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O MOMENTO EM QUE SE OPERA A NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS

De início, destacamos que a não cumulatividade – compensação dos débitos com os créditos do imposto - se opera após a ocorrência do fato jurídico tributário. Assim, sua configuração se aperfeiçoa depois do nascimento do crédito tributário396.

Desse modo, observamos a existência de duas relações jurídicas diferentes. Uma relacionada com o imposto devido na operação de circulação mercadoria e outra referente ao direito do adquirente da mercadoria se creditar do imposto pago na operação anterior.

Nesse sentido, na primeira relação estamos falando de crédito tributário, tendo em vista que houve a realização da materialidade constitucional da realização da operação de circulação de mercadoria. Enquanto que na segunda relação estaremos falando de crédito fiscal, pois é um crédito escritural que não está relacionado com a base de cálculo do tributo, mas que é indispensável para se chegar ao quantum devido pelo contribuinte.

Para deixarmos mais clara essa questão da dicotomia de relações jurídicas que está em torno da não cumulatividade, não podemos nos furtar de mencionar o escólio de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, que lecionam o seguinte:

Assim duas figuras jurídicas são postas pelo texto constitucional: de um lado, o débito tributário de ICM (letra a) e de outro o crédito de ICM (letra b).

396 Cf. MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 298; CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 130; MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. ICMS. Não cumulatividade. Direito ao crédito relativo à aquisição de óleo diesel para a geração de energia elétrica em usina termelétrica. Restrição ao crédito somente é admissível em face da isenção ou não incidência. CF/88, art. 155, parágrafo 2º, II, “a”, e XII, “g”. Revista Dialética de Direito Tributário. N. 149. São Paulo: Dialética, 2008, p. 116.

O promotor da operação tributada (letra a) tem o direito constitucional de abater – do débito resultante dessa operação – o valor citado na letra b, recolhendo ao Estado, apenas a diferença.

O crédito referido acima, meramente escritural, não diz respeito à base de cálculo do ICM, mas é essencial para determinar o quantum do imposto a recolher. É instrumento para liquidar, por compensação, parcial ou totalmente, o ICM devido. É o que prescreve o Texto Constitucional, quando menciona o “abatimento” do montante do ICMS referente às operações anteriores.

Débito e crédito de ICMS são, pois, categorias jurídicas distintas, correspondendo a direitos diversos, opostos e contrastantes, além de reciprocamente autônomos. Desencadeiam relações jurídicas autônomas, nas quais o credor e devedor se alternam: o Estado é credor na primeira e o contribuinte é na outra e vice-versa.

Submetem-se, enfim, a princípios, critérios e regras de interpretação totalmente distintas.

Em outras palavras: como o débito do ICM (a cargo do contribuinte) é de natureza tributária, ao regime próprio da espécie se submete. Já o crédito (direito do contribuinte) é mera figura financeira, operante no instante da liquidação, com a função de cobrir parte do pagamento, por compensação. Funciona como moeda de pagamento. Tem sua operacionalidade limitada à função de anteder ao “abatimento” constitucionalmente previsto397.

Com igual pensamento, registramos os apontamentos de José Eduardo Soares de Melo:

É certo que a “não cumulatividade”, além de não consubstanciar natureza tributária, não integra a estrutura do ICMS, tendo a operatividade em momento posterior à configuração do débito tributário. Não se confunde com a base imponível (aspecto integrante da norma de incidência tributária), posto que a compensação dos débitos, com os créditos, é elemento estranho à quantificação do tributo398.

Paulo de Barros Carvalho também analisou essa questão da não cumulatividade e explicou o seguinte:

Passemos ao campo dos exemplos que sempre representam um ponto de apoio indispensável ao conhecimento.

O Atacadista “A” vende uma mercadoria para o comerciante “B”. Quatro relações chamam atenção nesse negócio. Deu-se, entre “A” e “B”, contrato de compra e venda, do qual decorreram dois liames jurídicos de direito civil: um, consistente na (i) obrigação de “A” entregar para “B” a mercadoria (ArjB); outro, pela (ii) obrigação de “B” pagar o valor do preço da mercadoria, acrescido pelo imposto de circulação, para “A” (BrjA). Como “A”

397ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cléber. ICM – Linhas mestras constitucionais – O deferimento. Revista de

Direito Tributário. N. 23 – 24. São Paulo: RT, 1983, p. 120.

é o comerciante vendedor, figura também (iii) relação jurídica tributária (rjt) com o Estado (F) (ArjtF) e, finalmente, como “B” é comerciante, a norma do direito ao crédito, que decorre do princípio constitucional da não cumulatividade, incide também sobre essa operação, fazendo irromper (iv) a relação de direito ao crédito (rdc) entre “B” e o Fisco (BrdcF). (...)

Os dois primeiros vínculos são regulados pelo direito civil, enquanto os dois outros pela legislação tributária. Tomando esses dois últimos, a relação jurídica tributária e a relação de direito ao crédito, devemos reconhecer que: a primeira, consiste da eficácia da regra-matriz de incidência tributária, e a segunda, na eficácia da regra-matriz de direito ao crédito. (...)

Posso resumir, dizendo que duas são as normas jurídicas – a regra-matriz de incidência do IPI e a regra-matriz do direito ao crédito – e, portanto, haverá duas hipóteses – a da venda realizada pelo comerciante “A” e a da compra efetuada pelo comerciante “B” – com duas consequências – a relação jurídica tributária entre “A” e “F” (ArjtF) e a relação de direito ao crédito entre “B” e “F” (BrdcF)399.

Em vista disso, não restam dúvidas que o princípio constitucional da não cumulatividade, em seu caráter técnico, se opera em momento posterior à incidência tributária. Sendo que primeiro teremos a ocorrência do fato jurídico tributário (a regra-matriz de incidência do ICMS) e num segundo momento teremos a relação jurídica de direito a crédito (regra-matriz do direito ao crédito).

Com essa conclusão de que o princípio da não cumulatividade se opera em momento posterior à incidência tributária do ICMS, podemos perceber que esta, no primeiro momento, não apresenta interferências na configuração da subespécie tributária do ICMS nas transferências interestaduais. No entanto, num segundo momento, o mencionado princípio se torna relevante, pois este será responsável pela concretização do princípio federativo ao repartir a receita tributária de forma equilibrada.