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A Escolha Metodológica pelo Humanismo Radical: a Ênfase na Realidade Socialmente Criada e Sustentada

A EXTENSÃO DO FENÔMENO

5.1 A Escolha Metodológica pelo Humanismo Radical: a Ênfase na Realidade Socialmente Criada e Sustentada

As abordagens qualitativas ganharam força na década de 1970 (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1999), em oposição ao positivismo, estendendo-se em outras áreas de estudo, nas quais se incluem os estudos organizacionais. A discussão

contemporânea envolve tanto a recusa do status de ciência às ciências humanas, pelo seu caráter interpretativo, como, também, a multiplicidade de abordagens, com pressupostos, metodologias e estilos narrativos diversos que habitam o campo.

O principal aspecto que caracteriza a pesquisa qualitativa, na opinião de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999, p.146), é a ênfase dada “à compreensão das intenções e do significado dos atos humanos”. Os problemas da sociedade tornam-se cada vez mais complexos, o que exige a produção de um corpo de conhecimentos das ciências sociais amplo, confiável e aplicável. Segundo os autores, isso depende “da seleção adequada de procedimentos e instrumentos, da interpretação cuidadosa do material empírico (ou dos ‘dados’), de sua organização em padrões significativos, da comunicação precisa dos resultados e conclusões e da validação destes através do diálogo com a comunidade científica” (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1999, P.146).

As pesquisas em estudos organizacionais geralmente são realizadas utilizando-se a pesquisa quantitativa e qualitativa de modo excludente, o que, para Martin (1990), deve ser motivo de reflexão, pois ambas têm seus limites e possibilidades. A autora aponta uma alternativa, que denomina de camaleão, em que o pesquisador adota uma postura eclética, ou seja, considera a alternância no uso de tipos de métodos diferentes.

Figura 4: Paradigmas Sociológicos

Fonte: Adaptado de Burrell e Morgan (1979)

A matriz teórico-metodológica utilizada nesse estudo, considerando as diferentes posições delineadas (Figura 4) por Burrell e Morgan (1979), é o humanismo radical, cujas suposições estão fundamentadas na noção de que o indivíduo participa da criação da realidade

Mudança radical Objetividade Sociologia da regulação Subjetividade Humanismo radical Interpretativismo Funcionalismo Estruturalismo radical

em que vive, mas, diferentemente do paradigma interpretativo, os humanistas radicais colocam o sujeito como capazes de construir um mundo no qual podem exercer o controle sobre suas próprias construções, não se limitando à sujeição do poder.

Situando a pesquisa no paradigma Humanista Radical, de acordo com a proposição de Burrell e Morgan (1979), necessário se faz expor as características que o definem. Para Morgan (1980, p.609), o Humanismo Radical “enfatiza como a realidade é socialmente criada e socialmente sustentada”, mas dirige a análise para o modo como as pessoas tornam-se prisioneiras da realidade (Figura 5) que elas mesmas criam e sustentam. Essa perspectiva vai além do paradigma interpretativo ao focalizar os aspectos de alienação que caracterizam as visões totalitárias que dão forma à “natureza do trabalho, tecnologia, racionalidade, lógica, ciência, papéis, linguagem e mistifica conceitos ideológicos [...]” (MORGAN, 1980, p.609).

Burrell e Morgan (1979) e Burrell (1996) diferenciam os paradigmas sociológicos utilizando-se de um esquema analítico que concilia a natureza da ciência social, conforme a sua dimensão subjetiva e objetiva, com a natureza da sociedade, a partir da dicotomia consenso-dissenso. Ao centro, estão as quatro posições sobre as quais o pesquisador deve fazer sua escolha, determinando, assim os paradigmas que, segundo Burrell e Morgan (1979), são excludentes entre si.

As posições a serem escolhidas de forma a determinar o paradigma sociológico são a ontologia, a epistemologia, a natureza humana e a metodologia. O Humanismo Radical, quanto à natureza da ciência social, tem uma visão subjetivista. Do ponto de vista ontológico, segundo Morgan e Smircich (1980), Burrell (1996) e Burrell e Morgan (1980), a posição é nominalista, ou seja, a realidade é uma projeção da imaginação do sujeito, e não somente uma estrutura concreta; quanto à epistemologia, o paradigma assume a posição anti-positivista, ou seja, não há preocupação com o estudo de sistemas, mas com a revelação de insights, obtidos a partir do próprio sujeito. Quanto à natureza humana, a suposição é o seu caráter voluntarista: o homem é um ser puro, consciente, em construção; e, por fim, a metodologia leva à escolha pela ideografia que, conforme Babbie (2001), as explicações são limitadas a um contexto específico, distinto, e ao que Morgan e Smircich (1980) acrescentam: permite a exploração da subjetividade pura.

Morgan (1990) destaca as principais contribuições do paradigma Humanista Radical para o entendimento das organizações:

a) pesquisa por prisões e viseiras ideológicas que levam os indivíduos a sentirem-se sentirem-sem poder para fazer acordos com as contingências do cotidiano. Morgan (1990) explica

que os trabalhadores são dirigidos por forças e conceitos que estruturam sua realidade que, do ponto de vista humanista radical, são barreiras que impedem o pensamento reflexivo e as possibilidades de que o próprio indivíduo faz parte da construção da sua realidade;

b) atrai a atenção para as dimensões de poder ocultas nos processos. Como exemplo mais emblemático, Morgan (1990) cita o papel da liderança carismática que consiste, na verdade, em um processo de construção da realidade baseado no poder de indivíduos que criam relações de dependências com seus seguidores de modo a sustentar as formas institucionalizadas de poder;

c) revela a dimensão ética imbricada em sistemas de significados, cujas diferenças levam a diferentes tipos de soluções e conseqüências, o que Morgan (1990) considera relevante para entender e confrontar os códigos de ética e as escolhas organizacionais quanto ao modo de resolver os problemas cotidianos;

d) ilumina os significados inconscientes da organização. Aspectos que são negligenciados, mas que têm significado simbólico, podem ser descortinados revelando importantes insights e contradições que parecem invisíveis;

e) defende uma ideologia na qual as pessoas estão em primeiro lugar; ao contrário de teorias organizacionais que consideram as pessoas como recursos ou ferramentas a serem utilizadas para alcançar os objetivos organizacionais.

Os paradigmas sociológicos de Burrell e Morgan (1979) foram e são alvo de críticas, embora os autores tenham esclarecido posições que antes obscureciam o seu entendimento, como, por exemplo, o caráter estático das quatro categorias. Mas a obra dos autores resiste às críticas em virtude de oferecer alternativas diferentes da orientação funcionalista, até então dominante. Nesse estudo, considerou-se necessário enfatizar alguns aspectos do trabalho desses autores para justificar a posição adotada por esse estudo, visto que os autores não consideraram o pós-modernismo, especificamente, em nenhum dos paradigmas; o que talvez possa ser explicado pelo fato de a matriz metodológica ter sido construída um pouco antes das evidências significativas da utilização do pós-modernismo nos estudos organizacionais.

Para esclarecer a adoção da matriz sociológica de Burrell e Morgan (1979), nesse estudo, considera-se pertinente apresentar algumas das críticas que receberam em relação a esse trabalho, como, por exemplo, de Willmott (1990), que considera problemática a divisão e a limitação da análise organizacional em quatro paradigmas sustentados por dicotomias. A

crítica do autor fundamenta-se, principalmente, no fato de que a teoria organizacional é ainda um terreno em expansão, no qual podem emergir abordagens que requerem, ao mesmo tempo, a objetividade e a subjetividade, assim como outros princípios que não a regulação e a mudança radical.

Morgan (1990), indiretamente, responde a tais críticas explicando que o campo dos estudos organizacionais exige uma diversidade de paradigmas para explorar os problemas que emergem da área; e, ainda, esclarece que os paradigmas propostos por Burrell e Morgan (1979) não foram concebidos como tipologias que reduzem a teoria social e análise organizacional quanto à classificação e localização; ao contrário, os paradigmas devem ser vistos como uma caracterização das teorias organizacionais até então existente e um convite para explorar novas possibilidades.

A defesa de Burrell (1996) se direciona para o mesmo sentido, embora esse tenha feito a opção em ressaltar que a orientação funcionalista, então dominante, não poderia ser considerada como a única forma para compreender as organizações, enfatizando a contribuição do trabalho para ampliar as perspectivas de análise de um campo tão plural como a teoria organizacional.

Prasad e Prasad (2002) também questionam a classificação de Burrell e Morgan (1979) quanto à separação entre interpretativismo e crítica, que consideram ser tênue, o que torna difícil identificar os significados que emergem durante a pesquisa. Segundo esses autores, cabe ao pesquisador decidir-se, ao interpretar a realidade, pelo levantamento de questões sobre o status quo, engajando-se em uma crítica, ou, ainda, desconstruí-la ou (re)criá-la.

O delineamento da pesquisa seguiu a orientação de Creswell e Maietta (2002), que consideram a pesquisa narrativa uma das cinco abordagens apropriadas para conduzir a investigação da pesquisa qualitativa. A pesquisa narrativa, segundo esses autores, descreve a vida de indivíduos, coleta e conta histórias sobre a vida de um povo, escreve experiências individuais. Embora os autores estendam as narrativas em vários tipos, não consideram, diferentemente de Manning e Cullum-Swan (1994), as relações existentes entre a sua forma e outros elementos que influenciam o seu significado. Porém, Creswell e Maietta (2002) reconhecem que as ciências sociais têm envolvido, recentemente, nas narrativas de indivíduos, as vozes e visões desses dentro de um contexto sócio-cultural.

Dessa mesma forma, Manning e Cullum-Swam (1994, p.465) compreendem que as narrativas não são apenas “uma história com início, meio e fim que revelam a experiência de alguém”, mas alcançam muito mais, pois assumem diferentes formas, “são contadas em muitos contextos, diante de várias audiências, e em vários graus de conexão aos eventos reais ou pessoas”. Nessa mesma direção, caminham Clandinin e Connelly (1994), ao considerarem o significado, o valor e a intenção, dimensões críticas das narrativas.

Os resultados dos trabalhos de Martin (1990, 1991), Boje (2001) e outros analistas organizacionais são exemplos da importância das histórias organizacionais ou mesmo do conjunto de pequenas histórias que fazem parte da vida das organizações. Esses trabalhos revelam que as dimensões das narrativas não se resumem a vidas individuais. Assim, as histórias ou narrativas organizacionais, consideradas como textos, “falam com muitas vozes e contém dentro delas, muitas potenciais alternativas de leitura” (MANING e CULLUM-SAW, 1994, p.469), o que permite analisar e identificar conflitos, supressões, omissões que estão imbricadas no contexto de uma história da qual fazem parte várias pessoas.

Soin e Scheytt (2006) distinguem histórias de narrativas, caracterizando as primeiras como aquelas que são contadas por atores, que incorporam símbolos e significados de acordo com suas experiências, valores e crenças. Ao fazer isso, as histórias tornam-se um eco de vozes, pensamentos e percepções das pessoas que, juntas, criam significados. As narrativas, por outro lado, se resumem a textos falados ou escritos sobre um evento ou uma série de eventos que aconteceram de forma seqüencial.

Entretanto, Putnam, Phillips e Chapman (2004, p. 95) esclarecem que as narrativas são também referidas “como histórias, scripts, mitos, lendas e sagas”, cuja principal característica é que os eventos são desenvolvidos de forma cronológica e seqüencial. Dessa forma, segundo os autores, as narrativas constituem-se em veículos para a produção e reprodução de eventos nas organizações, aos quais seus membros conferiram sentido e significado, o que permite servir-lhes como argumentos e mecanismos de persuasão e controle cultural.

O interesse em narrativas organizacionais, segundo Hatch (1996), emergiu na teoria organizacional em pesquisas de histórias e storytellings, indo além da abordagem de representação, mas, apresentando, também, relação com o desempenho organizacional, haja vista que se constitui em um elemento importante para esclarecer questões que não estão

expostas claramente. A autora, inspirada em Genette46 (1980), distingue três aspectos encontrados na análise organizacional que caracterizam a narrativa: (a) a história; (b) o texto ou discurso narrativo; e (c) o ato de narrar.

Esses aspectos envolvem outros elementos: a perspectiva (quem vê) e a voz (quem fala), o que implica na necessidade de analisar o relacionamento entre o pesquisador e o ato de pesquisar no âmbito da teoria das organizações. Desse modo, a posição de alguém que vê não necessariamente define a posição de quem disse, visto que existem diferenças individuais, tais como, suposições, experiências, o próprio uso da linguagem, entre um e outro, de tal forma que os efeitos da perspectiva e da voz (HATCH, 1996) dão origem ao confronto de diferenças e similaridades.

Nesse sentido, Hatch (1996) argumenta que a perspectiva narrativa constrói uma posição epistemológica cuja contribuição para os estudos organizacionais, por sua natureza pluralística, não pode ser ignorada; antes, deve ser aceita em termos da variedade de posições que emergem das combinações de perspectivas (quem vê) assumidas interna ou externa e a reflexividade ou não reflexividade das vozes (quem fala).

“Nenhuma história é neutra ideologicamente”, assim afirma Boje (2001), um dos autores contemporâneos mais engajados na utilização de narrativas como método de análise das organizações. Na perspectiva do autor, uma história não existe sozinha; mas, na verdade, ela faz parte de uma rede de múltiplas histórias, que são narradas em diferentes pontos de vistas, o que leva o autor à afirmação de que as histórias são construídas, desconstruídas e reconstruídas.

Para Creswell e Maietta (2002), a pesquisa narrativa exige elementos chaves, haja vista que o pesquisador coleta dados, por meio de entrevistas, para contar ou (re)contar a história ou textos (CLANDININ e CONNELLY, 1994) que ocorreram em um espaço dentro de uma seqüência cronológica. Entende-se, então, que o processo de reescrever uma história exige que o pesquisador, ao analisar os dados, esteja atento, pois, esses, nem sempre estão desenvolvidos na seqüência, cabendo ao pesquisador identificar a ligação casual entre as idéias, incluindo-se aí os detalhes do contexto no qual a história ocorreu, de modo a enriquecer a narrativa (CRESWELL e MAIETTA, 2002).

Em estudos organizacionais, Hatch (1996) discute o papel do pesquisador, principalmente em pesquisas interpretativas, feministas e abordagens pós-modernas, cujas

suposições são que esse deva se posicionar como parte da pesquisa, ao contrário dos estudos tradicionais que o colocam fora dela, com uma visão objetiva da realidade. Cox e Hassard (2005) estendem essa discussão para o conceito de triangulação como um processo de movimento entre posições do pesquisador-sujeito da pesquisa, acenando para três perspectivas: (a) o pesquisador com uma visão nomotética (objetivista); (b) o pesquisador assume uma visão ideográfica (subjetivista); e (c) o pesquisador observa de um ângulo em particular.

Ainda sobre o papel do pesquisador, Creswell e Maietta (2002) ressaltam que esse deve colaborar com o(s) participante(s) envolvendo-se no sentido de evitar potenciais lacunas que possam ocorrer entre a narrativa contada e a narrativa por ele reescrita. Para tanto, recomendam que o pesquisador deva incluir explicações da proposta da investigação, no sentido de envolver o(s) participante(s) na pesquisa. Como Fontana e Frey (1994) recomendam, o modo como a entrevista foi conduzida, nesse estudo, considerou a polifonia, na qual as vozes dos sujeitos são registradas com a mínima influência da pesquisadora, embora tenha sido necessário considerar a opinião de Bryman e Cassel (2006) sobre a necessidade de o entrevistador, às vezes, usar alguma ferramenta para encorajar a discussão em termos gerais.

Sobre a reflexividade nos estudos organizacionais, importa mencionar a contribuição do trabalho de Hardy, Phillips e Clegg (2001), realizado com refugiados de três países distintos, com o objetivo de explorar o papel dos diversos atores (refugiados, pesquisadores, e a comunidade como um todo) do processo de construção social que produzem os refugiados como sujeito. A reflexividade envolve uma reflexão sobre o modo como o qual os pesquisadores ficam “do lado de fora” para compreender como o processo de pesquisa constrói seus resultados.

As principais implicações apontadas pelos autores é que o sujeito social existe independentemente dos outros atores que estão envolvidos na pesquisa; entretanto, os pesquisadores e a comunidade envolvida estão, inevitavelmente, envolvidos na produção do sujeito de pesquisa (HARDY, PHILLIPS, CLEGG, 2001), o que vai ao encontro das conclusões de Bryman e Cassell (2006) sobre o fato de que a entrevista não consiste em um processo neutro, que se possa reduzir à simples extração de informações e de visões do entrevistado.