• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – PROGOETHE: UM REARRANJO NA REALIDADE

5. ATIVIDADES VERSUS MOTIVAÇÕES

A trajetória da PROGOETHE se confunde com a trajetória do “projeto IG”, que desde o seu início a acompanha. As instituições, destarte, são elementos sempre presentes nas reuniões da PROGOETHE. Assim, essas instituições se tornam praticamente uma parte (bastante representativa) na estrutura de organização da associação, principalmente o SEBRAE e a EPAGRI (Figura 14), revelando-se, inclusive, como “carro-chefe” neste processo. A participação dos associados nas reuniões, por outro lado, diminui com o passar do tempo, como mostra a Figura 15, sobretudo dos produtores de uva.

Segundo alguns produtores de uva envolvidos no processo, as reuniões e todo o processo aconteceram de forma muito rápida. As reuniões evoluíam em discussões voltadas à indicação geográfica, com assuntos complexos, como, por exemplo, caderno de normas, conselho regulador, delimitação da área de produção, pesquisas e estudos sobre clima, solo, planta etc., sem um trabalho contínuo de esclarecimento e desenvolvimento dessas idéias com as pessoas envolvidas.

Houve reunião em que se explicou e discutiu sobre o assunto. Não parece ter sido suficiente ou satisfatório. Algumas pessoas não compareceram e no caminhar das reuniões seguintes se sentiram deslocadas, sem entender muita coisa. Alguns, ainda, apresentam maior dificuldade em captar e entender as informações. O debate evolui, essas pessoas não se envolvem nas discussões e, desencorajadas a perguntar, acabam desmotivadas e participam

cada vez menos das reuniões. “O processo está sendo meio atropelado”, afirma um dos produtores.

Uma das principais razões para tal “atropelamento” é o prazo do projeto “Vales da Uva Goethe”, para a obtenção de uma indicação geográfica e, portanto, para a realização dos levantamentos de dados e pesquisas, estabelecido pelas instituições envolvidas e, principalmente, pela fundação financiadora. A IG, embora ela signifique ainda um enigma para alguns produtores, tem sido o papel central na promoção do vinho Goethe.

O caminho para o reconhecimento de uma IG para um produto típico – seja ela IP ou DO –, no entanto, geralmente representa o resultado final ou intermediário do processo de valorização do produto em si. Neste sentido, são realizados os trabalhos já mencionados, no intuito da elaboração de um dossiê.

Cerdan (2006) ressalta a importância do processo de elaboração de uma IG, sendo ela um bem público e com “validade ilimitada”. Ou seja, a IG que for consolidada marcará para sempre a região e seus produtos. Ela é construída não só para aqueles que nela vivem agora, mas também para aqueles que ali viverão futuramente. Segundo a autora, grande parte do sucesso da IG é atribuída ao seu processo de elaboração.

Para tanto, o processo deve ser coletivo e participativo. É necessário que existam interesses comuns e que estejam claros e bem definidos. O sucesso de uma IG quer dizer também o desenvolvimento da região.

Dentro de uma mesma área rural geralmente coexistem diferentes pontos de vista sobre o seu desenvolvimento, embora tendendo a convergir para os valores compartilhados, bem representados pelo produto típico como um elemento de identidade da cultura local.

Em um mundo regido pelo sistema capitalista, é natural que as pessoas ajam e se motivem por interesses próprios. Contudo, alguns produtores de uva e vinho artesanal, mesmo não identificando o benefício próprio no trabalho da PROGOETHE e na obtenção de uma IG, participam como associados porque vêem benefício para a região de modo geral, a longo prazo. O envolvimento e a participação desses atores são bem mais baixos, como pode ser observado na Figura 15. Segundo estes produtores, os mais engajados no processo são naturalmente as vinícolas, cujo benefício pode ser evidenciado em mais curto prazo.

Assim, formou-se um ciclo vicioso (ou “feedback de reforço”): os representantes das vinícolas participavam mais nas reuniões (em algumas reuniões, inclusive, eram os únicos associados presentes), e as estratégias da Associação voltavam-se mais às suas preocupações,

seus interesses. Não identificar os interesses dos associados, de modo geral, foi ato bastante falho na construção da Associação. Enquanto este deveria ser o ponto de partida, para motivação e mobilização dos atores, tornou-se um reles esquecido, centrando-se a maioria dos esforços para a obtenção da IG e promoção do vinho Goethe. Essa é possivelmente a principal razão pela falta de envolvimento e baixa participação dos associados.

Os associados representantes de vinícolas mais engajados no processo compartilham a idéia de que a obtenção da IG – e todo o trabalho da PROGOETHE – trará benefícios não só para as vinícolas da região. “Aumentando a procura pelo vinho Goethe, aumenta também a compra da uva para se fazer o vinho, e também o preço da uva”, afirma um produtor, identificando benefício também para o produtor de uva. A IG e a divulgação do vinho Goethe, segundo eles, promove não somente a imagem do vinho, mas também da região. Assim, favorece o turismo, que, por sua vez, favorece o vinho. “O turismo é muito importante, está relacionado com a tipicidade da uva, a cidade, a cultura italiana. [...] O turismo faz a coisa andar melhor”36.

Segundo estes atores, o vinho, ligado à história e a cultura da região, relaciona-se também com o turismo e, conseqüentemente, com o consumo de outros produtos típicos da região, como doces, pães, queijos, salames, biscoitos, artesanatos etc., trazendo benefícios para a região como um todo. Esses e outros atores, no entanto, reconhecem que o turismo na região ainda é bastante incipiente e precisa ser fomentado. “O ideal era nós termos todo dia um ônibus ou dois de turistas aqui dentro. Deve chegar lá”, observa um produtor de uva.

O maior entrave da Associação, hoje, está muito possivelmente na falta de identificação dos interesses dos atores envolvidos, pois são os valores (ou interesses), compartilhados pelos atores, que representam um “forte paradigma” no entendimento dos problemas encarados pela região e na proposição de alternativas eficientes.

A possibilidade de “ativação endógena rural”, com estratégias de desenvolvimento territorial, baseadas no produto típico, depende, conseqüentemente, de quão forte e intensa é a ligação entre o produto e a comunidade local (PACCIANI et al., 2001). Ou seja, os atores precisam identificar seus valores e preocupações compartilhados para que possam traçar estratégias e agir conjuntamente e, assim, caminhar para o desenvolvimento territorial. Afinal, “agir est toujours synonyme d’interagir37” (GUMUCHIAN et al., 2003, p. 35).

36 Produtor de uva e vinho Goethe, 2007.