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Na economia moderna, advinda da Revolução Industrial na Inglaterra44, viram-se novas condições de produção econômica trazendo consigo um aumento das riquezas e uma complexa rede de relações de trabalho. A Sociedade Civil-Burguesa é vista, então, como a esfera da realização dos interesses e dos fins privados e de seu entrelaçamento e dependência recíproca, em uma teia que envolve a produção, a circulação e o consumo de mercadorias.

O surgimento da divisão do trabalho e do seu exercício remunerado, força Hegel a procurar organizar a natureza do trabalho na Sociedade Civil-Burguesa, a divisão da atividade laborativa nos mais diversos ramos. Na Sociedade Civil-Burguesa é instituído um dos três elementos éticos que possibilita a liberdade efetivar-se social, comunitária ou coletivamente: a Corporação. Portanto, neste caso, essa raiz ética será considerada um elemento de unidade. Considere-se que, dentro dessa sociedade, a Corporação será responsável por mediar a diversidade das habilidades profissionais e das aptidões de trabalho, de acordo com aquilo que lhes é comum. Nela, o indivíduo identifica o seu interesse junto aos de seus companheiros, permitindo o estabelecimento de uma normatividade, de um direito para o exercício da profissão. Permite que o trabalho (o qual, inicialmente, possui as características de dispersar, isolar; ao mesmo tempo em que é frágil, na sua sustentação econômica e no seu valor ético) adquira, na Corporação, “a dignidade comunitária e a proteção econômica do grupo organizado” (RAMOS, 1997, p. 191). Ou seja, junto à Corporação, o indivíduo expõe, com segurança e proveito, sua virtude profissional e recebe o reconhecimento social de sua atividade e de suas virtudes.

Esse “corporativismo”, instituído por Hegel, não significa, contudo, uma clausura profissional. Assim posto, as Corporações não devem ser consideradas instituições fechadas; antes, oferecem condições de mobilidade aos seus membros, isto é, permitem que os seus membros a troquem por outra associação mais adequada às suas novas habilidades. Essa permuta é permitida, devido ao interesse da pessoa e da habilidade profissional, o que evita a formação de castas dentro da Sociedade Civil-Burguesa. Essa característica da comunidade, pensada por Hegel, acompanha as profundas alterações do século XVIII, com a Revolução Industrial e Francesa, pois os indivíduos modernos buscam inserir-se e organizar-se em

44 Hegel aponta para o fenômeno que ocorreu na Inglaterra, quando esta suprimiu as Corporações. Pois, o reflexo deste acontecimento teve reflexos na “taxa dos pobres, as inumeráveis fundações e igualmente a ilimitada beneficência privada” (FD, § 245 A). Neste caso específico, assim como na Escócia, “tanto contra a pobreza como em articular contra o desaparecimento do pudor e da honra, que são as bases subjetivas da sociedade, e contra a preguiça e o desperdício etc., que engendram a populaça, o abandonar os pobres a seu destino e os entregar à mendicidade pública” (FD, § 245 A). Portanto, quando Hegel se preocupa com a degeneração da Corporação e o isolamento dos indivíduos é justamente querendo evitar esse quadro da Inglaterra e da Escócia.

grupos que permitam terminar de forjar a sua própria identidade. Sob essa circunstância, o indivíduo não age apenas como parte de uma engrenagem maior da divisão social e técnica do trabalho, mas busca superar o atomismo característico da Modernidade, visando mediar o fim egoísta com a universalidade. Como se pode observar, a Sociedade Civil-Burguesa, em um primeiro momento, está intimamente ligada à esfera do mercado de trabalho. Nela, a Corporação é diretamente responsável por organizá-lo, considerando como critério o elemento comum inerente aos mais variados ramos de trabalho e, como consequência, surge um elo entre os trabalhadores desses ramos. Esse elo deverá ser forte o suficiente para preservar “a natureza de sua particularidade” (FD, § β51), ao mesmo tempo em que forja uma associação cooperativa.

A Corporação, ao ocupar-se dessa particularidade, vincula-se ao estamento industrial, como frisa Hegel: “dirigido essencialmente ao particular e, por isso, lhe corresponde de um modo próprio a Corporação” (FD, § β50). Esse trabalho, contudo, permite aos indivíduos ultrapassar o sentido isolado e restrito de cada atividade, que, em um momento inicial, está egoisticamente voltada apenas para a satisfação pessoal. Essa universalidade circunscreve-se à unidade dos indivíduos, ao espírito de grupo dos produtores e não alcança o interesse público. Assim sendo, a organização da Sociedade Civil-Burguesa em ramos consegue mediar tanto a particularidade quanto a universalização existente nesse segmento da sociedade, tendo em vista o fim particular das pessoas. Assim sendo, segundo Hegel, os sujeitos particularizados conseguem unir-se, quando notam que possuem interesses e habilidades em comum, possibilitando construir um corpo coletivo na busca desse objetivo comum. Conforme Hegel: “O fim egoísta dirige aquilo que é particular, se apreende e atua, ao mesmo tempo, como o fim universal” (FD, § β51). Essa relação interpessoal possibilita o surgimento do reconhecimento.

Esse reconhecimento, segundo Hegel, garante que o ser humano seja comprovadamente um membro da Sociedade Civil-Burguesa, pois ele conquistou o seu espaço dentro de uma Corporação. O status de ser reconhecido pelo outro tem como critério norteador a habilidade particular, a qual se configura como o elemento unificador dos sujeitos em uma associação cooperativa, como é o caso das Corporações. Ou, nas palavras de Hegel: “o membro da Sociedade Civil-Burguesa, segundo a sua habilidade particular, é o membro da Corporação” (FD, § 251).

Portanto, em síntese, o caráter variado da atividade econômica atua como um aspecto da unidade particular, ao unificar-se “consigo segundo a consciência de sua universalidade”. Essa particularidade consegue, então, internalizar-se na universalidade e se “firmar como

particularidade” e, como consequência, o fim universal existente nas Corporações é considerado concreto e restrito ao estamento da indústria, ao trabalho exercido e ao interesse particular. Hegel pontua: “[...] fim universal é, por isso, inteiramente concreto e não tem nenhuma amplitude maior do que a que reside na indústria, na sua ocupação e no interesse que lhe são peculiares” (FD, § 251).