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3.2. Apropriação do gênero Carta de Leitor: uma abordagem textual-enunciativa

3.2.1 A construção do posicionamento enunciativo

carta do leitor, a saber:

i) A construção do posicionamento enunciativo; ii) A construção da textualidade;

iii) A construção da argumentação

Nessa direção, a análise a seguir, embora distinta da anterior, pode ser considerada complementar a ela.

3.2.1 A construção do posicionamento enunciativo

Esta análise centra-se no posicionamento enunciativo e nas diferentes modalizações usadas pelos alunos em textos do gênero Carta de Leitor, focalizando a concepção que eles têm da política brasileira e dos políticos, e as expectativas de melhora, pelas marcas lingüísticas que revelam a construção dos pontos de vista, e pelos discursos utilizados para inscrever a voz alheia. Os diferentes movimentos entre o “eu”, o “ele” e o “nós” vão esclarecer as posições assumidas pelos sujeitos com relação à responsabilidade sobre o que dizem, às vozes que expressam e que traduzem as mais variadas avaliações sobre o tema em pauta.

(a) O uso da primeira pessoa do singular

O uso da primeira pessoa, na ocorrência a seguir, marca a posição social do enunciador. Ele fala como estudante, incluindo aí a sua responsabilidade social frente à tomada de posição sobre o voto nulo.

“... eu como estudante...” – Al 1 [II]

Já na ocorrência abaixo, o uso da 1ª pessoa dá-se em três momentos e em diferentes sentidos. No primeiro, reforça que o acontecido fora previsto por ele, numa espécie de proteção à imagem; em seguida, pelo uso do advérbio confessa a visão ingênua que tinha dos políticos, por último, a opção pela marca lingüística “agora” enfatiza a conclusão a que

chegou, a mudança de pensamento, a certeza do que diz. Os advérbios têm um papel importante na trajetória do posicionamento do enunciador.

“... eu disse antes...; “... antigamente eu tinha um pensamento...”; “...agora (...) sei” – Al 3 [I]

Por fim, na ocorrência logo abaixo, pelo uso da 1ª. pessoa, o interlocutor fortalece sua identidade frente a outros membros da sociedade. Ele ainda retoma um lugar comum da prática política eleitoral brasileira “me disse pra votar, então eu voto” para contestar esta prática e enfatizar que confere autonomia e liberdade de ação com relação às suas decisões.

“... não é porque fulano vai votar em tal candidato que eu vou votar também...” – Al 5 [I]

(b) O uso da primeira pessoa do plural

O aluno, ao usar a primeira pessoa do plural, enfatiza, de modo geral, a necessidade de se ter uma sociedade mais organizada, mais educada para que o país possa crescer. O aluno reconhece que essa luta não é por uma causa individual. Todos precisam se mobilizar para pelo menos minimizar o impacto deste grave problema social.

“... mas antes de decidirmos algo devemos estar conscientes...” – Al 1 [I]

O uso do pronome “nós” faz com que o enunciador se constitua em relação com o outro. Ele indica uma proposta de ação, que é pertinente com a avaliação que faz da situação vivida por ele e por seus alocutários, indicando que os grupos sociais têm posicionamentos diferentes – alguns seriam mais esclarecidos (que é o grupo no qual o locutor se inclui), acreditam em mudanças, outros menos, por isso a sugestão da decisão a ser tomada de forma coletiva.

“se formos avaliar o povão... iremos ver a desgraça total...” – Al 2 [I]

A possibilidade aventada pelo enunciador coletivo tenta persuadir de que a responsabilidade social é um impulso para o desenvolvimento do país e, conseqüentemente, um bom governo se faz com responsabilidade social. Para provar o descaso dos políticos, ele aponta a miséria em que vive grande parte do povo brasileiro, como sustentação do seu dizer.

“... já estamos traumatizados...” – Al 4 [II]

O enunciador coletivo antecipa, através de um discurso atributivo, a avaliação que ele faz dos políticos e convoca para o texto os alocutários a fim de assimilarem a sua opinião sobre os políticos, mas, mesmo assim, não foi convencido a não votar nulo. O uso do adjetivo “traumatizado” fortalece a descrença do povo e reforça a significação do argumento.

“... demoramos muito para conseguir...”; “agora que possuímos jogamos fora” – Al 10 [II]

O enunciador coletivo divide ainda a responsabilidade com todos que votam, o discurso é atributivo, e o povo é que sofre as conseqüências dos atos impensados, como não saber votar ou não se informar melhor sobre os candidatos. Na intenção de persuadir o alocutário, arrola para o texto o povo brasileiro: pelo uso de nós (implícito) atribui a todos o benefício da democracia e o quanto foi difícil chegar a ela, ao mesmo tempo que alerta para a possibilidade de perdê-la e antecipa, de forma incisiva, a sua descrença pela reversão do processo.

“... somos nós que elegemos os candidatos para nos representar...” – Al 8 [II]

(c) O uso da terceira pessoa do plural

Pelo uso da terceira pessoa do plural, o enunciador busca uma posição que é sua: votar nulo é a coisa mais certa. Disso se pode concluir que ele atribui a revolta às pessoas de uma forma genérica para respaldar o seu posicionamento.

“... as pessoas se sentem revoltadas.” – Al 3 [I]

O enunciador atribui ainda às pessoas, como um grupo social em que não está incluído, a responsabilidade pela situação de corrupção que assola o país, declara que as mesmas são alienadas e não se acham com responsabilidade frente a questões como essas.

3.2.2 A construção da textualidade

Para Bronckart (2003, p.122), os mecanismos de textualização estão diretamente relacionados com a progressão temática do texto e com as escolhas dos organizadores textuais que trabalham a articulação das idéias no texto, com a intenção de garantir a ele uma unidade de sentido. Esta análise focalizará as marcas lingüísticas usadas pelos alunos para trabalhar a conexão entre os diferentes níveis do texto, e as estratégias que eles usam para trabalhar a progressão argumentativa nos seus textos.

Após defenderem suas idéias, os alunos usam o operador então para marcar a conclusão do desenvolvimento temático e, em seguida, apresentar sugestões para a solução do problema discutido, ou reafirmar a posição inicial, reproduzindo a estrutura textual canônica do texto dissertativo.

“Então minha pessoavem a concordar... é pagar impostos” – Al 2 [I]

“Então temosque votar consciente e não nulo...” – Al 8 [I]

“Então sou a favor do voto nulo, pois entre o ruim e o pior...” – Al 19 [II]

3.2.2.1 A construção argumentativa

(a) A progressão textual é trabalhada através de hipóteses

O aluno, ao desenvolver a argumentação, usa como estratégia a antecipação de possíveis contra-argumentos que são articulados ao texto como hipótese. O movimento argumentativo no texto do aluno se dá pela apresentação do argumento, seguido de uma possível contra-argumentação, o que possibilita a apresentação de outro argumento. A marca lingüística usada é a conjunção se (ou caso), que estabelece uma articulação ora mais prospectiva, ora mais retrospectiva.

“Mudar algumas coisas da constituição, se caso não melhorarem, mudaremos o estilo de governo do nosso pais, para assim mudar a vida dos cidadãos brasileiros.

E mais, se elegermos um candidato no qual não está fazendo melhoras no país, ou discutiremos com ele proposta para o pais, ou pediremos que ele abdique o cargo...” – Al 1 [I]

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