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A Convergência dos Argumentos Pró e Contra

Vale destacar um ponto que, muitas vezes, é pouco notado nos debates sobre responsabilidade social, que freqüentemente resvalam para o campo ideológico sem aprofundamento da essência do conceito da responsabilidade social. Existe um problema de semântica, uma vez que a interpretação do signifi- cado do termo responsabilidade social não é homogêneo. Mas, usando como referencial o modelo de Carroll, tanto as visões críticas como as favoráveis às ações de responsabilidade social (visão dos stockholders versus visão dos stakeholders) concordam quanto às responsabilidades representadas nos três primeiros degraus da pirâmide de Carroll (econômica, legal e ética).

Em boa medida, a “demonização” que alguns críticos fa- zem à visão de Friedman advém dessa confusão em torno do conceito de responsabilidade social. Pode-se reduzir o foco da divergência apenas na parte de responsabilidade “discricioná- ria ou filantrópica” (o último degrau na pirâmide de Caroll), que é apenas uma componente do conceito mais amplo de responsabilidade social.

Mesmo com relação ao componente da responsabilidade discricionária, podem existir convergências. A relação coope- rativa espontânea entre as empresas e a sociedade é justificada, na ótica da maximização do valor, nas situações em que a em- presa venha a se beneficiar de um ambiente positivo de relacio- namento social, por meio de melhoria de imagem ou reputação que gere criação de valor no longo prazo. Entretanto, em outro contexto, essa relação poderá implicar um desalinhamento de objetivos entre acionistas e gestores, o que levaria a um poten- cial conflito de interesses. A terceira situação seria aquela na qual os acionistas obtêm algum tipo de retorno não-pecuniário a partir de uma postura socialmente positiva, em consonância com o desejo dos demais stakeholders. Em termos econômicos, seria a situação em que os acionistas derivam utilidade do truís- mo (além do auto-interesse), como sugere Amartya Sen.

Assim, considerando a ótica maximizadora, a empresa te- ria retorno econômico pelo aumento da sua reputação. No caso de os acionistas obterem outros tipos de retornos não-pecuniá- rios de ações sociais, mesmo sem ganhos econômicos, também não haveria desalinhamento de interesses entre o agente e o

principal. Apenas no caso de o tipo de ação social não implicar

ganhos econômicos pelo aumento do capital reputacional, e também por não fazer parte da função-utilidade dos acionistas, é que ocorreriam problemas de agência.

Quando o exercício da conduta socialmente responsável das empresas vai além do seu compromisso estritamente econômico/ético/legal, por meio do engajamento em projetos sociais (responsabilidade discricionária), recursos são aloca- dos para atividades que não estão diretamente relacionadas com os objetivos de negócios imediatos. Esse tipo de ação de responsabilidade social pode ser encarado sob três aspectos:

a) Podem advir dos valores dos seus acionistas, que, independentemente dos possíveis retornos que elas possam trazer para as atividades principais, enten- dem que a empresa deve engajar-se em práticas so- ciais.

b) Podem ser determinadas por uma visão pragmática, segundo a qual, de alguma forma, podem trazer retornos para a empresa, sendo, nesse caso, uma es- tratégia de busca de valor (value seeking) por parte da organização.

c) Podem derivar de gestores que vêem nessa prática uma forma de obter ganhos pessoais, poder, auto- ridade na comunidade local, independentemente de haver ou não alinhamento com os interesses da organização.

A alternativa (a) parte da visão de que não é unicamente o auto-interesse que rege os seres humanos. É uma visão benigna da atuação da empresa na sociedade.

A alternativa (b) parte do pressuposto de que o capital social

reputacional das empresas tende a crescer com ações sociais,

demonstração de preocupação ecológica e com os impactos ambientais, ações de filantropia e outras formas de interação com a comunidade na qual a organização está inserida.2

2 “... para ilustrar, pode bem ser do interesse de longo prazo de uma corporação,

que seja a maior empregadora em determinada comunidade, devotar recursos para prover amenidades para aquela comunidade ou melhorar o seu governo. Isto pode facilitar a atração dos empregados desejados, pode reduzir despesas trabalhistas, reduzir perdas de pilhagem ou sabotagem ou ter outros efeitos válidos. Ou pode ser que, dadas as leis sobre dedutibilidade em função das contribuições de caridade, os acionistas podem contribuir diretamente com recursos para caridade que de qualquer forma seriam pagos na forma de taxas e impostos pela corporação.” (Friedman, 1970, p. 123)

Já a alternativa (c) constitui-se em um problema de gover- nança, pois existe desalinhamento de interesses entre o gestor e os principais. Muitos acionistas poderiam preferir, por exem- plo, receber dividendos e alocá-los conforme suas preferências, inclusive investindo eles próprios em ações sociais, em vez de a empresa fazê-lo.

A Figura 2.2 ilustra outro modelo de duas dimensões para classificação das visões existentes sobre a responsabilidade social.

Fonte: Quazi e O’Brien (2000).

Figura 2.2 – Modelo bidimensional de responsabilidade social corporativa (RSC).

Nesse modelo, existem duas vertentes da responsabilidade social: a responsabilidade ampla, que compreende as atividades de negócios que vão além das responsabilidades clássicas eco- nômicas da empresa, e a responsabilidade estreita, segundo a qual a função-objetivo da empresa é basicamente a maximização do valor para o acionista, e a isso a organização deve se ater.

A responsabilidade ampla se desdobra em dois tipos de visão: a visão moderna, de que no longo prazo as ações de responsabilidade social trazem benefícios para a empresa. A outra visão, denominada filantrópica, defende as ações de res- ponsabilidade social mesmo que não tragam retornos para a empresa. Em síntese, a responsabilidade que o autor denomina

ampla está em sintonia com a visão dos defensores das ações de

responsabilidade social.

A responsabilidade estreita se desdobra também em duas visões: a visão socioeconômica, que considera que a função-obje- tivo da empresa é a maximização do valor para o acionista, mas que as ações de responsabilidade social podem ajudar nessa geração de valor. E a visão clássica, que defende que as ações de responsabilidade social não geram valor para a empresa, e não devem ser desenvolvidas.

Deve-se notar que a convergência em favor da responsabi- lidade social se dá entre as visões “moderna” e “socioeconômi- ca”. De acordo com ambas, as ações de responsabilidade social estariam gerando valor para a empresa.