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No que se refere à política de cooperação internacional na área de C&T no Brasil e em particular na área espacial, verificamos que não existe uma orientação muito clara de como proceder

no tocante a seu estabelecimento, pois ainda é vista como uma cooperação ad hoc, algo eventual e segmentado. Muito embora exista um relativo consenso em relação ao caráter estratégico da cooperação e o caráter pacífico do país, com uma considerável massa crítica desenvolvida e algumas instituições científicas com níveis compatíveis com instituições de ponta localizadas no exterior, a política de cooperação internacional na área de C&T possui equívocos desde a sua origem, passando pela execução e avaliação7.

Um argumento que pode, em parte, explicar o fraco desempenho das políticas de cooperação em C&T pode ser capturado da análise de Herrera (1975) para a interação entre atividades de C&T e o setor produtivo. Neste estudo, Herrera contrapõe dois tipos de política: a implícita e a explícita8.

O autor entende por política explícita a política oficial de C&T, expressa em leis, regulamentos e estatutos; e por política implícita aquela correspondente à “real” demanda de C&T do país, a qual seria definida pelos interesses de suas elites dominantes (pp. 106-107).

Herrera (1975) conclui, em sua análise, que embora as classes governantes tenham tido, de fato, a intenção de criar sistemas próprios de pesquisa, isso não se desdobrou em resultados tangíveis para os países latino-americanos. Esse descompasso entre oferta e demanda da ciência e da tecnologia gerada localmente resulta, sobretudo, no papel hegemônico das burguesias industriais estrangeiras no desenvolvimento do capitalismo industrial nos países da Periferia e na América Latina, em especial.

Desde a segunda metade dos anos sessenta, o Regime Militar, em vigor no país, adotou o projeto Brasil Grande Potência, cujo objetivo era a formação de uma comunidade assentada no nacionalismo e desenvolvimentismo e na afirmação de capacidade tecnológica no país. Segundo

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A avaliação das políticas e das instituições de C&T é ainda pouco sedimentada no Brasil, e em muitas vezes restrita, à comparação de indicadores ao longo dos anos, o que não reflete, sobremaneira, o avanço no conhecimento das instituições, dada a sua multidisciplinaridade. Critérios como número de artigos em revistas indexadas, número de doutores formados e número de patentes nem sempre funcionam como bons indicadores.

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Com essa tipologia, Herrera pretende dar conta da aparente ambigüidade existente entre o fato de os governos Latino- Americanos investirem vultosos recursos na formação de um parque de C&T sem proporcionar, no entanto, condições para que este venha a ter um papel efetivo e central no desenvolvimento econômico-industrial da região. Aqui, a “política explícita” nada mais seria do que uma fachada a esconder, por trás do verniz de governo modernizador que tal política empresta, aquela que seria a sua verdadeira intenção, qual seja, a de “construir aparatos científicos e

Burgos (1999:36), “as razões da centralidade atribuída a C&T pelos militares remontam aos anos 40, quando do início da percepção de que a autonomia tecnológica constituía uma dimensão estratégica para as forças armadas. Agora [anos sessenta], porém, o que orienta a ação dos militares é uma influente ideologia, resultado do alargamento de sua doutrina da segurança nacional e da sua conversão ao projeto Grande Potência”. Esse projeto nacional reservou um papel mais importante para ciência e tecnologia gerada nos setores considerados estratégicos.

A importância da política de C&T no período militar, tornando-a um projeto de Estado e de longo prazo, colocou a questão da cooperação internacional como uma prioridade. Inicialmente, mantendo contatos com países desenvolvidos e, a partir da década de 70, processou-se a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (Cervo, 1994).

Cervo (1994) aponta que, do final dos anos 60 ao início dos anos 80, foram criadas as melhores condições internacionais para o desempenho da Cooperação Técnica Internacional (CTI) no Brasil. Essa afirmação deveu-se à inserção racional da CTI na política externa, à capacitação para determinar fins próprios para a CTI e não aceitar aqueles definidos pelos países avançados, à montagem de um sistema nacional articulado de gerência da cooperação técnica, à implantação de agências internas preparadas para cooperar, e, finalmente, à filosofia desenvolvimentista.

Entretanto, historicamente, a Política de Ciência e Tecnologia no Brasil esteve focada no aspecto científico e desconectada de uma competitividade tecnológica que pudesse credenciar as empresas nacionais à liderança no comércio internacional de produtos com maior valor agregado. Sendo assim, esta foi utilizada como um suporte para o desenvolvimento da ciência. Note-se que, nos anos oitenta, a pesquisa científica estava concentrada nas universidades públicas e as cooperações internacionais, materializadas no estabelecimento de intercâmbios científicos, buscaram a formação de recursos humanos no exterior9. Entretanto, após a volta destes profissionais, muitos permaneciam vinculados aos grupos de pesquisa no exterior e não havia uma diretriz clara de como esse conhecimento poderia colaborar com a política de C&T vigente no país.

tecnológicos que se limitem a cobrir reduzidas necessidades do sistema sem questionar os supostos fundamentais do mesmo” (Herrera, 1975, p.111).

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Segundo Schwartzman (1992) os dispêndios para concessão de bolsas, sobretudo de doutorado, no exterior eram até 1986 superiores aos recursos no Brasil em face da necessidade de formação de RH em áreas nas quais o Brasil era notoriamente carente.

Assim, no início dos anos 80, o Brasil já havia avançado muito no domínio do conhecimento técnico e buscava agora o avanço tecnológico “que não era objeto da generosidade distributiva das nações mais avançadas” (Cervo, 1994: 38).

Entretanto as políticas de cooperação internacional em C&T priorizaram uma cooperação no estilo “Norte-Sul”, em que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) eram os principais pólos da cooperação. Além das cooperações ocorridas entre instituições, existiam grandes cooperações por intermédio de programas sólidos, como por exemplo: MEC-USAID, Financiamento da Fundação Ford, no caso norte-americano10, Programa CAPES- COFECUB, no caso francês; Programas do British Council, no caso britânico; Programa DAAD, no caso alemão; Programa Mobushuo, no caso japonês. A síntese desses programas era sempre prover recursos financeiros e abrir as portas das principais instituições para intercâmbios científicos, alguns deles voltados para a formação de recursos humanos e treinamentos de curta duração.

O fenômeno da Cooperação Técnica Internacional (CTI) despertou o interesse de várias instituições no Brasil, tendo em vista que a cooperação com um país avançado é considerada um indicativo de ‘avanço’ institucional. Entretanto, esta aproximação é apenas o primeiro passo, sendo necessária uma estratégia definida na forma de uma política pública interna de aproveitamento dos ganhos científicos e tecnológicos e um posterior espraiamento para outras áreas. Esse deslocamento denota claramente uma falta de coordenação das ações e uma visão pouco contextualizada das atividades de C&T por parte dos formuladores de política.

Ademais, os planejamentos de médio e longo prazo foram relegados ao segundo plano, não havendo política, diretrizes nem prioridades claramente estabelecidas e definidas para a CTI. Gama (2004) aponta, ainda, que os programas que contam com parceiros internacionais e/ou fontes externas de financiamentos dificilmente refletem as prioridades reais de desenvolvimento nacional11.

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Schwartzman (1992) afirma que: “Instituições estrangeiras de apoio à pesquisa desempenham papéis importantes no Brasil, mas não chegam a dominar. A Fundação Ford, em 30 anos de atividade no país, dispendeu cerca de 77 milhões de dólares, concentrados principalmente na área de ciências sociais”.

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Amorim (1994:161) complementa: “Tudo o que foi dito até aqui pareceria indicar que não haveria lugar para a cooperação científica e tecnológica entre nações de níveis distintos de desenvolvimento, o que não corresponde, obviamente, à verdade. Em primeiro lugar, no que tange especificamente à cooperação científica, todos sabemos que a

Uma solução paliativa seria uma cooperação com uma divisão mais equilibrada e mais abrangente, onde os custos do projeto, o gerenciamento e a tecnologia fossem partilhados de maneira eqüitativa.

Não existe, contudo, um consenso sobre as principais formas de cooperação nem tampouco instrumentos consolidados que possam orientar uma política de aproveitamento das capacitações e do aprendizado adquirido. Estas conclusões formaram a base do argumento do Livro Verde, lançado pelo MCT em 2001. O Livro Verde tinha por objetivo apresentar as principais ações na área de C&T como forma de orientar as ações políticas. Seguindo a metodologia de trabalho, este se transformou em Livro Branco, no ano de 2002, apresentando os principais resultados alcançados até aquele momento do que fora proposto no livro Verde.

Como principais conclusões do estudo, o Livro Branco aponta para uma nova direção para cooperação internacional na área de C&T. Tradicionalmente, a pesquisa do país é realizada em universidades e institutos públicos de pesquisa que canalizam as cooperações internacionais em instituições públicas. O documento busca orientar esforços para a mudança do foco para a empresa nacional12, todavia, sem explicitar qual o conceito de empresa nacional13, além de buscar dinamizar a participação do país nas redes internacionais de pesquisa.

Um ponto importante ressaltado no documento final é, ainda, a fraqueza institucional, como fica evidente na seguinte afirmação: “O avanço da política brasileira de cooperação internacional em CT&I seria muito facilitado por uma institucionalidade adequada, com a criação de um

mecanismo de coordenação no seio do Executivo; um enlace específico entre o Ministério de

Ciência e Tecnologia e o Ministério das Relações Exteriores; um Fórum Nacional de Cooperação Internacional, que congregaria todos os atores interessados e se reuniria anualmente, com

comunidade de pesquisadores se caracteriza por uma grande permeabilidade. Congressos e conferências internacionais, bem como programas bilaterais de cooperação, são modos pelos quais a informação e os conhecimentos são disseminados, com evidentes benefícios para os que deles participam”.

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Este tipo de situação seria, em grande parte, beneficiada pela criação da Lei de Inovação Tecnológica, aprovada pela lei 10.973/2004, de 02/12/2004, e regulamentada no final de 2005, que criou mecanismos de incentivos fiscais para pesquisa e estabeleceu padrões para que pesquisadores de instituições públicas pudessem realizar pesquisas em empresas privadas.

desdobramentos regionais, estaduais e setoriais; dois comitês consultivos de cooperação internacional, de composição acadêmica e empresarial; e um portal ou redes de informação e gestão”. [grifo nosso] (MCT - Livro Branco, 2002: 73).

A afirmação supracitada expõe uma necessidade de coordenação de esforços para que a política de cooperação internacional da área de C&T consiga lograr um êxito maior. Além dos esforços de coordenação, as políticas, também, carecem de um embasamento em estudos prospectivos para identificar os principais nichos cooperativos e agregar esses nichos à política nacional. Por fim, faz-se necessário ressaltar que o conceito desenvolvido por Herrera, nos anos setenta, de política explícita e implícita, ainda é bastante atual como forma de entender esta fraqueza institucional e, por conseguinte, um descolamento das formas e políticas de cooperação e inseri-lo num projeto maior de desenvolvimento na área de C&T nacional, indicando que a área de cooperação internacional continua sendo um item importante da agenda política, porém ainda sem apresentar transformações significativas.

Um aspecto a ser trabalhado dentro dos mecanismos de cooperação internacional consiste em analisar se os atores nacionais envolvidos reúnem condições para desenvolver as cooperações em co-desenvolvimento. Historicamente, como mencionamos, as cooperações no Brasil tinham um caráter mais assistencialista e com uma clara assimetria entre a instituição nacional e a instituição internacional.

Não obstante, para se promover uma mudança nesses rumos da cooperação, é imperativa a existência de um maior equilíbrio institucional, sob pena de não se potencializarem os ganhos que uma cooperação científica e tecnológica poderá trazer ao país. No tocante a este aspecto, se faz necessário uma avaliação institucional a fim de que se possa adequar o objeto da cooperação às reais possibilidades tecnológicas das instituições.

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Foi proposta a Emenda Constitucional nº 06 de 15 de agosto de 1995 modificando o conceito de empresa nacional.