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3.01 O contexto da proposta e sua utilização para áreas conurbadas 

No  artigo  “A  Pure  Theory  of  Local  Expenditures”,  Charles  Tiebout  analisa  as  decisões  individuais  em  relação  ao  consumo  de  serviços  coletivos  públicos.  Em  seu  trabalho,  são  considerados  os  diferentes  padrões  socioeconômicos  dos  distritos  e  como  as  famílias  se  organizam à procura da satisfação do seu padrão individual de consumo. Sua contribuição  é  relevante  para  explicar  a  mobilidade  no  interior  de  áreas  conurbadas  brasileiras  onde  ocorre  a  dissociação  entre  o  processo  de  desenvolvimento  econômico,  que  resulta  na  expansão  das  áreas  urbanizadas,  e  a  administração  do  processo  de  ocupação  sob  responsabilidade dos governos locais. 

Sua  contribuição  surgiu  como  conseqüência  dos  trabalhos  de  Musgrave  e  Samuelson,  interessados em estabelecer um nível de consumo para os serviços públicos em função de  sua  implicação  na  montagem  do  orçamento  federal  americano.  Como  conclusão,  seu  trabalho  demonstrou  que  o  tipo  de  hipóteses  que  levou  a  estabelecer  os  padrões  de  consumo  de  serviços  para  o  nível  federal  “não  seriam  aplicáveis  às  despesas  locais”  (FISCHEL,  2006:  xi)  e,  para  sustentar  essa  constatação,  desenvolveu  um  modelo  teórico  com  a  possibilidade  de  grande  variação  na  definição  dos  padrões  de  serviços  que  serão  consumidos  pelas  famílias  de  acordo  com  sua  capacidade  de  pagamento,  situação  que  gerava na mobilização dessas famílias.  

O modelo ficou conhecido como “votando com os pés” em função da necessidade que  cada  consumidor  eleitor10  apresenta  de  mover‐se  para  encontrar  a  condição  que  melhor  atender  à  sua  necessidade.  Sua  concretização  pode  ser  entendida  como  um  “teste  de  disposição”  do  consumidor‐eleitor  para  a  compra  do  pacote  de  serviços,  o  que  dá  indicações sobre sua capacidade de demanda. 

A proposição desenvolvida por Tiebout, para explicar o comportamento do consumidor‐

eleitor,  teve  foco  inicialmente  direcionado  à  definição  do  nível  de  consumo  de  cada 

indivíduo  ou  família,  mas  trouxe  uma  contribuição  acessória  que  foi  demonstrar  a        

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 Este item tem por base o artigo de Tiebout no qual foram construídos os fundamentos sobre a discussão dos  casos  explorada  no  capítulo  III.  O  artigo  foi  originalmente  publicado  em  Journal  of  Political  Economy  64:5 

(Chicago: University of Chicago Press, 1956), 416‐424. A versão do original foi republicada em FISCHEL (2006). 

associação‐chave entre os temas da mobilidade e da seleção do padrão de serviços. Esse  ponto parece ter um poder explicativo sobre casos analisados nos capítulos II e III, tanto  em relação às indústrias atraídas a partir da diminuição da carga fiscal, como a população  de baixa renda, pelo reconhecimento do direito a habitação em Diadema.  3.02 As premissas do modelo de Tibout  Tiebout entende que o consumidor‐eleitor pode ser visto como colhedor ou apanhador  (“picker”)  de  oportunidades,  e  que  elege  o  local  que  melhor  satisfaça  o  seu  padrão  de  preferência  por  serviços  públicos.  Entre  as  condições  que  associa  ao  modelo  estão  as  diferenças  entre  os  padrões  locais  e,  nesse  sentido,  quanto  maior  for  o  número  de  municípios  e  a  variância  entre  suas  políticas  públicas,  maior  será  a  possibilidade  de  que  encontre  o  padrão  que  possa  satisfazer  integralmente  a  sua  necessidade.  A  seguir  são  apresentadas as premissas do modelo: 

1. O consumidor‐eleitor tem plena mobilidade e passará para a cidade onde os padrões  que expressam a sua preferência estejam mais bem satisfeitos; 

2. O consumidor‐eleitor tem pleno conhecimento da diferença de padrões de receitas e  despesas e reage a essas diferenças (buscando a maximização de sua satisfação);  3. Há  um  grande  número  de  municípios  no  qual  o  consumidor‐eleitor  pode  escolher 

para viver;  

4. Restrições  devidas  a  oportunidades  de  emprego  não  são  consideradas,  o  que  pressupõe que todas as pessoas estão vivendo em dividendos (tem uma cota parte  de receita); 

5. Os  serviços  públicos  oferecidos  pelos  municípios  não  transferem  economias  ou  deseconomias aos demais; 

6. A  decisão  sobre  o  padrão  de  cada  serviço  foi  fixada  pelos  moradores  da  cidade  e  implementada  pela  decisão  de  um  prefeito.  A  otimização  do  custo  do  pacote  de  serviços  é  definida  em  função  do  número  de  habitantes  de  maneira  a  produzir  o  menor custo médio, o que significa dizer que há um tamanho ótimo para o distrito;   7. A última hipótese é que as cidades abaixo do tamanho ideal procuram atrair novos 

fazem precisamente o oposto11. As que se encontram em uma ocupação ótima têm  de manter as suas populações constantes. 

Mesmo  em  cidades  com  “tamanho  ótimo”,  há  um  subconjunto  de  consumidores‐ eleitores que estão descontentes com os padrões locais, pois um conjunto de necessidades  deixa  de  estar  plenamente  satisfeito.  Dadas  a  suposição  sobre  a  mobilidade  e  demais  premissas  enumeradas,  existirá  um  movimento  que  vai  ter  lugar  de  fora  da  cidade  de  maior  tamanho  para  aquelas  com  o  tamanho  menor  que  o  ideal,  como  reforço  a  uma  situação de equilíbrio. 

3.02.1 A flexibilização do modelo 

A solução conceitual apresentada por Tiebout foi uma resposta aos seus interlocutores  no  sentido  de  apresentar  uma  solução  à  afirmação  sobre  a  impossibilidade  de  determinação  do  consumo  de  serviços  públicos  pela  via  analítica,  conforme  formulação  original  apresentada  por  Musgrave  e  Samuelson.  A  formulação  do  modelo  por  Tiebout  previu duas flexibilizações:  

− Na  primeira  foi  formulada  uma  hipótese  segundo  a  qual  não  existem  serviços  públicos,  conseqüentemente,  os  consumidores‐eleitores  deveriam  comprar  suas  preferências diretamente no mercado. Nesse caso, consideradas as premissas 1 a  5  sobre  o  deslocamento  dos  consumidores‐eleitores  visando  maximizar  suas  expectativas, a alocação dos recursos individuais deveria, segundo sua suposição,  equivaler  aquela  realizada  pelo  poder  público,  pois  a  substituição  do  fornecimento  de  serviços  realizados  pela  Administração  Pública  por  um  intermediário não afetaria a decisão sobre a cidade a ser escolhida;  

− Na  segunda  foi  apresentada  a  hipótese  que  os  serviços  seriam  exclusivamente  públicos.  Consideradas  as  premissas  1  a  5,  os  consumidores‐eleitores  irão  deslocar‐se para o município que satisfaçam exatamente as suas preferências, e a  soma  das  demandas  dos  “n‐locais”  refletirá  a  demanda  por  serviços  públicos        

11  Nas  cidades  acima  do  seu  tamanho  ideal,  operam  de  maneira  mais  intensa  mecanismos  econômicos  que 

tendem  a  empurrar  as  pessoas  para  fora.  A  mudança  de  pessoas  pode  ser  entendida,  em  parte,  como  uma  reação contra o padrão que a cidade tem a oferecer (custos e serviços). No caso daquelas abaixo do tamanho  ótimo, um mecanismo é a atração de uma indústria pela oferta de recursos, e com isso obter um número ótimo  de empresas que se instalam em certa área, dando origem à zona de desenvolvimento econômico. 

locais  onde  o  resultado  seria  o  mesmo  que  o  determinado  pelas  forças  de  mercado. 

As  hipóteses  estabelecidas  e  a  equivalência  dos  resultados  é  um  reforço  à  primeira  premissa  em  que  os  consumidores‐eleitores  deslocam‐se  de  maneira  a  realizar  a  otimização de suas preferências em vista das possibilidades que dispõem.  

Nas  considerações  finais  serão  comentados  os  padrões  de  alocação  de  despesas  por  município no Brasil, com o objetivo de identificar o espectro de sua variação, em vista da  condição  que  se  coloca  a  hipótese  de  utilização  da  renda  fundiária  no  financiamento  da  cidade.