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A invenção neopositivista da natureza

No documento C iênCia da i nformação (páginas 136-160)

A ideia de que as instituições em geral estão atrasadas em relação à “tecnologia e à ciência” em geral é muito popular. Envolve uma avaliação positiva da ciência e da transformação progressiva orientada; em suma, é uma continuação liberal do Iluminismo, com todo o seu racionalismo, sua admiração messiânica e hoje politicamente ingênua da ciência física como modelo de pensamento e ação, e da concepção do tempo como progresso.

Charles Wright Mills

U

m dos principais componentes da ciência, uma criação liberal, é o dinheiro. A “emancipação” de uma disciplina científica é, pois, a sua luta por capital para provar, perante as demais, que realiza pesquisa. A sociedade não é um é fim. A teleologia aqui é fundamentalmente a sobrevivência em uma concorrência pelo fomento.

Compreender a noção de CI passa, obrigatoriamente, como visto, pela com-preensão do que vem a ser interdisciplinaridade. O discurso da CI como área entre as assim chamadas novas áreas interdisciplinares (GOFFMAN, 1970) nos parece um objeto narrativo de grande provocação para a imaginação informacional. Como afirma Carvalho (1999, p. 51), a partir do trabalho Interdisciplinary: approaches to understanging Library and Information Science as an interdisciplinary field”, de Linda C. Smith1, apesar do provável consenso entre os principais autores, os

es-1 O citado trabalho de Linda C. Smith se encontra em: VAKKARI, Pertti; CRONIN, Blaise (editores).

Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theorical perspectives.

Proceedings of the International Conference held for the celebration of 20 th Anniversary of the Departament of Information Studies. University of Tampere, Finland, p. 26-28, ago., 1991.

tudos empíricos mostraram ao longo das primeiras duas/três décadas da CI que a interdisciplinaridade na área é mais teórica que prática, em outras palavras, é mais discursiva (como já dito) que fonte de uma natureza ou de uma imagem identitária e, principalmente, de uma realidade. Ou seja, a CI se especializou em discursar sobre o interdisciplinar. Voltando à Estrutura das Revoluções Científicas (KUHN, 1975), como Mostafa, Lima e Maranon (1992, p. 221) lembram, o pensamento kuhniano nos demonstrou “a camisa-de-força do paradigma científico. A coleta de referências acadêmicas tem a mesma motivação empiricista da coleta de dados do projeto científico”. Ou seja, por um ângulo, a própria teoria dos paradigmas nos faz atentar para o imediatismo a que o paradigma nos conduz, nos chama atenção para a camisa-de-força da ideia da interdisciplinaridade na historiografia da CI.

Desta forma, com a não-definida e não-socialmente legitimada Bibliotecono-mia e/ou com a não-definida e não-socialmente legitimada Documentação, a nova ciência para informação, mesmo não sendo consensualmente definida e antes de ser socialmente legitimada, se escora em um novo conceito – este, não definido e não-socialmente legitimado, a interdisciplinaridade (esta, aplicada ao discurso epistemológico em parceria com outro conceito que sofre dos mesmos sintomas, o de pós-modernidade).

Convidamos Richard Rorty (1997, p. 38-39) e sua noção de solidariedade pragmática em diálogo com a ideia de interdisciplinaridade, bem como Alain Touraine (2006) e a ideia de autonomia/emancipação do sujeito para realizar uma leitura com mais luz crítica sobre os significados desta noção dentro da área. So-lidariedade, no pragmatismo rortyano, é a necessidade de sobrevivência que nos obriga, na práxis, no cotidiano, nos manter em permanente estado de troca com outros indivíduos, comunidades, ciências. A autonomia tourainiana diz respeito à consciência do indivíduo como atora na sociedade que o cerca; ou seja, “o sujeito não é apenas aquele que diz eu, mas aquele que tem a consciência de seu direito de dizer eu” (TOURAINE, 2006, p. 113). Trata-se da definição de sujeito enquanto uma “resistência ao mundo impessoal do consumo”, ou seja, o sujeito como o “contrá-rio da identidade”, isto é, como a “convicção que anima um movimento social e a referência às instituições que protegem as liberdades” (TOURAINE, 2006, p. 20-21).

Queremos, com estes autores,

a) clarificar de forma mais sensível nossa argumentação da interdisciplinari-dade como um velho discurso e uma velha prática, agora emancipada sob outros nomes;

b) pontuar o horizonte de nossa problematização, discutindo que é o sujeito – sujeito não preocupado com a identidade, não preocupado com a corrida

identitária da pós-modernidade – a consciência crítica que deve ser levada em conta na hermenêutica do conceito e das práticas da interdisciplinari-dade – isto é, em outras palavras, a interdisciplinariinterdisciplinari-dade é mais pessoal que institucional e epistemológica, e menos ainda um método; ou há um pes-quisador, cientista ou profissional aberto ao fórum dos saberes, ou não há a vivência do termo “interdisciplinaridade”.

Como para Jesse Shera, é-nos claro que falar em CI é apenas falar em Biblio-teconomia ou em Documentação em um outro tom de voz – hoje, o que se faz com um dos termos é semelhante ao que se faz com outro. Como visto nos passos anteriores, a CI é um outro nome dos estudos de organização do conhecimento, um antigo estudo filosófico da representação. Desta forma, só podemos continuar nossa viagem, propondo um outro olhar para a chamada natureza interdisciplinar, para pensar na unidade solidária da produção especializada e competente dos es-tudos informacionais.

Em estudo recente, Carlos Araújo (2007) questiona professores em CI sobre sua opinião acerca da afirmação da CI como ciência interdisciplinar – 90% dos professores confirmam esta realidade. Dentre as principais observações do pesqui-sador, estão:

A categoria de justificativa com maior ocorrência é a que argumenta que a CI é interdisciplinar por receber contribuições de outras áreas, se apropriando de conceitos, práticas, métodos, pesquisas, teorias ou produtos oriundos de diferentes disciplinas científicas. Segundo essa concepção, o movimento da CI de apropriar-se de elementos de outras disciplinas é suficiente para caracterizá-la como interdisciplinar.

A segunda justificativa mais frequente é bastante semelhante à primeira, mas vai mais além, por trazer a ideia de que a CI necessita obrigatoriamente da contri-buição de outras disciplinas científicas para lidar com seus problemas de pesquisa e compreender seu objeto de estudo. De acordo com essa concepção, a CI não sobre-viveria se não mantivesse um relacionamento com outras áreas. (ARAÚJO, C., 2007) Um terceiro conjunto de respostas se aproxima mais do conceito de interdisci-plinaridade tal como desenvolvido pelos teóricos que se debruçam sobre a questão. Na visão dos dez professores que argumentaram nesse sentido (oito da UFMG e dois do restante do país), a CI é interdisciplinar porque promove um diálogo com outras áreas, havendo, nesse caso, uma integração mútua de contribuições (concei-tos, teorias, métodos). Para esses professores, para que haja interdisciplinaridade é

preciso mais do que apenas a apropriação, por parte da CI, de elementos de outras disciplinas – e, na visão deles, esse elemento a mais (a contribuição mútua) estaria acontecendo. (ARAÚJO, C., 2007)

É necessária, no entanto, uma hermenêutica profunda, bachelardiana, dos diá-logos interdisciplinares, mais próxima a este terceiro conjunto de respostas. E a tra-dição pragmática parece convocar para esta direção, como aponta Capurro (1991). A aproximação de cientistas da computação, documentalistas e outros pesquisado-res é fonte da argumentação que se repete na formação discursiva informacional: a CI nasceu interdisciplinar. Mas não há uma hermenêutica destes encontros, uma interpretação pontual de cada contribuição. O que socialmente foi diálogo e o que foi paradoxo? O que socialmente foi troca e não imposição? O que socialmente foi semente para uma especialidade e/ou o que foi negação de outras já existen-tes? Todas as aproximações entre cientistas são encontros interdisciplinares? Esse relativismo nos permite permanentemente dizer: até nas mais duras e casmurras especializações, sempre houve interdisciplinaridade. Em outras palavras, podemos apontar para todas as esferas de estudos da informação e dizer: “Isto é Ciência da Informação”.

Uma epistemologia da imaginação aqui proposta procura, desta maneira, olhar criticamente a aura que cobre o conceito de interdisciplinaridade dentro da CI, como se esse fosse para esta um fundamento específico, motor da área. Ao contrá-rio, acreditamos que a interdisciplinaridade é uma prática necessária em todos os campos do conhecimento – e sempre foi praticada, sob diferentes graus. A CI não é muito mais interdisciplinar que a maioria das ciências, nem seu caráter o é. Sua própria idade recente pode significar isto: ao contrário, ela pode ser menos híbrida que o Direito e a História, a Sociologia e a Linguística, conforme os contextos cur-riculares em questão. A interconvergência de modelos das ciências exatas, ciências da vida e da terra, enfim, sempre ocorreu – em diferentes graus. Apenas justificar contexto e ciência para dizer: a CI nasce interdisciplinar pois assim era a realida-de realida-de seu tempo é usar o conceito realida-de contexto em sua mais rasa significância, o que não ocorre na ordem do pragmatismo – nem no pragmatismo informacional. Como nos lembra Gomes (2001),

Uma ciência se estabelece a partir de acordos tácitos entre os pesqui-sadores sobre quais seriam suas bases, suas atividades e perspectivas futuras, determinando assim seu núcleo básico e orientador das ações investigativas, a partir do qual se torna possível o diálogo com qualquer outra disciplina.

No entanto, para além da questão da “idade” “prematura” da CI, sabemos que no plano da teoria e da prática não um fundamento nem um acontecimento so-cialmente interdisciplinar. Refletindo sobre a redução da aura – e não da relevância – do termo interdisciplinaridade, podemos caminhar pelo conceito como solida-riedade (RORTY, 1997, 2000), ou seja, o encontro de disciplinas como processo de trocas, encontros e sedimentação de novos vocabulários. Deixaríamos de lado o elogio e a supervalorização da interdisciplinaridade – a ideia de que ela é boa e a disciplinaridade é ruim –, para pensarmos seus horizontes, e refletirmos as rele-vantes questões inerentes à disciplinaridade.

É comum encontrarmos na literatura científica o discurso pró-interdisciplina-ridade baseado na crítica à fragmentação em disciplinas fechadas promovida pela ciência moderna ao longo do século XIX – unidade de partida de todo o discurso pelo interdisciplinar na pós-modernidade. Esta é a chamada fragmentação por es-pecializações cada vez mais unilateralistas. No entanto, é mais raro o discurso crí-tico da fragmentação pela multidisciplinaridade – ainda mais no que se refere nas narrativas pró-interdisciplinaridade da CI. É mais raro ainda o discurso que lem-bra que, para uma ciência – ou disciplina ou saber –, como o corpo científico dos estudos de organização do conhecimento – que foi transformando suas nomencla-turas por não conseguir legitimá-las socialmente e por acreditar que elas não con-seguiam representar suas atividades – os discursos da interdisciplinaridade – e/ou da ciência pós-moderna, e/ou da nova ciência – aparecem como uma justificativa pronta, uma resposta epistemológica e institucional imediata – como o imedia-tismo da informação no mundo pós-guerra – para seu possível amadurecimento.

São mais escassos os discursos que lembram que, enquanto a ciência dita pós--moderna se abria aos saberes amplos – ao reconhecimento de que não só a comu-nidade científica produz conhecimentos, mas também a comucomu-nidade de lavadeiras, de taxistas, de operários, de atletas – a CI tecia-se como uma especialização para a ciência, reforçando implicitamente a aura do “Conhecimento” como o que é “Ciên-cia”2. Enquanto a filosofia da ciência discutia – e bem antes da chamada “emer-2 No mesmo estudo discutido, Carlos Araújo (“emer-2007) também questiona os docentes em CI sobre a situação da CI como ciência pós-moderna, obtendo um considerável resultado de discordância nas afirmativas. Aquelas que concordam com a afirmação CI = ciência pós-moderna, justifi-cam-se, basicamente, assim: a) “a CI possui, entre seus elementos constituintes, características do momento histórico da pós-modernidade. Nesse caso, o termo de comparação utilizado pelos professores são as características culturais do momento histórico da pós-modernidade, como, por exemplo, o fato de ser esse momento caracterizado como uma “sociedade da informação” ou “sociedade do conhecimento.” b) “a CI é pós-moderna por se constituir num tipo diferente de conhecimento científico, com características específicas e diversas das ciências modernas, voltadas para a resolução de problemas causados justamente pelas ciências modernas”; c) “a CI

gência” da pós-modernidade, como no caso do pragmatismo na virada do século XIX para o XX – que a tecnologia era apenas um meio e devia ser criticamente apropriada, a CI construía-se como uma tecnociência voltada para a exploração das novas tecnologias da informação para comunicação científica.

Se nos baseamos na principal linha positivista dos estudos informacionais, a bibliometria pura – ou bibliografia estatística –, é fácil concordar com Oliveira (2005, p. 20), quando a autora afirma que há uma “unanimidade entre os pratican-tes e pesquisadores da CI sobre o fato de esta ser um campo intersciplinar” – afir-mação que tem, na pesquisa de Carlos Araújo (2007), um diálogo aproximado. Se recolhemos estatisticamente o número de autores que repetem a frase “a CI nasceu interdisciplinar” certamente nos aproximaremos da “unanimidade” referida.

No entanto, é exatamente a historiografia trifocal, como aquela de Capurro (2003) fundo paradigmático-kuhinana, que demonstra o quanto o conceito de “na-tureza interdisciplinar” da área é frágil – e, principalmente, se apresenta como uma noção reduzida. Se o inter abre as possibilidades de identificar e compreender o objeto, a tradição física – aquela que teria dado origem à CI – reduz a informação a uma entidade coisificada. Mais do que isso: reduz a informação a uma entidade tecno-científica, a-cognitiva e a-social. Se dissermos que todo encontro de teorias e teóricos em torno do objeto define uma interdisciplinaridade, é coerente corrobo-rar o resultado da análise bibliométrica da frase “a CI nasceu interdisciplinar”. Esta frase se reproduz em artigos, dissertações, teses, discursos orais e demais narrativas científicas em CI. Porém, se partimos de uma análise hermenêutico-pragmática, percebemos que, no caso da CI, há uma subversão do conceito de interdisciplinari-dade, uma especialização da complexidade e uma afunilação dos olhares, que parte desde a emancipação da Biblioteconomia Especializada.

é pós-moderna simplesmente por ter nascido no momento histórico da pós-modernidade. Não são, assim, suas características próprias que a definem como ciência pós-moderna, mas apenas o momento de seu nascimento”. Os docentes que não concordam com a questão, dizem que “que não acreditam na existência da pós-modernidade, isto é, que acreditam que ainda estamos na modernidade – sendo a pós-modernidade apenas um rótulo, um modismo, um termo inade

-quado” ou que “a CI tem origem num momento histórico anterior à pós-modernidade (no caso, ainda como biblioteconomia ou documentação) e que defini-la como pós-moderna seria negar todo o trabalho realizado até então”, e, ainda, que “não há fundamentos conceituais suficiente

-mente evidentes na pós-modernidade para que se possa definir uma ciência como pós-moderna”. Notamos que não é identificada a própria questão da institucionalização do termo “ciência da informação”, quando em geral se identifica o nascimento da CI, momento em que eclode o discurso da pós-modernidade e, simultaneamente, esta área aparece como o produto aperfeiçoa

O encontro, em meados do século XX, de engenheiros, bibliotecários, linguis-tas, filósofos e tantos outros em torno do objeto “informação”, teria dado origem a uma nova ciência, uma “ciência da informação”, uma ciência reduzida a) à própria ciência – e não aos sujeitos –, legitimando o mito do cientificismo, criticado, dentre tantos, por Moles (1995) e Wittgenstein (1979); b) à tecnologia – e não ao conheci-mento – legitimando o mito da tecnocracia, por tantos contestado, como por Mills (1975); c) à realidade a-social – e não à realidade das comunidades que interpretam a seu modo o mundo em que vivem –, legitimando o mito do essencialismo, des-construído pelos sociólogos e antropólogos da ciência a partir da Segunda Guerra Mundial, e por toda a legião dos pragmáticos, incluindo os atores discursivos do pragmatismo informacional. A informação, quando se dá a formalização da CI, aparece substituindo o sujeito, fragmentando a ciência, separando conhecimento e sociedade, valorizando o cientificismo acima da racionalidade – esta que não ne-cessariamente está nos laboratórios e salas de aula. A CI aparece como uma ciência para o Estado, para o Exército e para o Mercado3, não para o indivíduo. Ou seja, uma ciência que vai contra os pressupostos sociais de uma interdisciplinaridade, uma ciência que nasce contra o interdisciplinar4,.

Deste modo, em um olhar pragmático, dizer – e repetir – que a CI nasceu interdisciplinar não só apresenta-se como um paradoxo diante dos focos resultan-tes desse encontro de cientistas nos estudos de organização do conhecimento em meados do século XX, como relativiza o conceito de interdisciplinaridade, permi-tindo-nos inferir que todo encontro de dois pesquisadores já identifica um diálogo interdisciplinar, independente se este encontro pretende, dentre outras coisas, frag-mentar e unilateralizar o olhar sobre o objeto.

É necessário lembrar que a interdisciplinaridade é a crítica da especialização da disciplinaridade, não da disciplinaridade convergente. É, como nos provoca Go-mes (2001), exatamente a partir desta última que podemos conviver com o “diálo-go concreto entre as disciplinas”, que aqui chamamos a solidariedade pragmática rortyana. Como aponta Pinheiro (2002, p. 82),

3 O termo “informação”, como visto, aparece como no bojo dos estudos de organização, trans-missão e preservação do conhecimento para especializar esta área em um forte programa tecno-lógico de apreensão da sociedade. Passamos pelo filósofo e sociólogo Jean Lojkine (1999, p. 49), para, como ele, lembrar, crítica e pragmaticamente, que o computador, “produto sócio-histórico”, “nasce, por exemplo, de uma precisa demanda do complexo militar-industrial norte-americano ao fim da segunda guerra mundial”.

4 Pinheiro (2005, p. 3), classifica o período 1961/62 – 1969, primeira fase do processo evolutivo da CI, como a fase conceitual e de reconhecimento interdisciplinar. É relevante notar que é nesta faixa histórica o campo de formulação e construção do conceito de “ciência da informação” de Borko (1968), que coisifica e especializa a noção de informação.

sobre a interdisciplinaridade da CI é fundamental ressaltar que a natu-reza interdisciplinar de uma área tem como pressuposto a disciplinari-dade, por meio da qual ‘uma disciplina deverá, antes de tudo estabele-cer e definir suas fronteiras constituintes’.

Em 1998, Pinheiro observa que a CI incorpora muito das contribuições de outras áreas. Esta constatação parece-nos, diante das dificuldades de compreensão dos escopos da área de estudos informacionais e de suas mencionadas fragilidades terminológicas, mais preocupante que solucionadora de problemas. Somos abertos apenas para o consumo, não para o diálogo? Esta categoria da interdisciplinaridade – o fundamento interdisciplinar pelo consumo – é a principal frequência de res-postas obtidas por Carlos Araújo (2007), como mencionado, quando os docentes responderam porque compreendem a CI como interdisciplinar, ou seja, quando o próprio discurso do interdisciplinar começa a ficar saturado – não por sua im-portância, mas exatamente pelos abusos do conceito – pensa-se o interdisciplinar apenas por uma via, uma via unilateral. A mesma angústia está na analogia geográ-fico-histórica saraceviciana da CI com a Austrália, ou seja, como o país da Oceania, a área mais se desenvolve no litoral que no interior (PINHEIRO, 2006). A analogia não nos parece coerente para o contexto científico. Para um país talvez não exista diferença entre desenvolver-se na costa ou no interior, desde que consiga social e economicamente se sustentar. No entanto, para uma disciplina, imaginamos, per-ceber que há sempre mais combatentes no front que nas salas de desenvolvimento de estratégias, nos becos e travessas, é um tanto quanto arriscado, um tanto quanto suicida.

Até que ponto não seria apenas um mito – um mito pós-moderno frágil, um outro simulacro da linguagem – falar em ciência interdisciplinar, uma vez que é impossível medir o verdadeiro contato entre as disciplinas, a verdadeira conver-gência, perguntariam os positivistas? O positivismo, uma das esferas discursivas que financiou a especialização da epistemologia complexa dos humanistas, usaria hoje a mesma crítica levantada há mais de um século, a crítica à fragmentação pela dispersão do conhecimento. No entanto, a impossibilidade de medir nos leva, segundo os pragmáticos, até os desafios de uma hermenêutica. Há sempre graus diferentes e as relações estão sob a sombra de fatores políticos, ideológicos e utó-picos. Por isso, falar em solidariedade, em comunhão para convivência desenvol-vimentista, e não progressista ou evolucionista, acreditamos estar mais próximos do discurso de uma epistemologia da imaginação que aqui pontuamos como ur-gente. Assim, apenas com um tecido mais sólido do pragmatismo identificado na epistemologia informacional começamos a perceber com mais nitidez, quarenta/

cinquenta anos depois da institucionalização do termo “ciência da informação”, as coerentes possibilidades compreensivas de “sermos” ou “não sermos” interdiscipli-nares. Mas o que temos hoje, quando o pragmatismo e sua linha hermenêutica da epistemologia se faz presente: uma massa considerável de artigos reproduzindo a frase: a Ciência da Informação nasceu interdisciplinar, e pensando a interdiscipli-naridade pelo consumo.

Ser interdisciplinar parece ser a condição única – a matéria de originalidade da

No documento C iênCia da i nformação (páginas 136-160)