionais ou artesanais sofrem a interferência de normas e regras sanitárias que acabam restringindo a capacidade dos produtores destes produtos (CRUZ; SCHNEIDER, 2010). Face as exigências à constituição de ter uma empresa de produtos alimentares, pequenos fornecedores - inclusive agricultores -, encontram dificuldades de registrar os seus produtos o que tem gerado várias iniciativas no País para normatizar produtos artesanais de modo a viabilizar a legalização, preservando a preocupação com a segurança do alimento (MALUF, 2004). Porém politicas públicas que tem por foco a atuação das feiras livres são raras, e quando existem geralmente canalizam o caráter produtivo deixando o fator sociológico presente nestas atividades em segundo plano (PIERRE; VALENTE, 2010).

A aproximação entre produtores e consumidores numa feira livre faz com que o consumidor possa obter informações sobre os produtos que está adquirindo diretamente com quem produz (MARDSEN; BANKS; BRISTOW, 2000). Este acercamento faz com que o registro sobre o produto perca sua eficácia, pois o consumidor prefere conversar com o produtor e fazer os seus julgamentos a recorrer a etiquetas (NICHELE; WAQUIL, 2011).

Ademais, os escândalos que já envolveram a indústria alimentar desde 1970 (RENTING; MARSDEN; BANKS, 2003) trás a tona a preocupação dos consumidores com a origem dos alimentos consumidos e a valorização dos localmente produzidos ganham notoriedade (GOODMAN, 2003). E, neste contexto, as feiras livres ganham destaque porque flexibilizam a aproximação entre produtores locais e consumidores que buscam alimentos produzidos com base na tradição ou costumes locais (PIERRE; VALENTE, 2010).

Cassol (2013) mostra que mercados para produtores como os construídos a partir da feira livre são factíveis de se construírem a partir da confiança e conceitos de qualidade

intrínsecos ao local, reforçados por representações e valores morais ligados a um passado comum, ao modo de produção tradicional ou a valores sociais e culturais, como a amizade e o compartilhamento de conhecimentos, como os populares.

A feira livre como alternativa para a comercialização de produtos provenientes da agricultura familiar é uma escolha que produtores fazem para a sua inserção no mercado por razões como a proximidade com o consumidor, a qualidade diferenciada de seus produtos em relação aos produzidos pela indústria alimentar que opera em escala e o recebimento à vista, característica peculiar ao mercado spot que se consolida num único ato (COLLA et al., 2008).

Em Santa Rosa, a feira livre acontece desde 1988 no Mercado Público Municipal, que é um espaço na qual os agricultores vendem semanalmente seus produtos, sendo que antes disso os produtos eram comercializados em um espaço aberto na Rua Santos Dumont no mesmo município (APRHOROSA, s/d.). De acordo com esta fonte, atualmente os agricultores santa-rosenses que vendem seus produtos nas segundas, quartas e sextas-feiras, das 17h às 19h, e cujas vendas contribuem para a sobrevivência destas famílias, constituindo- se, muitas vezes, como sua principal fonte de renda.

De acordo com a Lei Municipal 5.010 de 14 de junho de 2.013, a administração do mercado público fica a cargo da Secretaria Municipal de Agropecuária, estando este dividido em boxes para a finalidade exclusiva do funcionamento da feira livre, e podem ser comercializados no local produtos in natura e/ou agroindustrializados processados pelos próprios produtores e liberados pela vigilância sanitária, bem como o artesanato rural, ficando as despesas de consumo de água e energia elétrica a cargo do município (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA ROSA, 2013, 2014, 2015).

Assim, a feira livre no município de Santa Rosa é gerida pela Administração Pública Municipal, em espaço destinado exclusivamente ao desenvolvimento desta atividade, funcionando como um canal de distribuição direto do tipo “face a face” de produtos agroalimentares provenientes da agricultura familiar.