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2.5 CORPORAÇÃO E O RECONHECIMENTO NA SOCIEDADE CIVIL BURGUESA

A liberdade individual, na Sociedade Civil-Burguesa, envolve muito mais do que o simples escolher um caminho na vida, através do sistema de mercado. Para considerarmos estar conosco mesmos, como membros de uma Sociedade Civil-Burguesa, devemos alcançar uma determinada identidade social, escolher uma profissão (Gewerbe), possibilitando estabelecer um estamento social, uma honra ou status. Isto é, segundo Hegel, a Corporação assume dois aspectos importantes que surgirão na Modernidade: o reconhecimento da capacidade e as habilidades dos indivíduos49, e, como consequência disso, teremos a obtenção

da honra50 estamental, por parte do indivíduo. Esse reconhecimento permite alcançar uma

49 A Sociedade Civil-Burguesa, como é concebida por Hegel, tem influência da Inglaterra e da França dos séculos XVII e XVIII, quando foi instaurado um quadro referencial que instituía a autonomia tanto dos indivíduos quanto das instituições sociais, permitindo, assim, uma ruptura com a sociedade medieval (cf. SOARES, 2009, p. 99). As sociedades anteriores eram marcadas pela “ideia da ordem, hierarquicamente estruturadas, legitimavam direitos particulares que, na realidade, eram privilégios fundadores de desigualdade” (OLIVEIRA, 1991, p. 74). A Revolução Francesa possibilitou instituir a liberdade como um princípio que fundamenta a convivência humana (cf. OLIVEIRA, 1991, p. 75). Neste sentido, o indivíduo está inserido como indivíduo singular no processo de mediação que lhe permite inserir-se no logos universal como um indivíduo universal. Neste processo, o indivíduo rompe o isolamento existente na sua vida, permitindo-se instituir o vínculo do processo universal do reconhecimento da dignidade da liberdade (cf. OLIVEIRA, 1991, p. 77). 50 Kervégan chama a atenção para o aspecto da honra profissional como uma espécie de fator de integridade da comunidade.

determinação universal, a qual, em última instância, é o reconhecer e o proteger do valor profissional de cada um. Por seu turno, este cuidar do interesse profissional e reconhecer as capacidades do indivíduo permite à Corporação construir uma solidariedade corporativa.

A nossa atividade econômica, principalmente, os setores econômicos da Modernidade (indústria e comércio), possibilita uma existência mediada com o Estado, mostrando que possui uma forte ligação com o Estado. Nesta compreensão, a atividade econômica cessa de ser meramente um procurar individual e ganha um sentido mais coletivo, tornando-se mais abrangente. Ao possibilitar o reconhecimento na Corporação, pela sua estrutura organizativa e por formular um estatuto jurídico, o Estado quer e está preocupado em combater o “espírito atomístico”51. E, assim, pode-se fazer valer como uma realidade social abrangente, que busca

o bem-estar da Sociedade Civil-Burguesa como um todo, reconhecendo pelo que é por outros. Hegel mostra que o surgimento da Corporação coincide também com a consolidação da família, junto com a sua garantia de subsistência, através da capacidade do indivíduo, na mesma medida em que este possui um patrimônio estável. O ponto de partida, segundo Hegel, é: “Na Corporação, a família não tem apenas seu solo estável, enquanto segurança da subsistência mediante a qualificação, [mas] tem um patrimônio estável” (FD, § β5γ). Portanto, podemos argumentar que a Corporação, nesse momento, possui quatro particularidades interligadas entre si: (1) firmeza da família, a qual, finalmente, consegue ter sua (2) garantia de subsistência, e assim, comprovando a (3) capacidade existente de seus membros produtivos, que, por sua vez, garantiriam um (4) patrimônio estável. Nesse ponto, devido à sua ligação característica com a família, a agricultura e a propriedade privada terminam sendo elevadas a outra esfera, através das Corporações, que as revestem com um caráter próprio do estamento da indústria.

Sendo assim, “na Corporação, a família não tem apenas seu solo estável, enquanto segurança da subsistência mediante a qualificação, [mas] tem um patrimônio estável (§ 170), porém ambos são também reconhecidos” (FD, § 253). Ou seja, Hegel quer garantir, como reflexo do período moderno, o reconhecimento, a capacidade e a garantia de uma subsistência. Mas, este reconhecimento não significa um simples reconhecimento, mas este deve estar vinculado, perante uma comunidade, com a perspectiva de o indivíduo ter conquistado o seu espaço, através das suas habilidades, das suas capacidades e das suas potencialidades, que merece ser considerado um membro dessa mesma comunidade. Desse

51 O termo “espírito atomístico” deve ser compreendido, neste momento, como o espírito que mantém o indivíduo isolado ou atomizado. Este caso está vinculado com a preocupação de Hegel em tentar evitar “o

isolamento e a delimitação do trabalho particular e, com isso, a dependência e a miséria da classe ligada a esse

modo, segundo Hegel, este membro pode ser considerado ao menos um “membro de” e, por isso, já tem garantido que já faz parte de um todo, pois já o teria feito ao integrar os quadros da mesma Corporação, o que é frisado pela passagem: “o membro de uma Corporação não tem necessidade de atestar, por nenhuma prova externa ulterior, sua capacidade e seu rendimento e sua prosperidade ordinários, [isto é] de que ele é algo” (FD, § 253). Essa integração, dentro do quadro da Corporação, mostra o indivíduo como, fundamentalmente, um ser capaz de inserir-se dentro das instituições sociais e da comunidade em que vive, através do seu próprio trabalho, participando da moderna sociedade industrial e burguesa.

Essa demonstração, de pertencer à comunidade, permitiu ao sujeito conquistar o seu reconhecimento e a sua dignidade como uma particularidade inserida em uma universalidade (vista, aqui, como uma coletividade de pessoas que possuem uma mesma habilidade), devendo ser visto, dentro desse coletivo, como um elo entre a Sociedade Civil-Burguesa e a universalidade. Essa intuição é vista em Hegel pela passagem: “Assim também é reconhecido de que ele pertence a um todo, de que ele mesmo é um elo da sociedade universal, e que ele tem interesse e se esforça para um fim mais desinteressado desse todo; – ele tem, assim, em seu estamento sua honra”52 (FD, § 253).

Esse reconhecimento, em conformidade com Hegel, permite ao sujeito alcançar a sua honra, justamente ao pertencer a um estamento específico, o qual passaria a ser considerado um membro de uma Corporação, e, por consequência, um membro da Sociedade Civil-Burguesa. Ou seja, para Hegel, o indivíduo, para ser considerado “um membro de um dos momentos da Sociedade Civil-Burguesa e de se manter enquanto tal” (FD, § 207), deve ser capaz de “cuidar de si por essa mediação com o universal, assim como ser reconhecido desse modo na sua representação e na representação do outro” (FD, § 207). É, por isso, que “a disposição de espírito ético, nesse sistema, são a retidão e a honra do estamento” (FD, § 207). Ou seja, o indivíduo e membro da Sociedade Civil-Burguesa deve ser capaz de construir-se como tal, isto é: “é fazer de si e, de fato, por determinação própria, pela sua atividade, diligência e habilidade” (FD, § 207) membro da comunidade. Desse modo, permite que, na Sociedade Civil-Burguesa, se constitua solo histórico da efetivação da pessoa, como sujeito de direitos iguais, e da subjetividade, entendida como consciência moral, pois o espírito de Corporação, que se produz na qualificação jurídica das esferas particulares, converte-se ele mesmo em espírito de estamento, enquanto possui, no Estado, o meio de preservação dos fins particulares.

52 O sujeito inicial dessa sociedade é visto como um indivíduo isolado, visto como um produtor e consumidor; a sociedade moderna irá, então, dar preferência às relações que vinculem esses indivíduos entre si, na medida em que eles busquem satisfazer os seus carecimentos. Ou seja, o princípio capaz de configurar esta sociedade é a divisão do trabalho.