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1. Introdução

1.3. A crítica de Wittgenstein ao problema ceticismo russelliano do passado

Podemos notar como o tratamento da memória como fonte constitui um importante elemento da filosofia de Wittgenstein, em 1929-1930, através da contraposição com o modo como Russell concebe a memória no The Analysis of Mind (AoM).132 Por esse viés, poderemos traçar a concepção de memória de Wittgenstein

como uma linha de resposta à forma de ceticismo do passado ao qual Russell estaria sujeito.

De acordo com Russell:

Não é logicamente necessário para a existência da memória [memory-belief] que o evento relembrado tenha ocorrido, ou até mesmo que o passado tenha de todo existido. Não há impossibilidade lógica na hipótese de que o mundo tenha se originado cinco minutos atrás, exatamente como ele estava, com uma população que “relembra” um passado totalmente irreal133.

É a independência lógica concedida por Russell entre a memória (memory- belief) e o evento rememorado que torna logicamente possível esta forma radical de ceticismo do passado. Russell é levado a ela por duas principais razões: i) o tratamento da memória à semelhança de uma representação (bipolar) do passado e ii) uma concepção realista do passado, na qual o passado poderia existir de forma independente

131 A importância dessas análises para os propósitos deste livro é que, na análise do ALP, encontraremos a

exigência dessa cisão entre ser e parecer ser, no âmbito da memória. Interpretaremos isso como a recusa da possibilidade de construção de uma linguagem a partir de um suposto mundo primário, no qual a memória seria a fonte da identidade e do conhecimento (como argumentarei a partir do PS).

132 Uma grande dificuldade que essa relação com Russell nos traz é o fato deste autor ter adotado várias

concepções diferentes ao longo de sua vida. Para evitar esse problema, buscarei traçar apenas uma relação parcial entre Wittgenstein e as ideias de Russell presentes em alguns dos seus artigos, sem me comprometer com a questão acerca da relação entre Wittgenstein e os outros textos de Russell.

133 AoM, p. 94. (“It is not logically necessary to the existence of a memory-belief that the event

remembered should have occurred, or even that the past should have existed at all. There is no logical impossibility in the hypothesis that the world sprang into being five minutes ago, exactly as it then was, with a population that "remembered" a wholly unreal past”).

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da memória (sendo o evento passado aquilo que determina a verdade ou falsidade da memória). A bipolaridade da memória está diretamente relacionada ao realismo do passado, pois, segundo ele, “(...) minha memória é verdadeira (ou falsa) em virtude de um evento passado”.134 E é a possibilidade de falsidade da memória que torna logicamente possível que todas as memórias sejam falsas, podendo o passado, até mesmo, sequer existir.

Mas, se a memória independe logicamente do evento passado, o que a torna uma imagem mnemônica algo diferente das outras imagens mentais não poderá ser a relação que ela mantém com o passado (pois o passado pode sequer existir). Isso conduz Russell a pensar a memória como uma imagem presente à qual é acrescida uma determinação, que a diferencia das demais imagens (mentais presentes). Como afirma Russell:

(...) tudo que constitui a memória [memory-belief] está acontecendo agora, não no tempo passado ao qual a crença diz referir-se. Não é logicamente necessário para a existência de uma memória [memory-belief] que o evento relembrado deva ter ocorrido, ou que o passado tenha de fato existido135.

A maneira de diferenciar a memória de outras imagens mentais presentes (como é o caso da imaginação) é que as memórias seriam “(...) acompanhadas de um sentimento de crença que pode ser expresso nas palavras ‘isto aconteceu’”.136 Esse

sentimento de crença (feeling of belief) é um “sentimento de 'pretericidade' [pastness]”,137 que é acrescido à imagem, tornando-a uma imagem mnemônica. O ponto

em questão é que, através dessas teses, Russell reduz a memória a um acontecimento presente, tratando a “pretericidade” como algo que é acrescido a uma imagem (e que a torna uma imagem mnemônica).

Um modo de compreender como essa posição de Russell difere da de Wittgenstein, no que tange ao estatuto da memória, é notar como Russell concebe a estrutura temporal da realidade de modo diferente de Wittgenstein, ao compararmos os usos que esses autores fazem da metáfora do projetor.138 Isso nos permitirá o

134 AoM, p. 98. (“(…) my memory is true (or false) in virtue of a past event”).

135 AoM, p. 94. (“(…) everything constituting a memory-belief is happening now, not in that past time to

which the belief is said to refer. It is not logically necessary to the existence of a memory-belief that the event remembered should have occurred, or even that the past should have existed at all”).

136 AoM, p. 104. (“(…) are accompanied by a feeling of belief which may be expressed in the words "this

happened"”).

137 Cf. AoM, p. 96.

138 Um problema que resta a ser explorado é o de como coadunar essa caracterização da metáfora por

Russell, no UCM de 1915, com a sua filosofia de 1921. Há ao menos dois momentos na filosofia de Russell, no que tange à memória. Em um período inicial ele sustenta que a memória nos daria

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entendimento de como, de acordo com Wittgenstein, o estatuto da memória em Russell (e, consequentemente, a forma de ceticismo ao qual estaria sujeito) encontrar-se-ia atrelado à confusão entre o tempo primário e o tempo secundário (entre o estatuto do filme e da tela do cinema – na metáfora do projetor). Isso, por fim, nos possibilitará compreender como, para Russell, a memória é uma representação que independe logicamente do passado e, para Wittgenstein, ela é (como já visto) a fonte do conceito de passado e o critério único do que nos foi dado (no mundo primário). A posição defendida por Russell seria apenas uma compreensão fisicalista da memória – na qual os eventos passados subsistiriam de modo independente da memória (tornando a memória uma representação bipolar). Para compreendermos como Russell concebe a estrutura temporal da realidade (no UCM de 1915), vejamos como ele interpreta a metáfora do projetor (que, retira de Henri Bergson)139:

Meu significado em relação à impermanência das entidades físicas pode ser talvez tornado mais claro pelo uso da metáfora favorita de Bergson do cinematógrafo. Quando li a afirmação de Bergson, que os matemáticos concebem o mundo através da analogia com o cinematógrafo, eu nunca tinha visto um cinematógrafo, e a minha primeira visita a um foi determinada pelo desejo de verificar a afirmação de Bergson, que descobri ser completamente verdadeira, até onde eu sei. Quando, em um cinema, vemos um homem rolando morro abaixo, ou fugindo da polícia, ou caindo em um rio, ou fazendo qualquer uma dessas coisas às quais os homens nesses lugares são aficionados, nós sabemos que não há apenas um homem se movendo, mas uma sucessão de filmes, cada um com um diferente homem momentâneo. A ilusão da persistência decorre apenas da aproximação à continuidade da série de homens momentâneos. Agora o que quero sugerir é que neste respeito o cinema é um metafísico melhor que o senso comum, a física ou a filosofia. O homem real também, creio eu, por mais que a polícia possa testemunhar sobre a sua identidade, é uma série de homens momentâneos, cada um diferente do outro, e unidos, não pela identidade numérica, mas pela continuidade e certas leis causais intrínsecas. E o que se aplica aos homens aplica-se igualmente a mesas e cadeiras, ao sol, à lua e as

conhecimento por familiaridade (acquaintance) com objetos de uma passado remoro. (Um ótimo artigo

sobre esse tema é o de Paulo Farias, de 2010). Posteriormente, ele irá sustentar que a memória nos dá acquaintance com objetos passados, apenas no caso da memória imediata. A divergência dos comentadores diz respeito à datação desta mudança. David Pears (1974) situa o primeiro momento entre 1905 e 1915 (revisando a sua interpretação inicial que marcava o final deste período em 1919 (Pears, 1967)). Sajahan Miah (2006) situa o primeiro momento entre 1905 e 1913, pois, segundo ele, no TK de 1913, Russell claramente não mais concebe a memória como algo que nos daria acquaintance com objetos de um passado remoto. De toda sorte, tanto a datação do primeiro momento como 1905-1915 quanto 1905-1913 permitiriam tratar o UCM como pertencente ao segundo momento da filosofia da memória de Russell. Assim, embora o trabalho historiográfico necessário para que se possa aproximar o UCM do AoM estenda-se para além dos limites desse livro, essa datação tornaria menos problemático o paralelo aqui traçado.

139 É bem possível que Wittgenstein tenha tirado a metáfora do projetor do uso feito por Russell (em, por

exemplo, do UCM, de 1915). Porém, caso levemos em consideração o relato feito a O. K. Bouwsma, em 1949 (de que ele havia concebido a metáfora em meio a uma conversa sobre o cogito cartesiano com Gotlob Frege, em 1911 (cf. Bouwsma, 1986, p. 10)), devemos atribuir a gênese da metáfora em Wittgenstein a uma fonte que independe de Russell.

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estrelas. Cada uma dessas [coisas] deve ser tomada, não como uma única entidade persistente, mas como uma série de entidades, sucedendo umas às outras no tempo, cada uma durando apenas um período muito curto, porém, provavelmente não um mero instante matemático. Ao falar isso, estou apenas reivindicando o mesmo tipo de divisão para o tempo que estamos acostumados a reconhecer no caso do espaço. Um corpo que ocupa um pé cúbico será tomado como consistindo de muitos corpos menores, cada um ocupando apenas um pequeno volume; similarmente uma coisa que persiste por uma hora deve ser tomada como composta de várias coisas de menor duração. Uma teoria verdadeira da matéria requer a divisão das coisas em corpúsculos-temporais assim como em corpúsculos-espaciais.140

Tendo em vista explicitar as razões que levaram Russell a conceder um estatuto à memória diferente de Wittgenstein, o que nos é importante notar nesta longa citação é que Russell aceita aqui a metáfora de Bergson do projetor como “completamente verdadeira”, mas a usa de modo antagônico a Wittgenstein. Russell formula aquilo que seria para ele o cerne da metáfora como a ideia de que a persistência das coisas na tela (o homem que vemos perseguido pela polícia, ou aquele que cai em um rio etc.) seria apenas uma ilusão decorrente do modo pela qual a série das imagens momentâneas (os fotogramas do filme) aproxima-se da continuidade (através da projeção do filme). Não há, para ele, em verdade, apenas um homem, mas uma série de homens, nos fotogramas do filme. Russell compreende tal descrição como uma metáfora da realidade, pois o modo como um filme é constituído de imagens momentâneas, que levam à ilusão de que as coisas persistem, seria semelhante à maneira pela qual a realidade, composta por entidades momentâneas, aparece-nos como temporal. O homem real seria também uma

140 UCM, pp. 99-100. (Reeditado em ML). (“My meaning in regard to the impermanence of physical

entities may perhaps be made clearer by the use of Bergson's favorite illustration of the cinematograph. When I first read Bergson's statement that the mathematician conceives the world after the analogy of a cinematograph, I had never seen a cinematograph, and my first visit to one was determined by the desire to verify Bergson's statement, which I found to be completely true, at least so far as I am concerned. When, in a picture palace, we see a man rolling down hill, or running away from the police, or falling into a river, or doing any of those other things to which men in such places are addicted, we know that there is not really only one man moving, but a succession of films, each with a different momentary man. The illusion of persistence arises only through the approach to continuity in the series of momentary men. Now what I wish to suggest is that in this respect the cinema is a better metaphysician than common sense, physics, or philosophy. The real man too, I believe, however the police may swear to his identity, is really a series of momentary men, each different one from the other, and bound together, not by a numerical identity, but by continuity and certain intrinsic causal laws. And what applies to men applies equally to tables and chairs, the sun, moon and stars. Each of these is to be regarded, not as one single persistent entity, but as a series of entities succeeding each other in time, each lasting for a very brief period, though probably not for a mere mathematical instant. In saying this I am only urging the same kind of division in time as we are accustomed to acknowledge in the case of space. A body which fills a cubic foot will be admitted to consist of many smaller bodies, each occupying only a very tiny volume; similarly a thing which persists for an hour is to be regarded as composed of many things of less duration. A true theory of matter requires a division of things into time-corpuscles as well as into space- corpuscles.”).

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série de homens momentâneos. O que une essa série (dando identidade ao homem) não poderá ser a identidade numérica (pois, em cada instante, o homem seria outro), mas, de acordo com Russell, a continuidade e as leis causais, intrínsecas à realidade. Assim, os objetos materiais não seriam entidades que perduram no tempo, mas uma série de entidades, que (à semelhança dos fotogramas no filme) duram um curtíssimo período de tempo. A parte final da citação permite notar que Russell retira tal compreensão de tempo da analogia com o espaço – da tese de que um objeto espacial poderia ser concebido como o somatório das minúsculas partes que o compõem. E para escapar do regresso ao infinito ao qual essa concepção estaria sujeita, Russell recorre à noção de que a matéria, constituinte da realidade, seria composta por corpúsculos-temporais (time-corpuscles) e corpúsculos-espaciais (space-corpuscles).

No caso de Wittgenstein (como visto anteriormente), o filme não é aquilo que na metáfora representa a realidade, mas é apenas a maneira pela qual as linguagens fisicalistas representam de forma sincrônica a ordem temporal sucessiva, do tempo primário. Ou seja, a realidade, para Wittgenstein, não é o filme, mas a tela (contrariamente a Russell, que concebe a imagem da tela como uma ilusão causada pelo modo como o filme é projetado). Isso nos permite traçar um limite para o uso da metáfora em Wittgenstein. Para esse autor, não é a projeção do filme que causa a imagem na tela, mas o filme seria apenas um modo de apresentação da realidade que aparece na tela. Ou seja (diferentemente de Russell), a persistência das coisas na tela não é uma ilusão causada pela projeção contínua do filme (aproximadamente, 25 fotogramas por segundo), mas a realidade (temporalmente ordenada), a partir da qual o filme é construído (tornando bastante inapropriado o uso da metáfora por Wittgenstein, sob esse aspecto).

A diferença de peso ontológico, concedido por Wittgenstein à tela e por Russell ao filme, nos permite pontuar que a compreensão de Russell da realidade através da analogia com o cinematógrafo seria, para Wittgenstein, uma ilusão metafísica, decorrente da confusão entre o tempo primário e o tempo secundário. Podemos encontrar o modo como Wittgenstein constrói esse tipo de crítica na seção 57 das PB: “[o]s piores erros filosóficos sempre surgem quando tentamos aplicar nossa linguagem ordinária – fisicalista – no âmbito dos dados imediatos”.141 Mais especificamente (no

que tange ao tempo), dirá o autor, na seção 49 do mesmo livro: “[n]ão se pode então

141 MS, 107, p. 160 / PB, §57. (“Die ärgsten philosophischen Irrtümer entstehen immer wenn man unsere

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aplicar o conceito do tempo, i.e., as regras sintáticas como se aplicam aos substantivos físicos, ao mundo das representações”.142 Encontraríamos esse tipo de confusão no modo como Russell concebe a realidade como uma “uma série de entidades que se sucedem umas às outras no tempo, cada uma durando um curtíssimo período”. Com isso, ele toma o modo de apresentação fisicalista (na qual podemos dizer que um pedaço de tempo é composto por pedaços menores – aplicando ao tempo a divisibilidade do espaço) como a realidade, confundindo o estatuto do sistema primário com o do secundário. Wittgenstein parece ter em mente as palavras de Russell no UCM quando escreve:

É estranho que na vida ordinária não somos incomodados pelo sentimento que o fenômeno está escapando de nós, o constante fluxo da aparência, mas apenas quando filosofamos. Isso indica que o que está em questão aqui é uma ideia sugerida por uma má aplicação de nossa linguagem. O sentimento que temos é que o presente desaparece no passado sem que possamos evitar isso. E aqui estamos obviamente usando a imagem de uma película cinematográfica que constantemente passa por nós, sem que possamos pará-la. Mas isso é claramente apenas resultado do mau emprego da imagem: não podemos dizer “o tempo flui” se pelo tempo queremos dizer a possibilidade do movimento.

O que estamos olhando aqui é a possibilidade do movimento: e assim a forma lógica do movimento.143

Neste trecho, Wittgenstein retraça o sentimento de que os fenômenos nos escapam a uma má aplicação da linguagem, que ocorre quando filosofamos. O modo como Russell concebe o objeto material como uma série de entidades (que se sucedem umas às outras no tempo) seria um claro exemplo dessa má aplicação, pois a realidade constantemente nos escaparia, visto que nela as entidades da realidade durariam um curtíssimo período de tempo. Elas constantemente desapareceriam no passado, como os fotogramas do filme já projetado. Porém, para Wittgenstein, isso é apenas a aplicação irrestrita da metáfora, em que se confunde a possibilidade do movimento (o tempo primário, que é a forma lógica temporal da realidade) com o movimento (por exemplo, de como um fotograma já projetado do filme fica a cada instante mais distante da

142 MS, 108, p. 34 / PB, §49. (“Man kann also den Zeitbegriff, d.h. die Regeln der Syntax, wie sie von den

physikalischen Substantiven gelten, nicht in der Welt der Vorstellung anwenden, d.h. nicht dort, wo man sich einer radikal anderen Ausdrucksweise bedient.”).

143 MS 108, pp. 32-33 / PB, §52. (“Es ist merkwürdig, daß wir das Gefühl, daß das Phänomen uns

entschlüpft, den ständigen Fluß der Erscheinung, im gewöhnlichen Leben nie spüren, sondern erst, wenn wir philosophieren. Das deutet darauf hin, daß es sich hier um einen Gedanken handelt, der uns durch eine falsche Verwendung unserer Sprache suggeriert wird. / Das Gefühl ist nämlich, daß die Gegenwart in die Vergangenheit schwindet, ohne daß wir es hindern können. Und hier bedienen wir uns doch offenbar des Bildes eines Streifens, der sich unaufhörlich an uns vorbeibewegt und den wir nicht aufhalten können. Aber es ist natürlich ebenso klar, daß das Bild mißbraucht ist. Daß man nicht sagen kann, "die Zeit fließt", wenn man mit "Zeit" die Möglichkeit der Veränderung meint. / Was wir hier betrachten, ist eigentlich die Möglichkeit der Bewegung. Also die logische Form der Bewegung”).

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lâmpada do projetor). Em resumo: para Wittgenstein, Russell teria sucumbido à analogia com o espaço, ao tomar o tempo físico como o tempo da realidade (e a tese da divisibilidade do tempo em corpúsculos-temporais à semelhança dos corpúsculos- espaciais mostra claramente que sua concepção encontra-se baseada em um tratamento espacializado do tempo).144

À luz das análises de Wittgenstein, a concepção de Russell da realidade como composta por entidades momentâneas (semelhantes aos fotogramas de um filme) é o tratamento da realidade como a série sincrônica dos eventos e o fluxo temporal como o deslizamento da série sincrônica sobre a luz do presente (usando aqui a linguagem da metáfora, em seu tratamento dado por Ramsey). Nesse caso, os eventos futuros (já existentes) ficariam a cada instante mais próximos do presente e, após passarem pelo presente, desapareceriam no passado; subsistindo (de alguma forma) cada vez mais distantes do presente. Esse tipo de confusão conceitual (entre as gramáticas do tempo fenomenológico e físico) é expresso por Wittgenstein, em meados da década de trinta, através da seguinte caricatura: “[n]ós, certamente, podemos imaginar um submundo no qual eles [os eventos] teriam desaparecido da vida real”.145 Em 1929, para Wittgenstein,

isso não seria nada além da confusão entre as gramáticas do sistema primário e secundário.

Russell, ao conceber realidade como composta por “(...) entidades, sucedendo umas às outras no tempo”,146 supõe que, na série que constitui o modo como os objetos aparecem na tela, algumas das entidades estariam no passado, enquanto outra nos seria dada no presente e, outras, estariam no futuro. Por esse viés, ele concede um mesmo estatuto ontológico (no UCM) às entidades da série, em qualquer dos momentos do triunviratum (passado, presente e futuro). As entidades passadas ainda existiriam, assim como, as presentes e as futuras (que já estariam pré-formadas). O cerne da