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A corrida para desinventar tradições

No documento C iênCia da i nformação (páginas 160-190)

Os administradores da instituição científica: guardiões, firmes conservadores de “o que é” (verdadeiro), trazem um julgamento em nome da lógica universal, sobre os atos de errar que o espírito do indivíduo efetua dentro do labirinto onde este circula pois eles o dominam com seu olhar, um olhar passivo, aflito de esterelidade pela constância de sua ética.

Abraham Moles

P

retendemos aqui discutir a questão da classificação epistemoló-gica da CI. Mais especificamente, a discussão acerca do conceito de para-digma dentro dos estudos informacionais, discussão esta que nos leva a procu-rar uma outra noção para denominar as categorias científicas da epistemologia informacional. A partir disso, identificamos e problematizamos o uso de uma outra noção para o contexto desta viagem, noção que acreditamos ser mais coe-rente para imaginar o desenvolvimento epistemológico da CI – fundamental-mente para compreender o pragmatismo informacional de nossas investigações meta-científicas. Falamos da noção de tradição, amplamente utilizada na via-gem, como já pode ser observado.

A justificação para o desdobramento de uma visita específica dentro desta via-gem apenas para pontuar a escolha de uma outra noção – o que poderia ser breve-mente apresentado na metodologia, junto de nosso vocabulário de mão –, se dá por algumas questões que, no âmbito de nossa investigação, são fundamentais. Dentre estas, a questão que nos parece mais essencial diz respeito ao empréstimo ilimi-tado, algumas vezes acrítico, do conceito de paradigma, segundo a conceituação de Thomas Kuhn, amplamente utilizado na descrição epistemológica das Ciências

Sociais em geral e, por extensão, da CI, reproduzindo-se em artigos, capítulos e livros1.

Esta adoção tem suas importantes contribuições – basta analisar, como vere-mos, a relevância do filósofo da ciência para compreendermos esta questão. No entanto, não só o uso explícito de Thomas Kuhn para contar a história da CI como também os desdobramentos deste uso podem nos levar a uma série de negligências epistemológicas, afastando-nos de uma reflexão crítica. Encontramos na leitura crítica de Assis (1993) para as ciências sociais nossa mais sensível percepção diante dos problemas que se multiplicam com certos usos de Kuhn na área. Este autor apresenta-se como um outro companheiro direto na presente visita.

A importância de Thomas Kuhn para a filosofia da ciência é inegável. Como afirma Rorty (1997) a distinção entre ciência e não-ciência foi minada com o tra-tado filosófico mais influente do mundo anglófono nos últimos cinquenta anos: “A estrutura das revoluções científicas”. Segundo Laudan et. al. (1993, p. 19) Stuart Hughes observou que,

durante as duas últimas décadas, a história da ciência avançou com uma autoconfiança que a isolou de outras áreas da história intelectual. Ele notou também que o campo foi enormemente beneficiado com o prestígio da obra de Thomas Kuhn. Foram boas décadas para a história da ciência, mas há hoje considerável evidência de que as preocupações intelectuais que tanto contribuíram para a atual visibilidade do campo não estão sendo devidamente atendidas. Para florescer o campo deve crescer e para crescer de modo forte e duradouro é preciso outra vez envolver-se profundamente no desenvolvimento de uma teoria geral da mudança científica. E não há melhor lugar para começar do que uma séria apreciação dos modelos de ciência atualmente disponíveis.

Diante das dificuldades de recuperação de uma epistemologia informacional crítica e profunda, como visto no capítulo anterior, estas observações se encaixam de maneira clara à realidade teórica da CI. Acreditamos ser de grande conveniência discutir o conceito de paradigma e sua adoção nas ciências sociais e na CI, pois esta 1 Relacionamos, apenas a título ilustrativo, alguns autores que trabalharam e/ou discutiram nos últimos anos o termo de Thomas Kuhn, desenvolvido na Estrutura das Revoluções Científicas,

dentro das Ciências Sociais em geral e dentro da CI. Kuhn em narrativas epistemológicas das Ciências Sociais: TOURAINE (2006); Kuhn nas narrativas epistemológicas da Ciência da Informa

-argumentação tem um estatuto circunstancial e limítrofe para o objetivo desta pes-quisa: realizar a leitura de uma determinada forma de vida epistemológica dentro da área. Nossa pergunta aqui é: como podemos narrar a história das tradições da CI e que escolhas historiográficas nos permitem narrá-la?

A análise desta presente visita permitirá abrir caminho para exploração de al-guns pontos importantes no estudo epistemológico proposto, a saber:

a) aprofundar as discussões sobre cientificidade em CI;

b) propor noções sobre a classificação das movimentações epistemológicas da área;

c) desvelar pontos críticos no posicionamento da CI como disciplina social e aplicada;

d) rever posicionamentos de justificação epistemológica na epistemologia in-formacional;

e) abrir alternativas para um criticismo informacional, na busca por com-preender a epistemologia como um campo de revisões, anti-espontâneo, como nos convoca Bachelard (1968, 1974, 1983).

Paradigmas segundo Thomas Kuhn: em direção a Ciência da Informação

Em uma leitura crítica sobre o empréstimo do conceito de paradigma realizado pelas Ciências Sociais, Assis (1993)2 aponta que a importação do termo kuhniano, produzida com um olhar sob as ciências naturais, causou mais confusões que re-sultados relevantes. Com a publicação do clássico trabalho de Thomas Kuhn, a Es-trutura das Revoluções Científicas, em 1962, a dispersão discursiva do conceito de paradigma, grande categoria de análise da obra, ocorre sobre diferentes disciplinas, mesmo diante da pluralidade de significados que sua revisão desdobra. Dentre as motivações que levaram as ciências sociais a importarem o conceito de paradigma de Kuhn, Assis (1993) aponta a necessidade permanente que estas têm de se afir-mar como ciências.

Como lembra Assis (1993),

Kuhn divide o desenvolvimento científico de uma disciplina particular em dois grandes componentes: ciência normal e revolução científica. Durante os períodos de ciência normal, os cientistas concordam acerca dos fundamentos de sua disciplina e o grosso de seu trabalho se dá no

2 Jesus de Paula Assis é físico, mestre em Sociologia, doutor em Ciências Sociais e fez seu pós--doutourado na Escola de Comunicação e Artes da USP.

sentido de articular esses fundamentos e de ampliar sua aplicabilidade. Já nos períodos de revolução científica, acontece o debate entre alter-nativas rivais, no qual os participantes de cada escola baseiam seu dis-curso em conjuntos diferentes de fundamentos. Logo, não existe campo neutro no qual avaliar as diferentes teorias. O debate não é racional, no sentido de sempre esbarrar em questões que não podem ser resolvidas de comum acordo entre as partes, recorrendo ambas a um foro neutro e reduzindo seus diferentes discursos a um comum, via mecanismos inteiramente lógicos.

Ao longo da “Estrutura das Revoluções Científicas” registra-se que uma ativi-dade científica se torna paradigmática quando cessa o debate em torno dos seus princípios, ou seja, quando há uma espécie de ecumenismo provisório para tal consenso, um acordo em torno do objeto único, validável e promissor. O que ante-cede este acordo pode ser considerado um debate desorganizado, vindo de diferen-tes visões de mundo (KUHN, 1975). Como indica Kuhn (1975)

na ausência de um paradigma ou de algum candidato a paradigma, todos os fatos que possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento de determinada ciência têm a probabilidade de parecerem igualmente relevantes. Como consequência, as primeiras coletas dos fatos se apro-ximam muito mais de uma atividade ao acaso do que daqueles que o desenvolvimento subsequente da ciência torna familiar3

Há um momento em que uma dada escola ganha uma evidência consideravel-mente vultuosa, e derruba as demais. A partir do momento em que a competição dá lugar a estabilidade de um consenso epistemológico,

3 Assis (1993) demonstrará que esta visão kuhniana da ingenuidade inicial da pesquisa, refém do acaso e não da sistematização crítica, também pode ser apontada no estado de maturidade científica do modelo da “Estrutura das Revoluções Científicas”, pois “nenhuma teoria nova está de acordo com todos os fatos já conhecidos do campo que pretende explicar. Essa característica das teorias científicas é reconhecida, seja por um positivista lógico ortodoxo, seja por um filo--anarquista em epistemologia. Assim, quando a comunidade aceita um paradigma, o que ela está aceitando é, na verdade, uma promessa de resolução de problemas futuros, promessa que se impõe sobre as outras com base no sucesso obtido na resolução dos problemas já examinados. Neste sentido, pode-se também dizer que a aceitação de determinado paradigma é um fenômeno irracional: ele é aceito menos pelo que fez no passado e mais pelo que se sente ele poderá fazer

o paradigma da escola vencedora ganha aceitação geral e passa a ser base de toda a tradição de estudo naquele campo. Depois disso, pode haver especialização, isto é, cada grupo de cientistas pode se dedicar a determinado conjunto de fenômenos, com diferentes grupos podendo estudar diferentes fenômenos. O que importa é todos os grupos admiti-rem uma ontologia comum e, mesmo estudando fenômenos diferentes, concordarem com que estes sejam manifestações das entidades catalo-gadas naquela ontologia aceita por todos. (ASSIS, 1993)

Definida a via de um paradigma único – ou, diante da atualização da pro-messa de sucesso do paradigma (KUHN, 1975) – inicia-se a fase chamada ciência normal. Aqui os cientistas têm por tarefa aperfeiçoar padrões de medida, o cálculo das constantes da teoria e ampliar o campo de aplicação do modelo. Neste mo-mento, não há confronto entre teorias rivais. A decisão racional entre duas saídas é inconcebível, pois o paradigma carrega consigo seus próprios métodos de avalia-ção. Aquilo que pode resistir como elemento não integracional ao paradigma, será chamado de anomalia. A princípio, as anomalias ficam renegadas, reservadas para um momento posterior incerto. Esta data incerta pode guardar o olhar de um pes-quisador ou grupo de pespes-quisadores de prestígio, que, verificando o esgotamento do paradigma, voltar-se-ão para uma dada anomalia que está na encruzilhada de certos caminhos de solução de problemas. (ASSIS, 1993)

Desta forma,

não há como pesar racionalmente todos os fatores a serem levados em conta na decisão de se abandonar ou não um paradigma, via regras explicitáveis e que devam ser aceitas por todos, sob pena de acusação de inconsistência ou irracionalidade para quem não as admita. Os li-gados a prestígio dispensam comentário. Mas também não é possível decidir quanto é muito tempo para que um problema resista à solução, ou o quanto um problema é central dentro de uma teoria. Do ponto ex-clusivamente lógico, não há como definir univocamente tais questões. (ASSIS, 1993)

Kuhn (1975), no posfácio de sua obra, confere ao conceito de paradigma dois sentidos diferentes: de um lado, o vocábulo remete a constelação de crenças, va-lores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada; de outro, denota um tipo de elemento desta constelação. Esta revisão parece ter sido um dos aspectos que mais levaram os cientistas sociais a realizar uma

“auto-análi-se” de sua disciplina a partir de Kuhn. Trata-se de um esclarecimento proposto pelo autor que aproxima ainda mais sua análise de um olhar antropológico da ciência, e não mais um olhar mecânico. A metáfora da constelação de crenças, valores e téc-nicas partilhadas parece responder diretamente pela forma como se dá a tessitura coletiva do conhecimento nas ciências humanas e sociais. Desta forma, âmbito das ciências sociais, como afirma Assis (1993), a Estrutura das Revoluções Científicas foi adotada

como um manual para descobrir, de modo mecânico, ciências para-digmáticas ou ciências em vias de paradigmatização. Notadamente nas ciências sociais, surgiram autores que, apoiados num mal compreendi-do Kuhn, descobriram que elas são tão ciência quanto as ciências natu-rais, visto que possuem paradigmas.

É necessário, no entanto, compreender que os paradigmas ou “constelações sociais” se definem como elementos de anulação, e não de reinterpretação da reali-dade social, ponto-chave que começa a se chocar com a ideia da ativireali-dade científica assim como ela se dá nas ciências sociais. À primeira vista, no que diz respeito ao âmbito teórico, o conceito de paradigma realmente muito se aproxima das ciências sociais. No entanto, uma rápida leitura crítica, bachelardiana, de sua forma de sedi-mentação, demonstra as primeiras incongruências na sua adoção para os cientistas sociais se auto-analisarem.

Para além do ponto de vista teórico, Assis (1993) argumenta que esta impor-tação parte, dentre suas justificativas, da seguinte questão: diante da posição polí-tica de prestígio que a ciência ocupa na sociedade contemporânea, a “necessidade aparente que as ciências sociais têm de se mostrar científicas faz com que autores para os quais essa preocupação é mais premente usem Kuhn como seu principal apoio argumentativo”. Esta necessidade política é íntima da CI em diferentes aspec-tos, e pode ser desprendida de discursos, em vários momenaspec-tos, como em Brookes (1980a, 1980b), Shera (1973), Araújo (2003).

A plataforma epistemológica da CI, bem como a discussão levantada por As-sis (1993) no contexto das ciências sociais, nos propõe uma revisão da utilização do conceito de paradigma dentro da organização do conhecimento. A CI, como ciência social aplicada, tende a importar inúmeros conceitos das ciências sociais e humanas em geral – mas também, como tantas, por necessidade, apresenta uma grande rede de empréstimo de vocábulos de disciplinas de estruturas teóricas e metodológicas diferentes, como as ciências exatas e biológicas. Este empréstimo, como visto, é muitas vezes confundido com uma movimentação interdisciplinar.

Cabe-nos rever o estatuto das traduções e as consequências práticas destes usos. Recentemente, Nehmy et. al. (1996), Eugênio, França e Perez (1996), Capurro (2003), Lenzi e Brambila (2006) e Oliveira (2005) realizaram trabalhos dentro da CI que fizeram o uso do conceito de Kuhn, para citar alguns, dentre inúmeros.

Capurro (2003) parte da tese da “Estrutura das Revoluções Científicas” e classi-fica a história da epistemologia da CI a partir de três grandes paradigmas: o físico, o cognitivo e o social. Em Nehmy et. al. (1996), seguindo um olhar oposto, a leitura da visão do desenvolvimento da ciência segundo Kuhn indica que a CI como uma ciência carente de amadurecimento, ou seja, carente de paradigmas. Os autores buscarão em Kuhn o suporte para refletir sobre o estatuto científico da área.

Eugênio, França e Perez (1996) partem do pensamento kuhniano para cons-truir a definição de CI. No cerne desta construção, os pesquisadores afirmam, tam-bém em um olhar oposto ao de Capurro (2003), não existirem paradigmas dentro da área. “Não há na Ciência da Informação algo que Kuhn chama de paradigma, alguma ideia que seja consensual, hegemônica e que defina limites para o desenvol-vimento dessa ciência”. (EUGÊNIO, FRANÇA, PEREZ, 1996).

Desta forma, os pesquisadores percebem a área, feito Nehmy et. al. (1996), como uma ciência imatura, “em busca de um paradigma que dê sustentação e abra horizontes para o estudo e a pesquisa” (EUGÊNIO, FRANÇA, PEREZ, 1996). Eugênio, França e Perez (1996) defenderão que, dentro da ciência social aplicada que é a CI, os cientistas, além de afirmar o paradigma vigente – que ainda estaria por se definir – precisavam fundamentar a teoria consensual com um resultado prático.

Lenzi e Brambila (2006), partem, de certo modo, do mesmo olhar de Eugê-nio, França e Perez (1996) e Nehmy et. al. (1996), indicando que, sendo a CI uma ciência jovem, há na área uma grande gama de discordâncias, o que inviabiliza a constituição de um paradigma, ou seja, para os autores a disciplina, dentro da ótica kuhniana, também se configura como imatura.

Oliveira (1996, 2005), por sua vez, dialogando com o pensamento de Miksa (1992), baseia-se em Kuhn (1975) para diferenciar a CI da Biblioteconomia. No âmbito desta adoção, a CI aparece como uma nova ciência, participante de um novo contexto de deliberação científica, distanciando-se da Biblioteconomia por apresentar um paradigma diferente. Enquanto esta seria definida pelo paradigma do acervo, ligado àuma instituição específica, a biblioteca; aquela teria como para-digma a informação em um sistema de comunicação que objetiva a representação do conhecimento.

Percebe-se o extremo de diferenças no uso do pensamento kuhniano sobre a atividade científica e o progresso das ciências dentro da CI. Se por um lado Kuhn (1975) é utilizado para identificar a presença de três paradigmas na área, por

ou-tro é adotado para se discutir a cientificidade da área – ou seja, sua dificuldade de constituir um possível paradigma –, enquanto, em um terceiro olhar, o filósofo da ciência é aproximado para identificar o paradigma identitário da CI – o que, a partir desta definição, conduziríamos a uma diferenciação da disciplina dos outros campos da organização do conhecimento. A seguir, exploramos, criticamente, este pensamento.

Paradigmas nas Ciências Sociais e na Ciência da Informação

O estudo de Thomas Kuhn (1975) acerca do desenvolvimento das disciplinas científicas tem como foco a argumentação sobre o conceito de paradigma. Esta ar-gumentação tem, em sua instância principal, a categoria do consenso. O paradigma é, antes de tudo, um consenso. Este consenso é, de certo modo, dogmático, uma vez que seu caráter de arbitrariedade é implícito em sua sedimentação ou legiti-mação entre os pares. Assim, “um elemento aparentemente arbitrário, composto de acidentes pessoais e históricos, é sempre um ingrediente formador das crenças esposadas por uma comunidade científica específica numa determinada época”. (KUHN, 1975, p. 23)

Este elemento arbitrário, no entanto, afirma Kuhn (1975), não necessariamen-te indica que o grupo de pesquisadores sobreviverá sem um conjunto de crenças acumuladas, nem limitará a miríade de possibilidades abertas para a realização dos projetos de pesquisa. Vê-se, logo, o caráter antropológico do pensamento do autor contido na “Estrutura das Revoluções Científicas”, iluminado na ideia de constela-ção de crenças, valores e técnicas que o paradigma indica. A ciência e seu desenvol-vimento são vistos a partir de um olhar sobre a vivência das comunidades científi-cas. O fazer científico se dá através de uma práxis, de práticas sociais coexistentes. Como somatório de divergências e aproximações, crenças e valores, promessas e satisfações, o desdobramento de uma revolução científica pode ser interpreta-da com a metáfora de uma revolução social. Uma vez descontentes com o regime vigente, munidos de experiências e observações críticas que corroboram a deca-dência de um conjunto de leis e deveres, os indivíduos de uma determinada classe identificam a emergência de uma nova agenda. Essa agenda nada mais é do que o novo paradigma que já se faz presente no discurso desta classe, fruto de um amplo processo histórico-deliberativo. O regime vigente é então deposto e é instaurada uma nova ordem.

Há que se observar criticamente que, diante da metáfora, mesmo na questão da derrubada de um regime de poder, velhas formas de organização social são mantidas, ainda de maneira tácita. Um novo vocabulário é compartilhado, mas muitos dos novos termos trazem em seu bojo significados semelhantes às palavras

anuladas – e, inversamente, muitos dos significados ditos novos já possuíam pala-vras para sua representação no vocabulário específico da área. Assim há, em cada revolução, um estado de continuidade em inúmeros elementos culturais – natural-mente, seria impossível a extinção de tais elementos, uma vez que a revolução é, em suma, como o que foi descrito acima, um somatório de ideologias e utopias, e não é possível descartá-las como um instrumento obsoleto.

No decorrer da formulação do conceito de paradigma, Kuhn (1975) conferi-rá à noção mais singularidade ao caconferi-ráter arbitconferi-rário do que ao caconferi-ráter alternativo da constituição das revoluções científicas, mais ao caráter competitivo do que ao deliberativo. Ao final da leitura da “Estrutura das Revoluções Científicas”, é mais viva a imagem dogmática de que o consenso elimina o que não “parece melhor”, do que a imagem inicial, de ordem antropológica, de que o consenso reinterpreta o pensamento do outro, e reposiciona este pensamento dentro de uma outra teoria. Se tomássemos esta linha de leitura, algo que não era a pretensão de Kuhn (1975)4, poderíamos chegar à conclusão de que a evolução paradigmática das ciências

No documento C iênCia da i nformação (páginas 160-190)