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1.2. A perspectiva dialógica da linguagem

1.2.5 O Gênero Carta de Leitor como objeto de ensino-aprendizagem

1.2.5.1 Elementos constitutivos do gênero Carta de Leitor

A carta existe desde 4000 a.C. e a estrutura que serviu de base para a carta que temos hoje, segundo Ivanova (1999), é a da escola de Bolonha, no século XII que compreende elementos e suas respectivas funções, como: a) salutio (identificação do destinatário e saudação inicial); b) captatio benevolentiae (expressão fática que anuncia a imediatez do propósito); c) narratio (parte do corpo do texto – formaliza um relato ou um pedido); d)

petitio (saudação final e identificação do remetente). Ivanova atribui a falta de local e de data à presença dos interlocutores, devido à forte tradição oral da época.

Franzon (1998), ao se reportar à tradição clássica, aponta três grandes unidades como constitutivas do gênero carta: a) exórdio (a tomada de contato com o destinatário); b) apresentação e desenvolvimento do objeto do discurso; c) interrupção final (conclusão).

Ao estudarmos a estrutura da Carta de Leitor a partir da recorrência dos elementos constantes nas produções dos alunos, observamos que os elementos estruturais que constituem este gênero não são tão diferentes daqueles citados por Ivanona como os que constituíam a estrutura canônica do gênero carta.

Para Gomes (2002), é possível também reconhecer os seguintes elementos e suas respectivas funções como estruturantes do gênero Carta de Leitor:

a) local e data - situa o interlocutor no processo de produção da informação; b) vocativo- instala o interlocutor no texto;

c) corpo do texto – realiza o propósito do dizer

d) saudação final – tem uma função fática, porém, em função do propósito, pode assumir alguma função argumentativa.

e) assinatura- identifica o interlocutor.

O uso desses elementos nas Cartas de Leitor vai ser definido de acordo com o veículo de comunicação em que elas forem publicadas. Dependendo da situação de produção ou do suporte midiático, alguns elementos poderão ser suprimidos.

1.2.5.1.2 Elementos textuais-discursivos (a) Interlocução

Partindo da premissa de que todo texto se dirige a alguém, a interlocução está presente em todo ato comunicativo, pois “não há enunciado sem resposta” - fato gerador da relação dialógica da linguagem. Essa relação vai se construir em função da existência de um interlocutor.

A interação entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem. O sentido do texto e a significação das palavras dependem da relação entre sujeitos, ou seja, constroem-se na produção e na interpretação dos textos. A intersubjetividade é anterior à subjetividade, pois a relação entre os

interlocutores não apenas funda a linguagem e dá sentido ao texto, como também constrói os próprios sujeitos produtores do texto. (Barros, 2005, p. 29)

Essa relação dialógica é bem definida nos gêneros em que se considera um interlocutor específico e que, dirigindo-se a ele, podemos nos posicionar contra ou a favor da idéia por ele apresentada. Dentre esses gêneros, está a Carta de Leitor que permite um uso intenso de marcadores de interlocução. Isso caracteriza o processo de textualização cuja presença do interlocutor evidencia-se na própria construção textual. Bakhtin ressalta sobre este aspecto.

Para Cunha, A. (2005), as marcas de interlocução no gênero Carta de Leitor estão presentes nas três dimensões do gênero discursivo a) na configuração composicional com a nomeação do interlocutor, b) no estilo verbal, ao expressar formalmente o vocativo, a partir de recursos lingüísticos. c) no conteúdo temático que é planejado a partir do que se quer comunicar.

É de grande importância para a tessitura do gênero Carta de Leitor a definição do interlocutor, a fim de que a progressão textual seja trabalhada, considerando o dizer do outro, para melhor fundamentar a sua argumentação. As marcas de interlocução devem ser retomadas ao longo do texto, para melhor orientar o dizer. A respeito do dizer do outro e de como ele é trabalhado na carta, veremos a seguir o elemento textual-discursivo intertextualidade.

b) Intertextualidade

Se pensarmos que as cartas de leitor nascem da necessidade de se responder a um artigo publicado por uma revista, por um jornal ou às questões de ordem social de grande divulgação pela mídia, já estaria aí justificado o seu caráter intertextual: o fato de outro texto a ter motivado.

A intertextualidade é um dos elementos mais importantes para a compreensão do gênero “Carta de Leitor”, pois este gênero faz parte de um contexto comunicativo maior que são os suportes em que circulam na mídia e sua significação se dá em intersecções de sentido com essa produção.

No dizer de Bazerman (2006), podemos observar a ação da intertextualidade por meio de relações explícitas e implícitas que um texto estabelece com os textos que lhe são

antecedentes. Este traço responsivo nas cartas é determinado pela compreensão do texto-base, para se posicionar contra ou a favor da idéia apresentada no texto. A partir dessa necessidade de resposta, o interlocutor lançará mão de recursos característicos da intertextualidade para ancorar o seu dizer, como: paráfrase, citações, pressuposições.

Uma leitura improdutiva do dizer do outro ocasionará uma incoerência pragmática no texto resposta, uma vez que sem a compreensão do dito é impossível se posicionar de forma clara e elucidativa sobre a idéia apresentada. Dessa forma, a interlocução fica comprometida e o gênero também, pois ele é fundamentado na intertextualidade.

c) Argumentatividade

Para Ducrot (1987), todo e qualquer enunciado terá sempre uma orientação argumentativa, ou seja, dizemos alguma coisa para alguém com uma finalidade, e o sentido do enunciado terá sempre alusão a uma eventual comunicação. É essencial ao enunciado convocar este ou aquele tipo de enunciação, orientar o discurso nesta ou naquela direção. Ele ainda diz que a argumentação é a essência da língua.

Pécora (1999, p.88) corrobora o pensamento de Ducrot quando enfatiza que a argumentação é uma propriedade fundamental para a caracterização da linguagem como discurso.

As estratégias argumentativas se apresentam nos mais variados estilos discursivos. O discurso jornalístico, mais especificamente, a Carta de Leitor tem seu discurso fundamentado na argumentação, dada a sua natureza dialógico-argumentativa. Nas cartas, a persuasão é trabalhada não só considerando o interlocutor imediato, mas também o público leitor do veículo de comunicação que publica o texto.

A orientação do dizer argumentativo se dá por meio de estratégias argumentativas como adesão, refutação e reformulação. Para Ducrot & Vogt (apud LEAL, 1993, p.67), a adesão do locutor ao enunciador vai do simples registro a uma forma sutil de refutação: a concessão.

A concessão para Jacques Moeschler e Nina de Spengler (apud LEAL, 1993, p.72) é um movimento discursivo de caráter reativo e contraditório: o locutor reage, responde a um discurso de outro locutor, contestando o valor argumentativo da enunciação prévia, sem anular seu valor de verdade.

A refutação que evidencia a contradição ao dito do enunciador é caracterizada por Nagamine Brandão (1998) como manifestação de um discurso polêmico. Daí estar vinculada, na maioria das vezes, à negação.

A estratégia da reformulação é caracterizada pelo desvio da idéia apresentada para fazer uma abordagem em que a idéia já levantada possa ser modificada.

O domínio dessas estratégias na produção do gênero Carta de Leitor está diretamente relacionado à capacidade leitora do aluno, para inferir o que foi dito pelo outro, e a partir disso se posicionar, sinalizando, por meio de marcas intertextuais, para um terceiro interlocutor, constituído do público leitor, o debate de idéias travado entre eles.

Neste capítulo apresentamos o marco teórico desta pesquisa que será retomado mais profundamente na análise do corpus constituído pela produção textual inicial e final dos alunos, para compreender os modos pelos quais os alunos se apropriam do gênero em estudo por meio de seus elementos constitutivos.

A seguir descreveremos os modos com que se processou a geração dos dados desta pesquisa, bem como o locus e a população nela envolvida, além de descrevermos a seqüência didática com base nas atividades planejadas com vistas a uma melhor produção do gênero em estudo.

CAPÍTULO II

O evento escolar de apropriação do gênero Carta de Leitor: questões

metodológicas

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