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A construção social da organização: substância, imagem e identidade

1 .2 O Centro das Inquietações

1. A construção social da organização: substância, imagem e identidade

Às vezes, quase acredito que eu mesmo, João, seja um conto contado por mim.

João Guimarães Rosa

Parker (1992) chama a atenção para o interesse crescente dos teóricos organizacionais sobre o pós-modernismo, concordando, particularmente, como a análise da cultura organizacional na perspectiva pós-moderna contribui para explicar sua importância dentro dos estudos organizacionais. Para Hassard (1996, 2002), o pós-modernismo tem uma característica de fundamental importância para a análise organizacional, em virtude de sua rejeição à relação unívoca entre formas de representação e um mundo externo objetivo.

Esses temas, quando relacionados, trazem muitas implicações para o estudo das organizações, conforme ressaltam Hardy e Palmer (1999). Uma delas, segundo os autores, é que a organização reconhece apenas aspectos da identidade do indivíduo, principalmente, aqueles tomados como certo. A relevância das dualidades presentes nas organizações, tais como o tratamento diferente para níveis hierárquicos diferentes, a divisão entre a esfera do trabalho e da vida do trabalhador, entre outros aspectos, são reforçados por tentativas de

“empowerment”, “administração participativa”, revelando as lacunas entre o discurso e as práticas organizacionais.

Gergen e Whitney (1996) chamam atenção para o processo de construção social dentro da organização, e, particularmente, como as representações oficiais da realidade funcionam como sustentáculos para o alcance dos objetivos da organização. Para esses autores, utilizando o mesmo termo de Baudrillard (1973a), as organizações representam um simulacro de uma realidade que está sempre distante, nas palavras dos autores, “uma abstração sem uma referência óbvia” (GERGEN; WHITNEY, 1996, p.334).

Nessa perspectiva, os autores citam algumas representações criadas nas organizações, tais como declaração da missão, valores, políticas, treinamento, manuais e vários outros artefatos que são construídos com um propósito fundamental: engajar os empregados e empregadas nos principais objetivos organizacionais que giram em torno da prosperidade econômica e financeira.

Comungando com essa mesma perspectiva, Putnam, Phillips e Chapman (2004, p.83) compreendem que “os símbolos emergem da cultura organizacional para projetar a comunicação como interpretação de formas literárias, tais como narrações, as metáforas, os ritos e rituais e os paradoxos”, funcionando como meios de persuasão, controle e administração de identidades, e não como simples artefatos.

O pós-modernismo, ao enfatizar a natureza socialmente construída de identidades no âmbito das organizações, (HARDY; PALMER, 1999), por meio de conversações, argumenta que a identidade estende-se além do nível individual, pois passa a ser influenciada por significados grupais e coletivos, marginalizando alguns e dando voz a outros.

Alvesson (1990) aborda, de forma bastante interessante, uma tendência das organizações contemporâneas de construir uma imagem favorável entre os stakeholders internos e externos, como uma ação objetivando o controle social. Os impactos dessa tendência, segundo o autor, podem ser de ordem negativa ou positiva. Os aspectos negativos envolvem a ambigüidade presente na interpretação dos stakeholders quanto aos esforços da empresa em comunicar uma imagem como uma tentativa de ocultar problemas. Já os aspectos positivos, segundo o autor, referem-se à construção da imagem como uma oportunidade pró-ativa e não repró-ativa, visto que as chances de definir a realidade de grandes grupos, com o objetivo de controlar a definição das pessoas quanto à realidade, têm aumentado na sociedade contemporânea.

A idéia de que o mundo real se converte em simples imagens foi amplamente explorada por Debord (1967), ao discutir que as relações sociais entre as pessoas, ao serem mediatizadas por imagens, constituem-se em um espetáculo, que é, ao mesmo tempo, parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. O autor aprofunda-se na idéia de espetáculo, metaforizando-o com o coração da irrealidade da sociedade real, o que, à primeira vista, parece incompreensível; porém, o autor esclarece que a realidade vivida é invadida materialmente pela contemplação do espetáculo, reforçando não se tratar de um simples conjunto de imagens Para o autor, a realidade surge no espetáculo, que, por sua vez, surge no real. Essa inversão produz uma realidade vivida, materialmente invadida e reforçada pela adesão positiva na contemplação do espetáculo.

Nesse mesmo sentido, Freitas (2007, p.2) analisa as organizações como “palcos de interpretações e de ações de indivíduos e grupos”. A autora acredita não existirem organizações perfeitas, pois, são múltiplas as “interpretações e leituras da realidade, do que é possível, do que é certo, do que é desejável, do que é necessário”. Tais interpretações são influenciadas por diversos fatores ou variáveis, inclusive pela ausência desses.

Voltando à abordagem de Alvesson (1990), essa coaduna com a perspectiva pós-modernista, mesmo que esse não se rotule dessa forma, haja vista que ela desencadeia em uma tendência da sociedade em geral, e, especificamente, das organizações, em não se preocupar com a substância e focalizar a imagem, o que consiste “em uma representação de um objeto” (ALVESSON, 1990, p.377). Dessa forma, uma imagem difere da realidade objetiva, em virtude da ambigüidade, das suposições e dos sentidos dos indivíduos quanto à realidade.

O autor desenvolve essa discussão, enfatizando o modo como as organizações constroem sua imagem, escolhendo as mensagens que têm conotações positivas, ou seja, selecionando o que não deve ser dito e privilegiando o que é desejável, como enunciado pelos pós-modernistas. Considerando que essa imagem não é acessível apenas ao público externo, mas, também, aos membros internos, a ambigüidade aumenta em muitas organizações. Daí, a necessidade de as organizações criarem a sua identidade através de estruturas mentais, fabricando imagens que substituem a realidade objetiva, o que Alvesson (1990) descreve como uma transição de “substância” para “imagem”.

Nesse aspecto, Alvesson (1990) admite haver uma conexão com as posições pós-modernistas, citando Baudrillard e a incredulidade de Lyotard quanto às meta-narrativas. Entretanto, o autor descarta a discussão dos méritos do pós-modernismo e limita-se a ressaltar o fato de que esse, assim como outras correntes também o fazem, reflete o contexto da

sociedade contemporânea, caracterizado pela “fragmentação, a perda da integração de padrões culturais, o caráter de anomia da vida social e a perda da tradição internalizada na ideologia do trabalho, crises motivacionais em razão das condições do trabalho tradicional, e as rápidas mudanças” (ALVESSON, 1990, p.381) que fazem parte do contexto contemporâneo, como conseqüência do aumento da complexidade, da turbulência e da tecnização do mundo do trabalho.

Substância e imagem (Quadro 5), para Alvesson (1990), implicam em diferentes efeitos. A substância de uma organização emerge espontaneamente, é governada pelas tradições, pela realidade material e pelas práticas sociais; ao contrário, a imagem é produzida intencionalmente, ou seja, esforços são empregados sistematicamente para afetar as impressões sobre ela. Segundo o autor, substância e imagem não são excludentes na natureza de muitas organizações, mas podem situar-se como dois extremos de um continuum.

Organizações caracterizadas por

Substância Imagem

Padrões de interações com instituições de

relevância ao

trabalho

Instituições de pequeno porte, interações próximas, estáveis, duradouras, baixo número de instituições envolvidas

Alta mobilidade social dos membros, organizações de grande porte, um grande número de organizações envolvidas e dispersas geograficamente

Padrões de

significado em relação ao trabalho

Atividades e situações relativamente bem

definidas e não variáveis Situações de ambigüidade

Fontes de

conhecimento dos empregados sobre a organização como um todo e a alta direção

O contato com os líderes é facilitado, direto, aprendem com a experiência

A experiência direta atinge uma parte pequena da organização. Não existe contato com a alta administração. As informações sobre a organização são mediadas de forma sistemática.

Critérios de realidade Capacidade razoável de fazer julgamentos sobre a vida organizacional em termos de uma visão geral e da natureza da realidade material. (As distorções são seletivas, baseadas nas percepções causadas por estruturas tradicionais de significados e outros fatores culturais historicamente desenvolvidos)

Grande parte da realidade organizacional existe além da categorização de verdadeiro e falso (da perspectiva de um indivíduo). Distorções seletivas ocorrem baseadas na percepção da realidade da forma como é provável ocorrer.

Bases para percepção

da realidade O mundo real e concreto. (com suas tradições, ideologias, etc) A realidade é compreendida através da mediação sistemática tanto como imagens aparentemente espontâneas do mundo.

Competência

dominante Habilidades capacidade técnicas, orientação da Manipulação social, orientação da personalidade Bases organizacionais

para o sucesso Resultados econômicos, atividades técnicas, produtos materiais Gerenciamento simbólico, a produção de imagens favoráveis, legitimação Princípios para

controle Orientação para tarefas, controle direto (através de ordens e da formalização)

Manipulação de crenças (impacto indireto)

Quadro 5: Tipos de padrões organizacionais de substância e imagem Fonte: Adaptado de Alvesson (1990, p.386)

As organizações caracterizadas pela imagem chamaram a atenção de Freitas (2000, p.9), que discutiu o contexto social no qual as organizações modernas assumem uma “importância que nunca tiveram antes e se oferecem [para] o papel de ator central da sociedade, por meio do qual todas as demais relações devem se organizar”. As organizações modernas, ao assumirem o papel de criadoras de identidades, produzem um “imaginário específico” que as permitem manipular crenças, identidades individuais e coletivas por meio de uma promessa de reconhecimento, de amor, e de identidade.

Um dos efeitos decorrentes da criação da imagem ocorre quando uma organização torna-se difícil de ser percebida por seus membros, e quando sua natureza e objetivos, estilos, ideais, ambições e qualidade de seus administradores tornam-se confusos e ambíguos, o que, para Alvesson (1990), é um aspecto importante a ser discutido. Schultz (1991), nesse mesmo sentido, discute os domínios simbólicos em organizações, cujos significados são interpretados de forma diferente por distintos grupos, cada qual compartilhando significados diferentes de aspectos da cultura organizacional.

Nessa mesma direção, Gioia, Schultz e Corley (2000) enfatizam o caráter dinâmico do conceito de identidade que, por estar intimamente associado à imagem, está aberto a redefinições, visto tratar-se de uma realidade constituída por acordos e significados compartilhados entre as pessoas. Esse caráter dinâmico também é considerado por Weick (1995), para o qual as identidades emergem de interações, negociações e processos compartilhados de sensemaking.

Para ilustrar o caráter dinâmico da identidade, Clegg, Rhodes e Kornberger (2007) realizaram um estudo sobre a identidade de “coach”, cujos resultados a apontam como resultado de um processo de negociação sustentado, tanto em similaridades e diferenças como também no desejo e tentativa de fixar uma identidade, o que não se realiza completamente. Segundo a pesquisa dos autores, “a identidade organizacional não é uma essência ou uma substância materializada por características, mas é enacted e incrustada em um campo de diferenças” (CLEGG, RHODES; KORNBERGER, 2007, p.510), o que torna impossível uma identidade definida.

O significado de enacted, fortemente influenciado pela sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann (2001), concebe que a organização e o ambiente são criados juntos, através dos processos de interação social dos participantes chaves da organização

(SMIRCICH e STUBBART, 1986). O mundo enacted é essencialmente um campo ambíguo de experiências, ao contrário do que os modelos analíticos pressupõem, visto que naquele existem apenas “registros de ação material e simbólica” (SMIRCICH e STUBBART, 1986, P.726). Os diversos membros criam linhas imaginárias entre eventos, objetos e situações, de tal forma que esses ganhem significado, o que implica na criação de padrões de ação não originados de um processo de percepção do administrador quanto ao ambiente, mas sim por um processo de criação do ambiente. A idéia de enactement, conforme os autores, abandona as suposições de que organização/ambiente é algo concreto, material, a favor de um mundo simbólico socialmente criado.

Chia (1995) concorda que um processo de apropriação seletiva de conceitos e significados, freqüentemente, ocorre dentro de um discurso dominante no sentido de neutralizar oposições e determinar a ordem das coisas, a exemplo do que evidencia Foucault (1995). No entanto, essa tendência para a seletividade de idéias abstratas e sua concretização como aspectos essenciais da realidade para torná-las unidades de análise, sem qualquer contextualização, conduz, reforça o autor, às críticas ao pensamento pós-modernista.

2 Poder , controle, confronto e resistência nas organizações

Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever. Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com

palavras as entrelinhas. Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo. Clarice Lispector

O conceito de controle esteve sempre presente no estudo das organizações, desde que Taylor (1970) e Fayol (1973) iniciaram os estudos clássicos sobre a Administração até as teorias contemporâneas, que abordam aspectos transversais como cultura organizacional, redes de relacionamento, aprendizagem organizacional, entre outros. Clegg (1989) argumenta que tanto a teoria contingencial como a teoria da dependência de recursos trata o poder como alguma coisa, não algo existente nas relações.

A concepção de Foucault (2001, p.88) sobre o poder é a que mais perturbou a maneira como a realidade organizacional passou a ser analisada, suscitando inúmeras

discussões sobre a dinâmica do poder nas organizações. Foucault (2006) caminha no sentido de pesquisar os efeitos positivos da prisão como mecanismo de dominação orientado pela sofisticação tecnológica, fruto do saber científico. Nesse sentido, o sistema de punição garante o sistema de produção da vida material, por meio da disciplina dos corpos dóceis, de modo que seja possível o controle das atividades por parte do poder produtivo.

Para Foucault (2006), a disciplina é a própria (micro) física do poder, instituída para controle e sujeição do corpo, com o objetivo de tornar o indivíduo dócil e útil, para, assim, dominá-lo sobre o que fazer e o como fazer. O conceito de disciplina, segundo Foucault (2006), como política de controle e domínio, pressupõe quatro elementos: (a) a distribuição dos corpos conforme as funções predeterminadas; (b) o controle da atividade individual pela reconstrução do corpo como portador de forças dirigidas; (c) a organização das gêneses pela internalização/aprendizagem das funções; (d) a composição das forças pela articulação funcional das forças corporais em aparelhos.

Para o autor, o poder não é um “conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um Estado determinado”, tampouco o autor o entende “como modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma da regra”, e nem mesmo “como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro”.

Esses elementos, integrados aos princípios da disciplina, constituem-se, segundo Foucault (2006, p.143), nos recursos para o bom adestramento que é, na verdade, o poder disciplinar, “um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”. Os princípios aos quais o autor se refere é o uso de instrumentos simples, muito diferentes dos grandes aparatos do Estado, mas é justamente esse caráter modesto e desconfiado que lhe permite sua permanência:

a) a vigilância hierárquica, que consiste em um sistema de poder integrado por redes verticais de relações de poder sobre o corpo do indivíduo, cujos dispositivos de observação são utilizadospara produzir efeitos de uma completa visibilidade dos submetidos, como o que ocorre nas fábricas, nas empresas e na sociedade contemporânea, com técnicas de “ver” cada vez mais sofisticadas pelas tecnologias de informação e comunicação;

b) a sanção normalizadora, um sistema duplo de recompensa (promoção) e de punição (degradação), que corrige e reduz os desvios, a partir de leis, programas, regulamentos e manuais que moldam a identidade dos sujeitos; e

c) o exame, que representa a conjugação da vigilância e a sanção normalizadora, em que as relações de poder criam o saber e constituem o indivíduo como resultado e objeto de relações de poder e de saber.

É a partir dessas complexas, porém apropriadas reflexões, que Focault (2001) compreende o poder como “uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada” (FOUCAULT, 2001, p.89), visto que o poder não existe por si só, mas apenas quando exercido, independente do lugar do qual provém. Na sua incursão sobre a concepção de poder, considera-o como um jogo, no qual ocorrem relações de força, lutas, confrontos, apoios, não se reduzindo a “algo que se adquire, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar” (FOUCAULT, 2001, p.89).

Para Foucault (1969), existe uma relação forte e evidente, em contextos específicos, entre o discurso e o controle social, cuja afirmação não tem a aprovação de Chouliaraki e Fairclough (1999) quanto ao conceito de discurso, que entendem como aspectos positivos da prática social. Ao propor a análise arqueológica dos discursos, segundo Foucault (1969, p.215), essa se “desdobra na dimensão de uma história, descobrindo todo o domínio das instituições, dos processos econômicos, das relações sociais nas quais pode articular-se uma formação discursiva [...]”. Nesse sentido, discursos especializados são introduzidos na sociedade como um poderoso instrumento que restringe o modo de pensar ou de falar, visto que tais discursos só podem ser contestados por especialistas concorrentes.

Em sua Arqueologia do Saber, Focault (1969, p.67) se concentra em mostrar que os discursos não são meramente um conjunto de palavras, regras, signos; mas são “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam”, como o saber, que o autor define como “aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico [...]”; “o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso [...]”; “o campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam [...]”; e, ainda, para o autor, o saber “se define por possibilidades de utilização de apropriação oferecidas pelo discurso [...]” (FOUCAULT, 2002, p.206-207).

Logo, as conjecturas de Foucault (1969) quanto ao saber não se restringem apenas em demonstrações positivistas, lógicas e matemáticas, mas repousam, também, em ficções, reflexões, narrativas, decisões políticas, o que remete a uma série de outras questões, tais como a demarcação do território científico e o papel ideológico do saber e da ciência.

Clegg (1989) e Dent (1995) recorrem ao conceito de Foucault (2006) sobre as práticas disciplinares para discutir os mecanismos de poder utilizados nas organizações. Ambos concordam que o poder nas organizações não pode ser reduzido a posições hierárquicas ou a algo que reveste uma determinada pessoa; ao contrário, Clegg (1989, p.109), ao afirmar que “poder não é uma coisa”, argumenta que sua análise deve ser ampliada no sentido de compreendê-lo como um campo de forças dentro das organizações, um conjunto de práticas reproduzindo ou transformando um emaranhado de relações complexas.

As organizações utilizam mecanismos ou práticas disciplinares que, por meio de discurso, não apenas punem e proíbem, mas, como Clegg (1989) ressalta, tornam o indivíduo obediente a ponto de aceitar como certas as formas de criatividade e produtividade impostas por elas, tanto por meio de regras, normas, como, também, pela apropriação da conduta dos mesmos. Townley (1993) demonstrou, utilizando-se da perspectiva foucaultiana, como práticas disciplinares podem ser aplicadas para distribuir as pessoas no espaço, bem como outras funções e atividades da área de recursos humanos.

Estudos de estratégia (KNIGHTS, 1992) também recorreram a Foucault para buscar explicações sobre como o discurso e a prática da estratégia representam as relações de poder e conhecimento que constituem a subjetividade dos administradores e empregados. Knights (1992) reconhece a contribuição de Foucault na explicação de como a existência de lacunas, contradições e descontinuidade dos planos estratégicos abrem espaço para membros da organização manifestarem sua resistência ao impacto dos mesmos sobre o trabalho.

Caminhando nessa mesma direção, Gergen e Whitney (1996), recorrendo, também, ao conceito foucaultiano de poder disciplinar, afirmam que as práticas discursivas são utilizadas como técnicas de disciplina, nas quais as relações de poder são fomentadas com a racionalidade de suas próprias atividades, o que confirma o exercício do poder por meio do discurso, em que a “verdade” ou conhecimento é capaz de subjugar o indivíduo, tanto mente e corpo, como na visão de Foucault (2006).

Ao mesmo tempo em que Gergen e Whitney (1996) revelam como as tecnologias de informação e comunicação suprimem vozes e consistem em uma forma de controle mais eficiente, constituindo-se em verdadeiros panópticos por parte das companhias, sinalizam para a possibilidade de fontes de resistência, na medida em que o processo de construção da realidade é local. Retomando os dizeres de Foucault (2006) quanto ao poder como um processo hegemônico, que só existe quando exercido, pode-se entender que os empregados e

empregadas se organizam em nível local, de modo que seus atos discursivos implicam em