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3.1. A apropriação do gênero “Carta de Leitor”: uma análise global

3.1.1 Análise do uso dos elementos estruturais do gênero Carta de Leitor

Observamos na primeira produção escrita dos alunos que não havia nenhum um texto configurado de acordo com os padrões de uma “Carta do Leitor”, no que diz respeito aos elementos que estruturam o texto. Mas a lacuna maior, e que chamou mais a atenção, foi a da falta de registro de local, de data e de assinatura nas cartas que correspondiam às primeiras produções textuais. Quanto especificamente à ausência de assinatura, ela parece decorrer de orientações didáticas de que o aluno que assina a redação, em prova de vestibular, é eliminado8.

Dessa forma, poucos textos foram configurados conforme particularidades do gênero em estudo. Tal fato pode apresentar justificativas de ordens diversas. A primeira e a mais importante é de ordem pedagógica. A prática docente, no que diz respeito à produção de texto na escola, estaria contribuindo para fatos desta natureza, por várias atitudes assim esclarecidas:

1) a prática docente adotada não situa o aluno em condições reais de comunicação, nem contribui para que ele realmente acredite em que o texto que vier a ser produzido por ele terá uma finalidade social, que irá extrapolar os muros da escola, ou mesmo, servirá de base para uma prática social pertinente à realidade dele.

2) a prática docente não legitima o processo de correção do texto, uma vez que a correção das produções textuais pelos professores, quando efetivada, apresenta um nível de exigência mínimo com relação à organização textual, pois o trabalho se fundamenta, na maioria das vezes, apenas no nível de correção ortográfica. Isto quando a produção não é vista pelo aluno como um dever a mais com a finalidade de preencher o tempo que falta para acabar a aula.

Comparando o desempenho dos alunos com relação a esses elementos, observamos, conforme demonstrado no quadro abaixo, que eles, na produção final, conseguiram recuperar

8 Outra hipótese para explicar essa ocorrência estaria relacionada ao material usado pelo aluno, tanto o cedido

pelo professor para o exercício das atividades, como o que ele usa diariamente para registrar suas aulas. Com relação ao suporte material usado pelo professor nesta escola, ele distribui para os alunos folhas próprias para a atividade redacional, em que já está impresso um cabeçalho, que dispõe de um espaço para identificação do aluno com os seguintes registros: nome do lugar, do colégio, do professor, do aluno, da disciplina, do número da série, do turno e da data. Isso faz com que o aluno ache desnecessário qualquer outro tipo de identificação. A outra possibilidade está relacionada ao material usado pelo aluno, cadernos e folhas de fichários com espaço destinado à data ou mesmo à identificação.

esses elementos, ainda que usando o mesmo material, ou seja, a folha impressa com espaço para identificação9.

Quadro 3 – Demonstrativo do movimento de uso dos elementos estruturais (data, local e assinatura

Produção escrita inicial Produção escrita final Al 4

Bom voto é voto, até mesmo os nulos devem ser vistos com respeito, pois quem faz isso tem muita consciência no que faz. (...) Também temos razão quando achamos que o voto não deveria ser obrigatório, muitas pessoas não gostam e nem entendem do assunto, mas votam (...).

Al 4

Caro Carlos Heitor Cony

Voto nulo é uma forma de se expressar e impor sua opinião. (...) Muitos ainda a acreditam no futuro do Brasil e da humanidade, votam em governantes, mas não acreditam em suas “falsas verdades”

Belém, 19 de setembro de 2006” João Alexandre Cardoso Al 5

Carta designada ao Sr Guilherme Fiúza

Caro guilherme de certa forma concordo com sua opinião e acho que cada pessoa tem o direito de votar nulo ou não. (...) Concordo quando o senhor diz “Deixem a MTV esculachar os políticos, se ela quiser (...)

Al 5

Caro Guilherme,

De certa forma concordo com o que você disse. Acho que cada pessoa tem o direito de escolher se quer votar nulo ou não. (...) Concordo quando o senhor diz “Deixem a MTV esculachar os políticos, se ela quiser”, (...)

Natasha Mochiutt Belém/PA

Em 19.09.2006 Al 9

Texto VI - Voto é voto

Senhor Carlos Heitor Cony, eu concordo com o que foi escrito no texto, pois qualquer pessoa tem o direito de escolher (...)Para muitas pessoas uma forma de protestar contra esse governo terrível é o voto nulo, e que é tão valido quanto o outro, pois voto é voto.

Al 9

Texto VI _ Voto é Voto

Belém, 19 de setembro de 2006

Senhor Carlos Heitor Cony,

Vejo que o senhor é a favor do voto nulo, e sei que todos têm o direito de escolher em quem deseja votar, e até mesmo votar nulo. (...)

Tiago Junior de Almeida Leão

Como a proposta didática era desenvolver competências para a leitura e produção do gênero em sala de aula, a partir da representação que os alunos tinham da Carta do Leitor, os elementos estruturais constantes das cartas: data, vocativo, despedida, assinatura, foram detectados em todas as cartas apresentadas em sala de aula, no momento em que se descrevia o gênero, e a sua importância para o contexto de produção foi também ressaltada.

Por o gênero em estudo ser de larga circulação na mídia, achamos pertinente apresentar cartas divulgadas em diversos suportes midiáticos, e explicarmos para eles que a supressão de alguns elementos estruturais naquele texto se devia à intermediação entre produtor/editor/leitor. Mas o editor da coluna, responsável pela circulação do texto então apresentado, tinha em mãos esses dados, por ser uma exigência desta editoria e que, ao analisar a carta, e estabelecer sua co-autoria, dados como data e vocativo eram subestimados.

O primeiro soaria como redundante, pois a data poderia ser inferida pela data de circulação da revista, e o segundo, o vocativo, seu apagamento estaria diretamente relacionado aos propósitos comunicativos do suporte que, ao editar os textos e estabelecer com eles uma espécie de co-autoria, constituía os leitores como interlocutores dos textos ali divulgados.

De modo geral, observamos que, no movimento da primeira produção escrita para a segunda, os elementos estruturais estudados nos textos apresentados em sala de aula foram usados com maior freqüência nos textos dos alunos, pois isso não implicou uma nova ordem textual; ou seja, configurar o texto nos moldes do gênero solicitado com relação aos elementos estruturais, não implicou em uma reorganização textual.

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