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CAPÍTULO I – CONCORRÊNCIA, QUALIDADE E DESENVOLVIMENTO: FOCO

2. A CORRIDA NA BUSCA PELA QUALIDADE: quem vencerá?

A qualidade dos produtos e serviços no “novo” mundo competitivo tem sido uma das metas mais almejadas pelas empresas, e não só pelas pequenas. Mais do que simplesmente um diferencial de mercado, ela tornou-se praticamente condição básica para sobrevivência. É o mundo selvagem capitalista, numa corrida incessante à competitividade, que caminha na mesma lógica de Karl Marx. Mas se antes, conforme Wilkinson (2002), o sistema de produção era norteado pela oferta, hoje ele tornou-se orientado pela demanda.

O termo “qualidade”, no entanto, pode ter significado bastante subjetivo. Essa qualidade – de produtos e serviços – é voltada sempre ao consumidor – ou cliente – e é o próprio, portanto, que define o significado da palavra – qual a qualidade que deseja e que está disposto a pagar (PBQP, 1990; SEBRAE, 1993; GUILHOTO, 2001; ALVES, 2006). O comportamento do consumidor, segundo Guilhoto (2001), é em grande parte influenciado pela sua cultura, o que envolve elementos (que estão em constante inter-relação) como religião, arte, educação, governo, família e língua, entre outros. Neste sentido, a autora exemplifica de forma a facilitar a compreensão e demonstrar sua veracidade: “[...] os consumidores americanos têm propensão a consumir produtos mais descartáveis, enquanto os europeus prezam mais a durabilidade do produto”.

Canli e Maheswaran (2000) afirmam que existem, grosso modo, dois tipos de consumidores: aqueles com formação mais individualista e os coletivistas. Para os primeiros, o importante é que o produto tenha uma qualidade superior, independente de sua origem. Já os coletivistas tendem a valorizar mais o grupo do que o indivíduo, dando preferência a produtos nacionais, mesmo que estes não sejam “superiores” a outros, o que pode estar relacionado também ao etnocentrismo4 (GUILHOTO, 2001).

Shimp e Sharma (1987) os correlacionam – os consumidores coletivistas –também ao sentimento de patriotismo. Segundo eles, os consumidores muito etnocêntricos (ou patriotas?) tendem a ver a compra de produtos estrangeiros como algo pernicioso, que enfraquece a economia doméstica e pode levar à perda de empregos, à exclusão social no seu país.

Os consumidores passam a exigir cada vez mais em qualidade de produtos e serviços, complexificando ainda mais o seu significado. Várias dessas exigências surgem a

partir de movimentos sociais e ambientais, como Slow Food e Fair Trade (ver Quadro 1). A qualidade não é mais somente aquela intrínseca ao produto e “diretamente visível”, como o seu aspecto físico (textura, cor etc.) e suas características organolépticas (aromas, sabores...). Ela pode ser também atribuída ao modo de produção e à sua origem. E as exigências neste caso são também de ordem social e ambiental, pelo respeito aos direitos humanos e aos recursos ambientais, ou mesmo da valorização da produção tradicional, artesanal, de culturas, patrimônios e saberes específicos. De qualquer forma, de aspectos que diferencie o produto.

Na França, por exemplo, que – à frente de outros países – sempre preconizou o fator qualidade em seus produtos, existem, implementados pelo Ministério da Agricultura, quatro selos oficiais de qualidade (para alimentos): Denominação de Origem Controlada (Appellation d’Origine Controlée, AOC), Label Rouge (selo vermelho, na sua tradução), Agricultura Orgânica (Agriculture Biologique, AB) e a Certificação de Conformidade de

Quadro 1 – Movimento Slow Food e Fair Trade

O movimento Slow Food foi fundado em 1986, no Norte da Itália, por Carlo Petrini, como um movimento de resistência ao fast food (onde há a homogeneização dos produtos e a sua produção em larga escala). Com sede internacional em Bra, na Itália, o movimento realiza atividades localmente, mas também junto a instituições internacionais como a FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação e governos em todo o mundo (ROCHA DIAS, 2005).

As atividades do Slow Food têm como objetivo principal a proteção da biodiversidade na cadeia de distribuição alimentar, a difusão da “educação do gosto” e a aproximação entre produtores e consumidores de “alimentos excepcionais através de eventos e iniciativas” (WEINER, 2005).

O Slow Food vincula o prazer em saborear boa comida e bons vinhos com a preservação de produtos típicos locais que correm risco de desaparecimento devido ao predomínio de refeições rápidas e do agronegócio, incluindo queijos tradicionais, cereais, vegetais, frutas e raças animais entre outros. Ele valoriza as diferenças entre os sabores, a agricultura familiar, a produção alimentar artesanal e a utilização de técnicas de cultivo e criação sustentáveis.

O Fair Trade, que em português significa comércio justo, é um movimento social organizado e baseado no mercado para amenizar a pobreza global e promover a sustentabilidade. O movimento promove o pagamento de um “preço justo”, assim como estabelece medidas sociais e ambientais relacionadas à produção de uma ampla variedade de bens. O movimento foca, particularmente, os produtos de exportação de países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, com destaque para artesanatos manuais, café, cacau, açúcar, chá, banana, mel, algodão, vinho entre outros bens.

A intenção estratégica do Fair Trade é de trabalhar deliberadamente com produtores e trabalhadores marginalizados com a finalidade de ajudá-los a passar de uma posição de vulnerabilidade para a auto- suficiência econômica e social.

Os produtos do Fair Trade são, portanto, produzidos visando manter a conformidade entre as práticas agrícolas e o ambiente e, principalmente, garantir a inserção social de pequenos agricultores, o pagamento de preços justos e a não exploração do trabalho (semi-) escravo e infantil (LEONELLI e AZEVEDO, 2001).

Fonte: Rocha Dias (2005); Weiner (2005); <http://www.slowfoodbrasil.com>; <http://www.fairtrade.net>;

Produto (Certification de Conformité de Produit, CCP) (BRABET e PALLET, 2005). Segundo essas autoras, os selos de qualidade, tanto na França quanto em outros países, são um instrumento de identificação, diferenciação e valorização dos produtos, que permitem aos consumidores distinguir os produtos com garantias de qualidade, além de possibilitar a agregação de valor ao produto e reduzir a “concorrência desleal”.

Em alguns deles, como AOC, produtos orgânicos, agroecológicos, biodinâmicos, não geneticamente modificados (que se enquadram, no caso francês, no selo AB) e Fair

Trade, a qualidade diferenciadora não é visível, propriamente, no produto em si, pois se trata de particularidades no processo produtivo (LEONELLI e AZEVEDO, 2001; WILKINSON, 2007). Neste sentido, a evolução do significado e a complexidade do termo “qualidade” revelam aspectos também positivos, apesar da necessidade de um sistema de controle que surgiu, principalmente, em decorrência da globalização e expansão dos mercados.

E assim, deparamo-nos a uma crise no modelo de produção vigente.

O novo modelo de acumulação [...] substitui o referido consumo de massa padronizado, pela especificidade do cliente, fragmentando e segmentando o mercado e, como tal, desenvolvendo um sistema de produção diferenciado, orientado para satisfazer um consumidor motivado pelo desejo de personalizar o seu consumo (ROCHA DIAS, 2005, p. 10).