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4.1. A sintaxe na oralidade: considerações teóricas

4.1.3. A correção no texto oral

Conforme já foi apresentado em outras partes deste trabalho, quando se faz um paralelo entre LF e LE, levando em conta as variedades prototípicas (como na comparação de uma “conversação espontânea” com um “texto acadêmico”), percebe-se

Funções gerais Formulação

sintático-lexical Movimentos

Semânticos paráfrase Tipos de

Decomposi- ção semântica Expansão parafrástica Denominar ouresumir Paráfrases redutoras Paráfrases

expandidas Definir ou explicitar

Recomposi- ção semântica

Redução parafrástica

que há, na LF, uma maior presença de reelaborações, uma vez que a fala é elaborada ao mesmo tempo em que é colocada em prática. Em outras palavras, o texto escrito, em tese, é reconstruído com o apagamento das marcas de reelaboração: “revê-se o que se escreveu, volta-se atrás, apagam-se os erros, escondem-se as hesitações, evitam-se as repetições.” (Barros, 2003: 155)

Desta forma, por um lado, o texto escrito, teoricamente, não deixa marcas no processo de planejamento, apresentando-se como um todo coeso, pronto, com frases mais densas e sintaticamente mais complexas. O texto oral, por outro lado, mostra marcas lingüísticas evidentes de seu planejamento, de que resultam frases mais fragmentadas sintaticamente. (cf. Rodrigues, 2003)

A formulação do texto oral, por seu turno, está intimamente ligada à interação. Assim, deixam-se marcas no texto que devem ser interpretadas pelo interlocutor. Isso faz com que o produção do texto falado seja ação e interação. Segundo Hilgert, “a compreensão nunca se realiza na perspectiva de um dos interlocutores. É preciso que a ação de ambos convirja para que ela ocorra.” (1989: 147)

Koch e Osterreicher, ao tratarem do tema da formulação no texto oral, afirmam:

Em todas as línguas existem procedimentos e elementos que permitem introduzir no interior do discurso o próprio processo de formulação tão logo surgem dificuldades de formulação. (Koch e Osterreicher apud Fávero, Andrade e Aquino, 2002: 365)

A correção, assim, é um desses procedimentos de formulação, que desempenha papel considerável entre os processos de construção do texto. Corrigir é, segundo Fávero, Andrade e Aquino, “produzir um enunciado lingüístico (enunciado- reformulador – ER) que reformula um anterior (enunciado-fonte – EF), considerado “errado” aos olhos de um dos interlocutores; a correção é, assim, um claro processo de formulação retrospectiva. (2002: 362-3)

Por seu turno, Barros e Melo (1990) definem a correção como procedimento de reelaboração, que adequa as dificuldades “temporais” e como ato de reformulação do texto, visando a intercompreensão:

A correção foi, portanto, definida como um procedimento de reelaboração, que conserta as dificuldades e inadequações “temporais” da elaboração e da

produção do discurso, e como ato de reformulação do texto, tendo em vista a intercompreensão. Enquanto a primeira concepção de correção enfatiza aspectos da elaboração e da produção da conversação, a segunda ressalta o caráter interativo dos atos de reformulação. A reformulação resulta, nesse sentido, do trabalho de cooperação dos participantes da conversação que se autoparafraseiam ou corrigem e também parafraseiam e corrigem seus interlocutores. As definições propostas de correção completam-se, reelaboração de “defeito” de produção ou ato de reformulação interativa que visa à intercompreensão. (1990: 17)

Hilgert considera a correção, juntamente com a paráfrase, um índice que auxilia o caráter descontínuo do texto falado. Da mesma forma, as correções são indícios do status nascendi do texto falado, mais especificamente da conversação espontânea ideal:

[...] vimos que a construção do texto falado é extremamente suscetível de problemas de formulação, em geral denunciados por descontinuidades manifestadas nas hesitações e nas interrupções provocadas por correções e retomadas parafrásticas. (Hilgert, 2003: 128)

Entretanto, o que diferencia as atividades de reformulação, ou seja, quais as diferenças entre a paráfrase e a correção, já que ambas constituem os problemas retrospectivos? Segundo Hilgert, a diferença se faz notar na especificidade da relação semântica entre matriz e enunciado reformulado. Na paráfrase, há uma manutenção da relação semântica entre enunciado original e enunciado reformulado. Desse modo, a paráfrase retoma

em maior ou menor grau, o conjunto de traços semânticos [...]. Nesse sentido, a repetição pode ser considerada um caso limite de paráfrase, na medida em que manteria com seu enunciado de origem o grau máximo de equivalência semântica. (cf. 2003: 130-1)

Ao contrário da paráfrase, não há, na correção, uma posição de equivalência semântica, mais sim de contraste semântico, já que a correção anula, total ou parcialmente, a verdade do termo matriz. Assim, “há traços semânticos opostos ou contrários que distinguem o elemento corrigido do corretor: definição,

determinação, especificidade vs indefinição, indeterminação, generalidade.” (Barros, 2003: 157)

Quanto aos tipos de correção, Barros explica que se deve considerar dois tipos de correção: a reparação e a correção propriamente dita. A primeira se refere a uma infração conversacional, ou seja, a reparação ocorre quando “os interlocutores cometem ‘erros’ no sistema de tomada de turnos, violam as regras da conversação e essas falhas e desobediências são reparadas.” (2003: 159). Entretanto, acredita-se que, por se tratar de regras conversacionais relativas à relação falante / ouvinte, a reparação não seria tão importante, para o desenvolvimento deste trabalho, quanto às correções propriamente ditas. Deste modo, destaca-se, a seguir, esse último tipo de correção.

As correções que não se referem aos “erros” presentes nas regras da conversação são chamadas de correções propriamente ditas, ou apenas, segundo nos informa Barros, de correções. O objetivo central dessa correção seria garantir o entendimento mútuo na interação:

A elas aplica-se a definição genérica de correção como um ato de reformulação, cujo objetivo, ao consertar “erros” e inadequações, é assegurar a intercompreensão no diálogo. (2003: 143)

Nesse sentido, pode-se afirmar que há dois tipos de correção propriamente dita: a auto e a heterocorreção. A primeira é definida como aquela em que a própria pessoa se corrige, enquanto que, na segunda, a correção é a realizada pelo interlocutor. Aqui, vamo-nos ater apenas à autocorreção, visto que é esse o tipo de correção que será analisado em outra parte deste trabalho.

Assim, as autocorreções, na língua falada, acontecem no mesmo turno de fala ou nos outros turnos seguintes. Contudo, Barros postula que as correções mais comuns são aquelas que aparecem no mesmo turno do termo matriz, uma vez que o falante tem pressa em se corrigir, não perdendo a oportunidade de se retificar a tempo, antes que seu interlocutor perceba e realize uma heterocorreção e, sobretudo, que a compreensão da interação fique prejudicada pelo erro cometido:

As demais correções são autocorreções que, por sua vez, podem acontecer no mesmo turno em que o “erro” é cometido ou em outros turnos. São mais comuns as autocorreções no mesmo turno e, em geral, na mesma frase, pois a pressa em

corrigir-se é garantia de correção “em tempo” [...] e o falante procura não perder a oportunidade de reparar o erro [...]. (Barros, 2003: 145)

Segundo a autora, são comuns as autocorreções assinaladas com os marcadores de correção, como os termos “não” e “aliás”. Desse modo, os marcadores de correção adquirem a “função de fornecer pistas para que o interlocutor perceba a correção e, por meio dela, a intenção do falante. Em outras palavras, são marcadores que assumem papel na interpretação de uma conversação.” (Barros: 2003: 150)

Fávero, Andrade e Aquino (1999) ratificam os dizeres de Barros, postulando que é muito comum a ocorrência de autocorreções auto-iniciadas no mesmo turno e, mais especificamente, na mesma frase do termo a ser corrigido. Afirmam ainda, baseadas em Marcuschi, que talvez seja essa característica uma das responsáveis pelo caráter disfluente do texto oral:

A autocorreção auto-iniciada é a processada pelo próprio falante e pode ocorrer no mesmo turno ou em turno diferente. O mais comum é que ocorra no mesmo turno e geralmente na mesma frase porque o falante tem pressa em corrigir- se, já que pode perder o turno e a oportunidade de reformular seu enunciado. [...] “Talvez, diz Marcuschi [...], seja este um dos motivos de muitas sentenças na conversação serem truncadas, já que se prefere sacrificá-las a perder a oportunidade de reparar um equívoco”. (Fávero, Andrade e Aquino, 1999: 66)

Marcuschi, a respeito desse tipo de correção, diz que “é muito comum o uso do marcador não para refazer algum aspecto do dito, seja lexical ou semântico” (2000: 31).

Fávero, Andrade e Aquino (2006), ao abordarem o tema, também apresentam uma listagem desses marcadores. Segundo as autoras, é possível diferenciar dois tipos de marcas: as prosódicas e as discursivas. As primeiras se referem às pausas, à entonação, à velocidade da elocução, aos alongamentos e à intensidade de voz. Já com relação aos outros, postulam que “os marcadores discursivos constituem uma classe bastante heterogênea: quer dizer, bom, ah, ah bom, aliás, então, logo, não, ou, ahn ahn, hein, digamos, digamos assim, ou melhor, em outras palavras, em termos, não é bem assim, perdão, desculpe, finalmente.” (2006: 269)

Em trabalho anterior, as mesmas autoras, ao citar Gulich e Kotschi, postulam que o marcador discursivo é fundamental na definição do tipo de reformulação oral. Assim, a distinção entre paráfrase e correção não ocorre apenas por meio da relação semântica entre enunciado-fonte e enunciado-reformulador:

Gulich e Kotscki [...] dizem que diferentes tipos de reformulação não se distinguem unicamente pela relação semântica existente entre o enunciado-fonte e o enunciado-reformulador, mas também pelo tipo de marcador empregado para indicar esta relação: “...é freqüentemente com a ajuda do marcador que o locutor cria uma relação de reformulação entre dois enunciados diferentes. Uma relação semântica – por exemplo, a da equivalência – não é dada simplesmente (pela estrutura proposicional do enunciado-fonte e do enunciado-reformulador), mas é estabelecida pelo locutor. O marcador é um traço deixado no discurso pelo trabalho conversacional do locutor”. (Fávero, Andrade e Aquino, 1999: 67)

Fávero, Andrade e Aquino (1999) também postulam que as correções têm dois tipos de função: a interacional, considerada pelas pesquisadoras como a função geral; a informacional, que se refere à adequação do conteúdo discursivo.

A função interacional, assim, diz respeito à busca de cooperação, à intercompreensão e ao estabelecimento de relações entre os interlocutores.

Por seu turno, a função informacional se refere à precisão referencial do conteúdo tópico, à adequação da informação presente no enunciado-fonte.

Desta forma, percebe-se que há uma forte tendência do uso de correções no texto falado, uma vez que muitas vezes o falante busca reconstruir sua fala, tendo em vista objetivos interacionais e informacionais. Além disso, ao ser empregada a correção, o falante garante a manutenção de sua auto-imagem, fato que faz desse recurso oral um dos mais usados na interação face-a-face. (cf. Fávero, Andrade e Aquino, 1999: 74).