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A construção histórica da juventude rural

O século XX foi marcado por duas grandes guerras e inúmeras transformações culturais. Dentre estas transformações culturais, uma delas, a valorização da juventude, tem origens muito mais antigas do que se possa imaginar. A partir de uma perspectiva antropológica mais recente, Feixa (1993), professor da Universidade de Lleida – Catalunya, em La Juventut como uma metáfora, construiu um marco teórico cuja proposta se volta para contribuir com um melhor conhecimento e entendimento sobre a juventude. Segundo o autor, para compreender os processos de construção social da juventude há necessidade de analisar-se os contextos sociais e culturais em que os jovens vivem.

Feixa (1993) considera que as noções de juventude, durante algum tempo, foram pouco polissêmicas. O conceito, em princípio, envolvia basicamente os aspectos psicológicos e biológicos de adolescência e puberdade. O autor descreve que em uma concepção cientifica moderna, cinco são as definições que emergem mais claramente a respeito do tema e que correspondem respectivamente a cinco categorias ou etapas. Vejamos:

1. A juventude como condição biológica: corresponde a um processo de amadurecimento individual da espécie humana em que ocorre a maturação sexual, identificada como puberdade, em que acontece o crescimento físico. 2. A juventude como um estado psicológico: define-se como um estado da vida individual determinada por processos psicológicos endógenos que conduzem à formação da personalidade adulta. Esta fase se expressa,

sobretudo, no amadurecimento emocional e mental, com tendências a crises de romantismo, de delinquência e de militância radical.

3. A juventude como grupo etário: agrupa um conjunto de indivíduos definidos pela idade. Porém esse limite não é universal na sociedade. Pelo contrário, tem se mostrado variável, podendo ser de 18 a 24 anos ou de 15 a 29. Isso se falarmos apenas de sociedades ocidentais.

4. A juventude como um ciclo de vida: identifica um período biográfico situado entre o fim da infância e a plena inserção social, caracterizado por diversos momentos de transição (como por exemplo: ordem de escolaridade, ingresso na vida ativa, emancipação da família de origem, matrimonio, fecundação etc.). Nesta fase o indivíduo passa por um período em que se atribuem alguns valores que variam de acordo com a sociedade e o momento histórico. Essa maneira de compreender a juventude é uma característica predominante da sociologia ao entendê-la como um aspecto que depende da trajetória individual.

5. A juventude como geração: que corresponde aos jovens nascidos na mesma época é um sentido de contemporaneidade. (FEIXA, 1993, p.12 - 15).

No entanto, Feixa (1998, p.19) nos alerta para que compreendamos que “não se pode identificar o nascimento da juventude com uma data precisa, nem confundi- lo com o surgimento de teorias sobre este período da vida”. Em sua concepção, a juventude é tida por uma série de condições sociais como normas, comportamentos e instituições que distinguem jovens de outros grupos de idade e também por, uma série de imagens culturais: valores, atributos e ritos especificamente associados aos jovens. Para o autor, a democracia cultural, com a importante dimensão do processo político do Século XX, revelou ser a mediação através do qual os jovens põem em movimento suas capacidades, energias e inquietudes.

Assim, com o propósito de entender o contexto social do surgimento da juventude, e tendo em conta que a literatura aponta a importância de aspectos que vão muito além dos físicos ou cronológicos, utilizou-se da concepção de Feixa (2004, p. 257), segundo a qual, “a juventude é uma construção sociocultural relativa, em um tempo e um espaço e que se apresenta como uma fase de vida, situada entre a infância e a fase adulta”. Ou seja, a juventude deve ser pensada como categoria social, muito mais do que uma fase de um período de crescimento físico, ou do que problema ou rebeldia. Considera-se como central pensá-la como processo de desenvolvimento pessoal e social, de capacidades e potencialidade, e não somente como indivíduos ajustados aos papéis de uma sociedade complexa, hegemônica que impõe domínios e ordens.

Essa concepção reforça a proposta de Urteaga (2011), antropóloga e investigadora na linha de pesquisa “Jóvenes y sociedades contemporâneas” na Universidad Autónoma Metropolitana do México. Ao referir-se ao conceito de

juventude, a autora ressalta “tanto os conceitos de infância” como “os de juventude são formações discursivas construídas em cada cultura em diferentes momentos históricos” (URTEAGA, 2011, p.151).

A autora menciona ainda que um ponto em comum para alguns investigadores é aquele que deve considerar a juventude como uma construção sociocultural, variável nas formas e nos conteúdos, no tempo e no espaço. Esta abordagem é extremamente pertinente, pois se contrapõe à concepção essencialista de “adolescência” como um período fixo, estático, fechado e homogêneo. Para Urteaga (2011), esta definição nos permite reconhecer, metodologicamente, o jovem como um ator juvenil altamente complexo e diverso em suas práticas e percepções sobre a vida; de modo histórico, social e culturalmente situado.

Por fim, o conceito de juventude é amplo. Por isso mesmo existe uma enorme diversidade de entendimentos, sendo considerada como uma fase da vida, compreendida entre a infância e a vida adulta, que se dá em diferentes tempos, espaços e situações sociais. Contudo, compactua-se com a assertiva segundo a qual importa compreender a juventude muito além de um conceito, como se refere Urteaga (2011):

Más do que um concepto, és un campo conceptual o interpretativo, compuesto por nociones e instrumentos metodológicos que nos ajudam a reflexionar teoricamente sobre el conjunto de investigaciones y estudios que se realizam en torno de los jovenes de carne u hueso, desde vários acercamentos, esto es, ayudan a compreender la construción de la juventud como una institución social.(URTEAGA, 2011, p. 154).

Bourdieu (1983, p.115) traz uma abordagem relativa à juventude que amplia a reflexão sobre o tema ao se referir que “La juventu no es más que una palabra”. Para elucidar essa questão, utiliza-se da metáfora que “somos sempre o jovem ou o velho de alguém, é por isso que os cortes, seja em classes de idade ou em gerações, variam inteiramente e são objeto de manipulações”. O que o autor quer lembrar é simplesmente que a juventude e a velhice não são dadas, mas construídos socialmente na luta entre os jovens e os velhos. As relações entre a idade social e a idade biológica são muito complexas, pois a relação entre juventude e maturidade, segundo o autor, é um jogo de lutas dentro de um campo social. Na idade Média, o limite entre a juventude e a idade adulta já era manipulado por quem

detinha o patrimônio, para manter em um estado de juventude, isto é, de irresponsabilidade, os jovens nobres que pretendiam suceder a sucessão.