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4.1. A sintaxe na oralidade: considerações teóricas

4.1.4. A parentética no texto oral

Na articulação do texto falado, em que o processamento discursivo é marcado por objetivos interacionais e textuais, o enunciador faz uso, como vimos, de diversas estratégias para atingi-los. Um desses recursos estratégicos são os parênteses, também chamados de digressões, que se referem a um desvio momentâneo da linha

discursivo-tópica. Jubran trata do tema, postulando que os parênteses “definem-se como uma das estratégias pelas quais os interlocutores articulam o texto falado, manifestando dados do processamento discursivo.”(2002a: 344)

Segundo a autora, os parênteses operam desvios momentâneos do quadro de relevância tópica de um segmento textual (cf. 1999: 132). Apesar de estarem presentes na construção de textos falados e escritos, os parênteses apresentam configurações e funções específicas, porque estão relacionadas com as circunstâncias de processamento da fala, que são, teoricamente, diferentes das condições da escrita.

As inserções parentéticas, ao trazer para o texto oral dados enunciativos, têm importantes funções no estabelecimento da significação proposicional, de base informacional, que constrói a centração tópica:

Em síntese, os parênteses são um dos recursos pelos quais a atividade interacional se materializa no texto falado, contextualizando-o na situação de enunciação, de modo a promover uma conjunção entre o produto lingüístico e o processo interativo, pela interferência dos dados pragmáticos na significação e na própria possibilidade de ocorrência das proposições tópicas (Jubran, 2002a: 346)

Assim, para se abordar os parênteses tendo em vista as proposições tópicas, é necessário, segundo Jubran (2006), levar em conta a centração, considerada pela autora um traço básico do tópico discursivo. Os parênteses são vistos, desta forma, como uma modalidade de inserção:

Essa propriedade tópica da centração funciona como parâmetro para o reconhecimento de inserções dentro dos segmentos tópicos, porque os elementos inseridos não são atinentes à construção tópica dessas unidades textuais. Por esse motivo, as inserções têm a natureza do desvio tópico. (Jubran, 2006: 302)

O primeiro critério para identificação da presença do parêntese é o desvio tópico, o que faz com que o conceito de contexto ganhe importância, uma vez que o parêntese só se ressalta por contraposição ao contexto tópico discursivo no qual ocorre.

O mesmo é destacado por Andrade (2001), em seu estudo sobre digressão40. A pesquisadora, apoiada em Daskal e Katriel, salienta que a digressão é um trecho conversacional que não se encontra relacionado com o outro trecho conversacional imediatamente precedente nem com o trecho que lhe segue. Assim, temos:

1.ª etapa = retirada de um tópico A. 2.ª etapa = introdução de um tópico B. 3.ª etapa = retirada do tópico B. 4.ª etapa = reintrodução do tópico A.

Por seu turno, Andrade deixa claro que, por se tratar de conversação, que é um evento comunicativo dinâmico, há uma constante mudança progressiva de tópicos discursivos. Contudo, não há uma percepção de incoerência, porque, durante o processo dialógico, os tópicos apresentam relevâncias que podem ser percebidas pelos interlocutores, fato que dá origem a novos tópicos. Já no caso da digressão, “há um vácuo ou lacuna e não se percebe uma relação imediata com algum elemento básico das relevâncias tópicas, criando-se então uma relevância marginal.” (Andrade, 2001: 75)

Jubran (2006), ao tratar do mesmo ponto de análise, discorda em partes de Andrade, pois afirma que, mesmo se considerarmos o parêntese como um breve desvio tópico discursivo em pauta, não se deve supor uma desvinculação da inserção que o abarca ou contextualiza:

Pelo contrário, os parênteses têm papel importante no estabelecimento da significação, de base informacional, sobre a qual se funda a centração do segmento-contexto. Isso porque, no intervalo da suspensão tópica, eles promovem avaliações e comentários laterais sobre o que está sendo dito, e/ou sobre como se diz, e/ou sobre a situação interativa e o evento comunicativo. (Jubran, 2006: 305)

Neste trabalho, também discordamos da posição de Andrade. Admitimos que os parênteses, apesar de se constituírem a partir de um novo tópico, funcionam como norteadores no processo de interação discursiva. Assim, os parênteses

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Neste trabalho, consideramos digressão e parêntese como o mesmo fenômeno, já que, em ambos os

não ocorrem por acaso, visto que são fundamentais na manutenção da relação interativa dos interactantes.

Os parênteses têm a função de esclarecer, de atenuar, de advertir, de ressalvar, de comentar e de avaliar o segmento tópico contextualizador. Desta forma, os parênteses ocupam uma importante posição no que se refere à significação do enunciado:

Em primeiro lugar, é preciso observar que o conceito de parênteses, como breve desvio do tópico discursivo em pauta em um segmento da conversação, não deve fazer supor um desvinculamento da inserção em relação a esse segmento que a abarca e a contextualiza. Pelo contrário, os parênteses têm papel importante no estabelecimento da significação, de base informacional, que costura a centração temática do segmento contexto. Isto porque, no intervalo da suspensão tópica, eles promovem esclarecimentos, atenuações, ressalvas, advertências, avaliações e comentários laterais sobre o que está sendo dito, e/ou sobre como se diz, e/ou sobre a situação interativa em que ocorre o ato verbal. (Jubran, 2002b: 407)

Como exemplo de parênteses presente na língua falada, é citado um trecho, retirado de D241, do projeto NURC / SP. Trata-se de um diálogo de 66 minutos, entre duas mulheres, da mesma faixa etária (na época da gravação, L1 tinha 37 anos, enquanto que L2 tinha 36). O tema do diálogo gira em torno de tempo cronológico, de profissões e de ofícios.

1185

1190 L1

L2

E::: deu-se muito bem no magistério... ele se realiza sabe? fica feliz da vida... em poder transmitir... o que ele sabe... e os processos também... que ele... recebe ou... e eu não eu sou leiga eu não entendo... mas...

pelo que a gente... ouve falar são muito bem estudados...

tem pareceres muito bem dados... não é? ele se dedica MUItíssimo a... tanto à... carreira de procurador como de professor (ta?)...

ele gosta (dela)

(Castilho e Preti, 1987: 166)

Segundo a pesquisadora, quando se observa o exemplo acima, em que os parênteses se encontram em negrito, percebe-se a ocorrência de marcas no

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processo de mudança tópica que se configuram como uma tendência no emprego dos parênteses:

a) mudança para a primeira pessoa (eu, a gente) do tema do enunciado, sendo que antes e depois do encarte do parêntese o tópico é centrado na não- pessoa;

b) o desaparecimento de remas especificadores de exercício de profissões ligados ao tema “marido”, que aparecem antes e depois do parêntese, e a substituição dos mesmos por remas qualificadores da falante. (cf. Jubran, 2006: 306-7)

Com essas estratégias, L1 se coloca como sujeito da enunciação por meio dos parênteses, demonstrando os pontos de vista relativos ao conteúdo dos enunciados circundantes, que se referem à qualidade dos serviços prestados pelo marido. Além disso, o uso da expressão “a gente” exime L1 da responsabilidade da declaração, criando condições de credibilidade, haja vista que o enunciado é sobre o marido de L1:

Confirma-se, desse modo, a dimensão pragmática dos parênteses: eles materializam a atividade interacional no texto falado, contextualizando-o na situação de enunciação. Confirma-se também que, desviando-se do tópico em que se encartam, os parênteses acabam atuando sobre a dimensão ideacional do texto, pela interferência, no significado dos enunciados tópicos, dos dados pragmáticos que introduzem. (Jubran, 2006: 307-8)

Como marcas do fenômeno, Jubran afirma que há certas tendências que poderiam ser citadas, presentes no segmento parentético:

a) Ausência de conectores do tipo lógico, garantidores de relação lógico-semântica entre os parênteses e o segmento em que se encartam. Quando surgem tais conectores, há neles um caráter de marcador discursivo.

b) Fatos prosódicos, como pausas e alterações na pronúncia dos parênteses (aceleração de velocidade de elocução e rebaixamento de tessitura):

A velocidade rápida, juntamente com a tessitura baixa, criam (sic) um contraste entre o parêntese e seu contexto, indicando a diferença de estatuto entre enunciado parentético e enunciado tópico. (Jubran, 2006: 309)

Jubran também lista várias funções dos parênteses, todas elas referentes a quatro focos, a saber: 1) elaboração tópica, 2) locutor, 3) interlocutor e 4) ato comunicativo.

Gráfico 05 – Foco dos parênteses

Segundo a autora, essas quatro classificações das parentéticas refletem um continuum, que apresenta graus sucessivos entre a proximidade ao tópico discursivo e a proximidade com a explicitação pragmática. Assim, tem-se:

Gráfico 06 – Continuum da classe parentética com relação à função

A elaboração tópica, por seu turno, se divide em três subfocos: a) conteúdo tópico, b) formulação lingüística e c) estrutura tópica. Todas essas

Locutor Foco dos Parênteses Elaboração Tópica Interlocutor Ato comunicativo

classificações referentes à elaboração tópica “focalizam a elaboração dos tópicos discursivos desenvolvidos em um texto falado em três ordens diferentes de fatos”:

Gráfico 07– Subfoco dos parênteses relativo à elaboração tópica

Jubran (2006), após dividir a elaboração tópica em três subfocos, apresenta as funções referentes a cada um deles. Interessam-nos, pois, aqui, apenas as funções referentes ao subfoco relacionado ao conteúdo tópico, que são, respectivamente:

a) Exemplificação. b) Esclarecimento. c) Ressalva.

d) Retoque e correção.

Esquematicamente, podemos apresentar as funções de conteúdo tópico, que se associam, segundo Jubran, à construção do referente textual. Tal construção, como é de se supor, ocorre momentaneamente e de forma dinâmica, no desenrolar do ato comunicativo:

Elaboração Tópica Conteúdo Tópico Formulação lingüística Estrutura tópica

Gráfico 08– Funções das parentéticas referentes ao conteúdo tópico I Conteúdo Tópico Exemplificação Esclarecimento Ressalva Retoque e correção Conteúdo Tópico Exemplificação Esclarecimento Ressalva Retoque e correção

Desta forma, como esquema geral de todo o processo – foco / subfoco / funções – pode-se propor o gráfico 09:

Gráfico 09– Funções das parentéticas referentes ao conteúdo tópico II

A função de exemplificação se refere ao acréscimo de dados fatuais que comprovam o enunciado presente no contexto da parentética.

Já o esclarecimento está presente nos parênteses que visam a um detalhamento dos dados expostos nos enunciados topicamente relevantes.

A ressalva ocorre quando há, no parêntese, uma observação sobre “a abrangência referencial de um enunciado, que pode ser ampliado ou reduzido, tendo em vista um ajuste do âmbito significativo desse enunciado.” (cf. Jubran, 2006: 329)

O parêntese-retoque, por sua vez, é aquele que reformula uma informação tópica precedente, “precisando-a por meio da repetição de um elemento nela contido e o acréscimo de elementos diferentes.” (Jubran, 1999: 136)

Uma vez que se usará o conceito do parêntese-retoque neste trabalho, é oportuno citar um exemplo do enunciado42:

L1 – e logicamente indo ao banco levando essa proposta eles me trouxeram... eles me deram de volta uma série de duplicatas pra que eu assinasse e ... eu e o fiador... e isso então foi entregue de volta

(D2 RJ 355: 191-94)

A função de correção é aquela que anula a informação anteriormente dita. Jubran assim postula essa função, principalmente com relação à proximidade dessa função com a de retoque:

Já o parêntese com a função de correção, embora compartilhe com o retoque a propriedade da reformulação textual, dele se distingue porque não particulariza e sim anula, retrospectivamente, a informação sobre a qual recai o processo corretor. (2006: 330)

Como exemplo do parêntese-corretivo, apresenta-se o seguinte excerto:

L1 – de um modo geral na Europa eu não gasto dinheiro com hotel... o ano passado eu:... em dois meses... paguei dois dias de hotel em Madri... foi só... não... dois dias eh não... foi um não um dia em Madri e um dia em Munique... quer dizer... em dois

meses eu paguei dois dias de hotel...

(D2 RJ 355: 149-54)

Desta forma, apesar de ocorrerem parênteses na língua escrita, tais estratégias são ligadas diretamente ao texto falado, já que o planejamento na escrita ocorre antecipadamente. No que tange aos parênteses focalizadores da formulação

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tópica, a proximidade com o texto oral é salientada, pois refletem o processamento de elaboração e reelaboração lingüística, que ocorrem no momento da interação:

Além disso, ainda devido à natureza planejada do texto escrito, as funções aqui vistas dos parênteses focalizadores da formulação lingüística do tópico discursivo estão bloqueadas para a escrita, na medida em que refletem o processamento on- line da fala. (Jubran, 2006: 357)

Devido a essas evidências, os parênteses constituem estratégias orais, muito ocorrentes em textos falados, haja vista as funções textuais e interacionais do fenômeno.