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4.3 A FUNÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR

4.3.2 A corrente Dicotômica

Nesta corrente, os doutrinadores defendem que a função da lei complementar seria dúplice, ou seja, que ela somente poderia dispor sobre conflitos de competência e limitações ao poder de tributar, sendo que estabelecer normas gerais em matéria tributária é somente para fins de aplicação dos incisos anteriores.

O grande fundamento desta corrente, que foi encabeçada por Geraldo Ataliba160-161, consiste no fato de haver ofensa ao princípio federativo e à autonomia dos municípios, tendo em vista que a realização de uma interpretação literal do art.

158MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 206. 159MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 208. 160 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968; p. 89 – 101.

161ATALIBA, Geraldo. Normas gerais de direito financeiro e tributário e autonomia dos Estados e Municípios.

146 do Constituição conferiria ao Congresso poderes para limitar arbitrariamente as competências162 outorgadas no Texto Magno.

Além disso, para esta corrente, são as pessoas políticas de direito público interno que elaboram suas próprias leis, cujo fundamento é extraído diretamente da Constituição163. Logo, pelo fato de a Constituição ter demarcado rigidamente as competências tributárias dos entes federativos, os seguidores desta corrente afirmam que o legislador infraconstitucional não pode reduzir o campo de atuação dos entes federados.

Nesse sentido, devemos apontar fala importante de Paulo de Barros Carvalho formulada no passado – não estamos afirmando que o mencionado jurista faz parte da corrente dicotômica -, quando fez duras críticas à corrente tricotômica, especialmente sobre esses poderes concedidos à União, por meio do inciso III, do art. 146, que transcrevemos abaixo:

Normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre... – eu também vou passar por alto esse ‘normas gerais especialmente sobre...’, vamos deixar isso de lado, não dar muita importância. Não é uma boa construção.

Agora, vejam, ‘especialmente’ sobre tudo... vejam que absurdo! E gostaria que os senhores refletissem para saber se é sobre tudo mesmo, Por quê? Vejam aqui: definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nessa Constituição: a) dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Aí vem: b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributária.

Tenho procurado nesse tempo todo, desde que saiu a Constituição de 1988, um assunto que não se encaixa aqui e que eu pudesse dizer: não isso não é uma matéria de normas gerais de direito tributário. Muito bem, depois de ter feito essa pesquisa eu cheguei à conclusão de absolutamente tudo. Eu pensei em alíquota, pensei em regime de apuração, regime de créditos, de débitos etc. Não encontrei absolutamente nada que pudesse escapar dessa amplitude. Então, passei a ler o art. 146 assim: Cabe à lei complementar dispor sobre conflitos, regular limitações estabelecer normas gerais, especialmente sobre tudo – o que é um absurdo! Esse é o resultado164.

162“A competência legislativa está constitucionalmente repartida em compartimentos estanques, representados pelos campos privativos de legislação da União, Estados–membros e Municípios. A área de competência legislativa de uma pessoa constitucional não pode ser, de regra, explorada por outra. E, precisamente porque os poderes legislativos federal, estadual e municipal extraem as suas competências diretamente da Constituição, será inconstitucional lei que discipline matéria da área que lhe é própria”. (BORGES, José Souto Maior. Lei

complementar tributária. São Paulo: RT, 1975, p. 16.).

163 ESTEVES, Maria do Rosário. Normas gerais de direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 98. 164 CARVALHO, Paulo de Barros. A lei complementar e a experiência brasileira. Revista de Direito Tributário. N. 81. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 163.

Mas não é só isso, também haveria a necessidade de uma interpretação sistemática do referido dispositivo, de modo que essa interpretação seja realizada em conformidade com os ditames constitucionais165. Assim, uma mera interpretação literal do art. 146 da Constituição, além de ofender ao princípio federativo e à autonomia dos municípios, seria dar à União um cheque em branco para esta legislar sobre tudo em matéria tributária.

Um posicionamento que não podemos olvidar nesta corrente dicotômica é de Roque Antonio Carrazza, o qual reforça os fundamentos já expostos até aqui quando leciona que “a lei complementar apenas pode facilitar a compreensão das normas constitucionais”166 e que, após uma interpretação sistemática da

Constituição, não restariam dúvidas que:

A competência para editar normas gerais em matéria de legislação tributária desautoriza a União a descer no detalhe, isto é, a ocupar-se com peculiaridades da tributação de cada pessoa política. Entender o assunto de outra forma poderia desconjuntar os princípios federativos, da autonomia municipal e da autonomia distrital167.

De maneira enfática, o mencionando autor finaliza asseverando que sua opinião é de que “a lei complementar em exame só poderá veicular normas gerais em matéria de legislação tributária, as quais ou disporão sobre conflitos de competência, em matéria tributária, ou regularão as limitações constitucionais ao poder de tributar”168.

Para finalizar este tópico, percebemos que esta corrente minoritária foi bastante pressionada por outros juristas que seguem a corrente tricotômica, inclusive pela jurisprudência dos tribunais superiores. Um exemplo disso são as palavras de Alcides Jorge Costa169 e de Carlos Mário da Silva Veloso170, que, por

165 “O jurista não pode realizar interpretações de comandos constitucionais sem levar em conta todo o sistema tal como positivado. De outro modo, correr o risco de ferir os seus alicerces basilares”. (ESTEVES, Maria do Rosário. Normas gerais de direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 102.).

166 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 1048.

167 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 1048.

168 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 1048.

169 COSTA, Alcides Jorge. Normas gerais como instrumentos de uniformização do direito. In: Congresso

Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses, 2012, p. 1 – 18.

170 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Lei complementar tributária. Revista de Direito Tributário. N. 88. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 7 – 23.

seguirem a corrente tricotômica, pertencem à chamada “escola bem comportada do Direito Tributário Brasileiro”171.